Direitos e deveres no home office ainda carecem de regras claras

Ajuda de custos, controle de jornada e escolha de voltar ou não ao escritório estão entre principais questionamentos

​Conta de luz mais cara, jornada de trabalho sem fim e dificuldades de promoção futuras para quem optar por não voltar ao escritório. Quase dois anos após o início das medidas de distanciamento e com as empresas tentando voltar ao modelo presencial, o home office ainda gera dúvidas entre os trabalhadores.

No início das medidas de isolamento no Brasil, em março de 2020, o modelo mais próximo à nova realidade dos trabalhadores era o do teletrabalho, regulamentado pela reforma trabalhista de 2017, e muitos empregados e empresas tiveram de aderir ao home office pela primeira vez.

Ao longo da crise sanitária, então, o governo publicou uma sequência de medidas provisórias e recomendações, como as MPs 927 e 936, que flexibilizaram parte das regras previstas na CLT.

Sentada, usando um notebook, ao lado da varanda de sua casa, Cristiane Paulucci, que contratou arquiteta para montar escritório em casa
Cristiane Paulucci, que contratou arquiteta para montar escritório em casa – Ronny Santos/Folhapress

As medidas, no entanto, estavam atreladas ao estado de calamidade por conta da pandemia, e perderam a validade antes que a crise sanitária acabasse.

Na prática, com o avanço da vacinação, as flexibilizações e novas ondas de Covid-19, as empresas têm se organizado para decidir sobre o fornecimento de equipamentos de trabalho, o número de dias fora do escritório e a compensação por aumento de gastos ou mudanças nos contratos.

Na empresa da especialista em comércio exterior Cristiane Paulucci, 54, os empregados conseguiram aulas virtuais de ginástica laboral e meditação online. As equipes também receberam em casa cadeiras de escritório e outros equipamentos de apoio.

Ela, que tinha um cômodo em seu apartamento usado para receber visitas, resolveu contratar uma arquiteta Fernanda Moreira e investir cerca de R$ 13 mil para transformar o espaço em escritório e sala de estudos.

“Quando o escritório voltar ao normal, a ideia é ir três vezes por semana. Por um lado, economizo cerca de 1h20 no trânsito todos os dias, mas acho importante e saudável ter o contato com as pessoas e sair de casa. Ir para o escritório duas vezes por semana seria o ideal.”

Moreira conta que a busca por clientes que passaram a trabalhar mais tempo em casa e precisavam reformar ou criar um escritório foi uma das principais demandas nos últimos anos. As necessidades variavam de acordo com a função e os equipamentos fornecidos pelas empresas.

Mas nem todos os conflitos que vieram com o home office foram resolvidos pacificamente. No ano passado, por exemplo, um juiz do Trabalho no Rio de Janeiro determinou que a Petrobras fosse responsável pelos custos mensais dos funcionários em casa, a partir de uma ação coletiva do Sindicato dos Petroleiros local.

Os trabalhadores exigiam que a petroleira arcasse com os custos de internet, energia elétrica e fosse responsável por disponibilizar a estrutura física para o trabalho em casa. Após recursos, a empresa teve de manter apenas uma verba de apoio.

Para o especialista em direito do trabalho Roberto Calcini, a pandemia exige uma regulamentação mais cuidadosa do trabalho em casa.

“A relação entre empregados e empresas sofreu um processo de acomodação em razão dos dois anos de pandemia, mas sem que tenhamos, até agora, uma efetiva segurança jurídica sobre o assunto.”

Ele avalia que é urgente a criação de uma nova legislação que detalhe melhor os direitos e obrigações do trabalhador, a partir das demandas criadas com a pandemia.

“A única diretriz normativa atualmente vigente é a do teletrabalho na CLT, de 2017, anteriormente, portanto, ao início da pandemia, e que não dispõe especificamente sobre o home office.”

No primeiro ano da crise sanitária, entre março e agosto de 2020, as ações na Justiça do Trabalho envolvendo home office chegaram a aumentar 270%, até pela novidade que essa modalidade de trabalho trouxe para empresas e empregados.

O TST (Tribunal Superior do Trabalho) aponta que o número de processos envolvendo teletrabalho e home office chegaram a 258 em 2021, alta de 263% ante 2019, no pré-pandemia. No Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, ​foram 155 processos abertos por temas relacionados no ano passado —em 2019, eram cinco.


Novos processos envolvendo teletrabalho e trabalho em domicílio
2017140
201874
201971
2020253
2021258

Fonte: TST


Segundo advogados, ainda há lacunas na legislação em relação ao controle de jornada, às horas extras e à privacidade no uso do computador, por exemplo.

No caso da ajuda de custos, Calcini entende que a empresa é obrigada a dar, já que a casa do funcionário se tornou uma extensão do escritório durante a pandemia. “A jornada de trabalho também deve ser a mesma de antes, com controle de jornada.”

Os especialistas em legislação trabalhista lembram que o potencial de crescimento das ações trabalhistas pode ser maior, já que muitos funcionários deixaram de acionar a Justiça para não arcar com o pagamento de honorários advocatícios, caso perdessem as causas.

Em outubro de 2021, o STF (Superior Tribunal Federal) entendeu que essa cobrança imposta pela reforma trabalhista é inconstitucional, e a tendência é de aumento no número de processos relacionados ao home office.

Segundo o também especialista em direito do trabalho Denis Sarak, onde há insegurança jurídica, há conflito. “A lacuna da nossa legislação favorece a desinformação e consequentemente os conflitos. Ainda não temos uma legislação específica sobre o home office, apenas projetos de lei.”

HOME OFFICE PODE SER BARREIRA PARA AVANÇAR NA CARREIRA

Funcionária de uma empresa no Rio Grande do Sul, Paloma Seixas, 28, nunca havia se imaginado trabalhando de casa. Com a pandemia e o fechamento temporário do escritório, ela se mudou de Viamão, na Grande Porto Alegre, para Garopaba, no litoral de Santa Catarina, e não pensa em voltar.

“A rotina aqui é muito mais tranquila, sinto como se a gente tivesse morado aqui a vida inteira. Parte da empresa está em modelo híbrido [presencial e remoto] desde o fim do ano e me deram opção de continuar em casa, mas temo que não consiga crescer na empresa, se continuar morando longe.”

Para o professor Peter Cappelli, que dirige o Centro de Recursos Humanos da Wharton School of Business, nos Estados Unidos, a preocupação de Seixas não é exagero, e é quase certo que os trabalhadores que não quiserem voltar ao escritório terão dificuldades na carreira.

“As pessoas que ficarem no escritório em tempo integral, trabalhando ao lado dos chefes e de outros colegas, vão progredir mais rápido. Todas as pesquisas anteriores sobre trabalho remoto mostraram isso.”

Cappelli, que também é autor do livro “The Future of the Office” (O Futuro do Escritório), lembra que o trabalho híbrido era realidade para cerca de 10% dos norte-americanos antes da pandemia e provavelmente mais empresas devem adotar o modelo agora.

“Seja qual for o modelo combinado entre empregados e empresas, a grande lição que a pandemia trouxe é que as pessoas realmente gostam de ter controle sobre seu tempo. Portanto, mesmo que elas voltem ao escritório, não vão querer que a empresa controle todos os seus passos.”

DIREITOS NO HOME OFFICE E O QUE FALTA REGULAMENTAR

  • Ajuda com gastos de luz e internet

A empresa deve fornecer uma ajuda de custos, já que a casa do funcionário se tornou uma extensão do escritório durante a pandemia, avalia o especialista em direito trabalhista Ricardo Calcini

  • Fornecimento de equipamentos de trabalho

O MPT (Ministério Público do Trabalho) recomenda que empresas e empregados observem itens de ergonomia (como mobiliário e postura física) e conexão, para que a empresa forneça as condições adequadas

  • Jornada de trabalho

A jornada de trabalho em casa também deve ser a mesma do escritório, com controle de jornada feito de forma eletrônica

  • Tempo de desconexão

O direito do trabalhador a períodos em que consiga ficar desconectado e barrar troca de mensagens fora do expediente, para garantir a saúde mental do funcionário, é uma das lacunas atuais

  • Privacidade em casa

O direito de imagem e à privacidade dos trabalhadores e seus familiares, sobretudo com o aumento do número de reuniões via transmissão de vídeo, precisa ser redefinido

Fontes: advogados trabalhistas e MPT

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Especialista alerta para chance de tridemia, com surtos de ômicron, delta e influenza

A descoberta da variante ômicron na África do Sul no fim de novembro levantou novas incógnitas sobre a pandemia em todo o mundo.

Seu surgimento também ocorre em um momento em que metade do mundo está vacinada, mesmo com doses de reforço, e a outra metade tem taxas de inoculação baixas ou muito baixas.

O médico John Swartzberg, professor emérito da cadeira de doenças infecciosas e vacinação da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, argumenta que não ter conseguido uma vacinação massiva a nível planetário, seja por falta de acesso às doses em alguns países, além da rejeição à imunização em outros, gera milhões de fábricas virais, uma para cada um desses indivíduos.

Serão eles que produzirão a próxima variante do coronavírus, diz Swartzberg.

O especialista acredita que, além disso, o hemisfério Norte pode sofrer nas próximas semanas o que ele chama de “tridemia”, ou seja, três pandemias ao mesmo tempo, e acredita que a variante que aparecerá no mundo após a ômicron será uma que transformará o Sars-CoV-2 de uma pandemia a uma endemia.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista de Swartzberg à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

Como o senhor analisa o curso da pandemia três semanas após a detecção da ômicron na África do Sul? Tenho uma imagem muito clara das possibilidades para as próximas seis a oito semanas e estou muito preocupado com tempos potencialmente difíceis, mais difíceis do que os que estamos passando agora.

Nos Estados Unidos e em grande parte do mundo, estamos vendo um ressurgimento da (variante) delta agora. A pandemia delta não acabou, apesar de o noticiário falar muito na ômicron. Ainda estamos no meio de uma pandemia de variante delta que está causando morbidade e mortalidade significativas, e então sobreposto a isso está a ômicron.

Swartzberg acredita que hemisfério norte pode sofrer nas próximas semanas o que ele chama de "tridemia", ou seja, três pandemias ao mesmo tempo
John Swartzberg acredita que hemisfério Norte pode sofrer nas próximas semanas o que ele chama de “tridemia”, ou seja, três pandemias ao mesmo tempo – Universidade da Califórnia em Berkeley

Há uma semana, nos Estados Unidos, 0,7% dos casos estava relacionado à ômicron; agora, essa taxa é de 2,8%, quatro vezes mais. Se continuar assim, vamos ver a ômicron como a variante dominante nos Estados Unidos no início de janeiro, enquanto ainda estamos lidando com a delta. Isso é chamado de pandemia dupla.

Mas minha preocupação é que não só teremos uma pandemia dupla, mas teremos uma tridemia: ômicron mais delta mais influenza.

No ano passado, tivemos pouco contágio de gripe, tanto no hemisfério Norte como no hemisfério Sul, mas este ano pode ser mediano. Em um ano médio, temos algumas centenas de milhares de hospitalizações e entre 25 mil e 35 mil mortes em excesso (mortes além do previsto) nos Estados Unidos.

Se tivermos a ômicron, a delta e a influenza ao mesmo tempo nestes meses de dezembro, janeiro e fevereiro, poderemos realmente estar em uma posição muito difícil nas próximas oito ou dez semanas nos Estados Unidos.

O senhor acredita que as pessoas agora estão mais tranquilas em relação às medidas não farmacológicas contra a Covid-19 e é por isso que a gripe vai voltar? Se você tivesse me perguntado antes da ômicron, a resposta seria “sim”. Houve um grande surto de gripe no mês passado na Universidade de Michigan e também na Universidade de Wisconsin. Isso aconteceu porque as pessoas estavam mais relaxadas e a gripe se espalha da mesma forma que a Covid-19.

Mas se você me perguntar agora, quando as pessoas estão preocupadas com a ômicron e vão tomar a dose de reforço ou se vacinarem pela primeira vez por causa desse medo, espero que isso também leve as pessoas a tomarem a vacina contra a gripe e a serem mais cuidadosas.

Portanto, não tenho certeza se posso dizer que as pessoas estão mais relaxadas agora. Direi que, sem dúvida, a ômicron chegou em uma época ruim do ano, porque o frio (no inverno) leva as pessoas a ficarem em casa e isso é perigoso. Além disso, é a temporada de férias, quando as pessoas costumam viajar e se reunir para comemorar. É o momento perfeito para o espalhamento da ômicron, mas é muito ruim para nós.

Quase a metade da população do planeta completou o esquema vacinal. Qual é o risco para as pessoas que ainda não foram vacinadas? Quando pessoas que não têm imunidade contra esse vírus são infectadas, elas se tornam fábricas de vírus; eles produzem bilhões de partículas virais. E se as pessoas são fábricas de vírus, elas se tornam fábricas de variantes, porque algumas dessas bilhões de partículas virais serão uma variante.

A maioria das variantes não tem êxito, mas algumas terão. Esse é claramente o nosso problema. Não temos pessoas suficientes com imunidade, o que permite que o vírus continue a encontrar um lar em humanos que funcionam como fábricas virais para produzir mais partículas virais, e isso significa mais variantes.

A única maneira de quebrar esse ciclo é vacinar os humanos a uma taxa muito maior do que temos em todo o mundo hoje. É inútil para os EUA vacinarem toda a sua população se o restante do mundo não for vacinado. O vírus não reconhece nacionalidades. Ele simplesmente procurará e encontrará humanos para infectar. Onde quer que estejam, ele estará lá; nos Estados Unidos, na América do Sul, na África ou em qualquer outro lugar.

O que o senhor espera de uma variante futura? Deve ser menos prejudicial do que a ômicron? Geralmente, um vírus respiratório me faz espirrar e tossir, mas não me faz sentir muito mal, porque se eu tiver febre alta, dores terríveis no corpo e não conseguir sair da cama, não infectarei outras pessoas. Se os sintomas forem mínimos, mas só produzir tosse e espirros, ainda assim irei trabalhar e fazer coisas com outras pessoas. Isso espalha o vírus e é o seu cenário ideal.

Se com a ômicron o coronavírus evoluiu para um vírus menos sério, essa evolução pode continuar e se tornar mais benigna. Seria uma coisa muito boa.

A ômicron pode ser então o prelúdio para transformar a pandemia em endemia? Pode ser. Dependerá de quão benigna é a doença que causa. Não é possível prever qual será seu comportamento além de dois meses, mas uma possibilidade é que a ômicron seja tão transmissível que infecte quase todo o planeta. E se não se tornar uma doença realmente séria, pode se tornar endêmica.

Mas meu palpite é que a ômicron será primeiro substituída por outra variante, que estará mais sujeita a se tornar uma infecção endêmica. Em qualquer caso, este vírus, o Sars-CoV-2, tem muitos truques na manga, continua a mostrar esses truques e continua a surpreender-nos. Não tenho ideia de quanto tempo vai demorar, mas sei que vamos chegar lá.

Até quando o senhor acredita que os casos, hospitalizações e mortes por Covid-19 deveriam ser contabilizados? Enquanto for uma doença grave e ameaçar a capacidade de nossos sistemas de saúde, devemos monitorá-la de perto em relação a esses três parâmetros. Uma vez que se torne uma doença muito mais benigna, não ameace a capacidade de nossos hospitais e tenhamos muito menos mortes, podemos relaxar.

Variante ômicron do coronavírus foi detectada pela primeira vez na África do Sul
Variante ômicron do coronavírus foi detectada pela primeira vez na África do Sul – Getty Images

Alguns antivacinas afirmam que a vacinação é inútil porque as pessoas vacinadas também ficam doentes e transmitem a doença. Qual é a sua opinião sobre isso? Vá a qualquer hospital agora ou a uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e veja quem está hospitalizado com covid. Existem entre 10 e 15 pacientes não vacinados para cada vacinado. É verdade que as pessoas podem contrair a infecção apesar de terem sido vacinadas e sim, estamos vendo mais infecções com ômicron nos vacinados, mais do que vimos com a delta (e, por sua vez, mais do que com a alpha). Tudo isso é muito verdadeiro. Mas essas infecções nos vacinados são muito menos graves e geralmente não levam as pessoas ao hospital.

Há 13 ou 14 meses, falávamos sobre o fato de que as vacinas precisariam de 50% de eficácia contra o contágio para serem aprovadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Algumas foram 95% eficazes, o que excedeu em muito as nossas expectativas. E não só isso. Elas também estavam evitando a transmissão, então estavam fazendo muito mais do que esperávamos, e todos estavam pensando: “Uau, isso é ótimo! Isso é o que podemos esperar das vacinas.”

Francamente, essa era uma expectativa irreal e tem sido decepcionante que as vacinas não previnam infecções como gostaríamos. No entanto, felizmente, elas nos protegem contra hospitalização e morte.

Algumas pessoas receberam duas doses, mas não querem mais uma terceira. Esta é uma pandemia em evolução, e nossa compreensão de como as vacinas funcionam melhor e como usá-las da melhor forma ainda está evoluindo. O fato de agora precisarmos de uma terceira dose é uma realidade. E podemos precisar de outra em seis meses ou um ano, dois ou 10. Ninguém tem a resposta neste momento.

De qualquer forma, acho que há uma boa chance de não precisarmos de outra dose por muito tempo depois da terceira. Mas essa é a realidade. Isso é o que precisamos entender.

Afinal, depois de algum tempo após receber as duas doses, a imunidade diminui e precisamos de uma terceira para continuar vivos e manter nossos entes queridos vivos. Então vacine-se. Podemos não precisar de uma quarta dose, mas é uma possibilidade e, se precisarmos, teremos que receber uma quarta dose. É isso que devemos fazer quando estamos no meio de uma pandemia.

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Detecção de superbactérias em hospitais triplica na pandemia

Uso de antibióticos e pacientes graves de Covid mais sujeitos a infecções são principais causas

Ao longo da pandemia de Covid-19, triplicou a disseminação de superbactérias, microrganismos resistentes a diversos antibióticos, em hospitais brasileiros, mostra análise do LAPIH (Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do Instituto Oswaldo Cruz), da Fiocruz.

O levantamento foi feito a partir de amostras de bactérias isoladas em oito laboratórios estaduais de saúde pública e enviadas à Fiocruz para uma análise mais detalhada. O grupo pertence a uma rede de monitoramento de resistência bacteriana da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Ainda não há dados consolidados de todo o país.

Em 2019, haviam sido isoladas pouco mais de mil bactérias resistentes a antibióticos. Em 2020, o número de amostras positivas foi de quase 2.000. E em 2021, entre janeiro e outubro, foram mais de 3.700 amostras confirmadas.

Uma bactéria roxa em um fundo preto
Superbactérias, consideradas ameaça global, aumentaram durante a pandemia de Covid-19 – BBC/CDC

O problema das bactérias resistentes até a antibióticos mais modernos, como os carbapenêmicos, é anterior à pandemia, mas piorou muito durante a crise sanitária. Entre as hipóteses estão o alto volume de pacientes muito graves nos hospitais e o aumento do uso de antibióticos. Na Europa, mesmo com a redução do uso de antibióticos, a resistência bacteriana também aumentou entre 2019 e 2020.

Uma estratégia tem sido voltar a usar antibióticos mais antigos, como a polimixina, que, embora mais tóxicos, mostraram-se eficazes no combate a algumas dessas bactérias resistentes. Ocorre que até eles estão perdendo o páreo.

Em agosto passado, uma nota da Anvisa, com base em dados de um laboratório público do Paraná, apontava que, além de um aumento de 90% de microorganismos resistentes, 20% das amostras da Acinetobacter baumannii, uma das bactérias causadoras de infecções hospitalares, já eram resistentes à polimixina.

Segundo a microbiologista e pesquisadora Ana Paula Assef, chefe do LAPIH, o fato de os pacientes com quadros graves de Covid ficarem internados muito tempo, intubados e muito debilitados, favorece o desenvolvimento de infecções secundárias, que precisam ser combatidas com antibióticos.

Com o aumento no uso desses medicamentos, cresce também a pressão seletiva sobre as bactérias. “É um cenário que favorece a disseminação da resistência. Neste ano, começamos a ver casos de bactérias que não tinham tanta resistência e que começaram a ter”, explica Assef.

Embora notas técnicas da Anvisa e da OMS (Organização Mundial da Saúde) reforcem que os antibióticos não são indicados no tratamento de rotina da Covid-19, já que a doença é causada por vírus e esses remédios atuam contra bactérias, houve prescrição exagerada desses medicamentos.

Equipe de profissionais da saúde cuida de paciente com Covid internado em UTI no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Muitos pacientes tomaram antibióticos no início da pandemia
Equipe de profissionais da saúde cuida de paciente com Covid internado em UTI no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Muitos pacientes tomaram antibióticos no início da pandemia – Divulgação

Estudos internacionais já atestam isso. Uma pesquisa com 38 hospitais do estado de Michigan (EUA) mostra, por exemplo, que 57% de 1.705 pacientes hospitalizados com Covid receberam antibiótico. Mas só 3,5% tiveram uma coinfecção bacteriana confirmada por exames.

“Tivemos pacientes com quadros respiratórios muito graves, ficando na UTI por três semanas ou mais e não se sabia se tinha uma infecção bacteriana ali, então se usou muito antibiótico. Fora o antibiótico azitromicina que, no início da pandemia, foi usado para praticamente todos os pacientes. Isso pode ter induzido resistência para outras classes [de antibióticos]”, diz a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas.

Para ela, a resistência bacteriana é uma epidemia silenciosa, que piora a cada ano e que a pandemia foi a gota d´água para agravar ainda mais o cenário. “Nós, do controle de infecção hospitalar, tivemos que desviar nossa atenção total para a pandemia. Tudo aquilo que fazíamos em termos de monitoramento e gerenciamento do uso de antimicrobiano ficou limitado.”

Segundo a médica intensivista Suzana Lobo, presidente da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), o aumento da resistência bacteriana foi notado por infectologistas e intensivistas de todo o país.

Além do perfil mais grave dos pacientes com Covid, ela diz que as práticas usuais de prevenção de infecções foram subestimadas e ficaram ausentes pelo excesso de pacientes em relação ao número de profissionais atuando nos hospitais.

“Essa situação somada ao uso indiscriminado de antibióticos foi cenário ideal para o aumento dos casos de infecção por patógenos multirresistentes que logo se disseminam nos hospitais.”

Para Lobo, a saturação do sistema de saúde e unidades respiratórias abertas sem os critérios de segurança para serem leitos de UTI também tiveram impacto negativo na resistência bacteriana. “Será um efeito colateral dessa busca por mais leitos que teremos que lidar por um longo tempo e a um alto custo.”

Rosana Richtmann lembra que muitos profissionais contratados emergencialmente para atuar na linha de frente dos hospitais não tinham treinamento para controle de infecção. “Tudo feito na emergência você não faz bem feito.”

Ana Paula Assef, da Fiocruz, diz que esse aprendizado sobre o uso dos antibióticos precisa ser melhorado entre os profissionais da saúde. “Muitas vezes, os médicos se desesperam em ver pacientes extremamente graves e acabam usando antibióticos que não teria necessidade ou que poderia ter usado outro mais adequado.”

Antibióticos só atuam contra bactérias e não têm efeito contra vírus ou qualquer outro microrganismo. Não se pode tomar antibiótico por indicação de conhecido ou familiarAna Paula Assef

pesquisadora da Fiocruz

As infecções causadas por bactérias resistentes geralmente são associadas à alta mortalidade. A nota técnica da Anvisa de agosto destaca um surto em uma UTI de Maringá, onde de dez pacientes internados por Covid-19 infectados por bactérias A. baumanii resistentes a antibióticos carbapenêmicos, sete morreram.

Uma outra preocupação das autoridades sanitárias tem sido a combinação de mecanismos de resistência de algumas bactérias. Em setembro, a Anvisa divulgou alerta sobre o registro de casos, no Paraná e em Santa Catarina, de bactérias P. aeruginosa capazes de produzir, simultaneamente, as enzimas carbapenemases KPC e NDM, que destroem antibióticos carbapenêmicos.

Segundo Ana Paula Assef, a presença dessas duas enzimas inviabiliza a utilização desse novo antimicrobiano que tem sido usado nos hospitais brasileiros para o combate das bactérias produtoras de KPC.

“O antibiótico serve para uma, mas não serve para a outra. E a bactéria tem as duas. É mais um dado para a gente levar em conta e ter muito critério na utilização desses novos antibióticos.”

Em agosto de 2020, foi detectado o primeiro caso dos genes de KPC e NDM em uma mesma cepa de P. aeruginosa. Em 2021, já foram identificados 13 pacientes infectados com P. aeruginosa multirresistente.

O uso indiscriminado de antibióticos pela população durante a pandemia também pode ter colaborado para o aumento da resistência bacteriana, segundo Assef. “Antibióticos só atuam contra bactérias e não têm efeito contra vírus ou qualquer outro microrganismo. Não se pode tomar antibiótico por indicação de conhecido ou familiar.”

A pesquisadora idealizou a websérie “Confissões de uma bactéria” com o intuito de tornar os conceitos da resistência bacteriana mais acessíveis às crianças e ao público leigo em geral. O material está disponível no canal do YouTube do Ministério da Saúde.

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Os carnavais cancelados e a incerteza sobre a pandemia

Em poucos meses, gestores públicos foram de promessa de realizar maior festa da história à suspensão de eventos, o que aumenta confusão sobre situação da covid-19 no país.

Com a melhora progressiva da situação epidemiológica no Brasil desde meados de 2021, alguns prefeitos anunciaram com meses de antecedência a realização do carnaval de 2022, previsto para ocorrer entre fevereiro e março.

São Paulo chegou a falar da maior festa de rua de sua história. No Rio de Janeiro, o evento foi confirmado com declarações de autoridades de que a população não poderia se tornar “viúva da pandemia”.

No final de novembro, porém, apesar de um cenário ainda favorável, dezenas de cidades brasileiras decidiram cancelar o carnaval, frustrando expectativas e reforçando as incertezas sobre a pandemia.

Desde o início, especialistas apontam para o fato de que mensagens contraditórias vêm causando confusão na população. Discursos que sugerem não haver motivos para tanta preocupação com o vírus muitas vezes se misturam a anúncios de medidas mais drásticas para barrar sua transmissão.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera que declarações contraditórias produzem ansiedade, estresse e medo. Algumas entidades chegam a orientar a redução de tempo de exposição à cobertura midiática da covid-19 como forma de se proteger.

Neste texto, o Nexo mostra como a realização do carnaval vem sendo tratada pelas autoridades, o que dizem os especialistas sobre os eventos e qual o impacto da incerteza gerada na população.

Os anúncios precoces
Ainda em julho de 2021, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou à imprensa que o carnaval do próximo ano na capital paulista deveria ser o “maior de sua história”. Meses depois, em outubro, disse que a festa não teria qualquer restrição se a situação sanitária continuasse a mesma. Ele justificou o planejamento antecipado do evento à necessidade de preparação prévia. “Não dá pra esperar até fevereiro para eles [organizadores] começarem a fazer toda a preparação”, afirmou.

Entre 19 de outubro e 5 de novembro, a prefeitura abriu inscrições para os blocos de carnaval. Ao todo, foram 867 inscrições de desfiles de rua, o maior número já registrado. Os preparativos da capital, porém, contrastam com as demais cidades do estado.

15 milhões

foi a estimativa de público para o carnaval de rua de São Paulo em 2022 dada pela prefeitura em outubro de 2021

No final de novembro, ao menos 58 prefeituras paulistas, como São Luiz do Paraitinga, Franca e Ubatuba, já haviam decidido cancelar a festa com medo de uma nova onda de covid-19. Os municípios alegaram dificuldade para controlar as aglomerações e fazer cumprir os protocolos sanitários, além da necessidade de respeitar as famílias em luto devido às perdas na pandemia.

Depois do anúncio feito por diversas cidades, a prefeitura de São Paulo afirmou realizar estudos epidemiológicos para decidir como serão realizadas as festas de fim de ano e o carnaval. “Para o carnaval a gente deve fazer uma avaliação epidemiológica um pouco mais à frente, em janeiro”, afirmou à imprensa, na quinta-feira (25), o secretário municipal da Saúde, Edson Aparecido.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) mudou um pouco o tom do discurso dizendo que “não se trabalha na pandemia com futurologia” e ressaltou que o carnaval gera recursos para a cidade. “O nosso carnaval de rua vai ter o patrocínio de uma empresa, de R$ 23 milhões, bancado 100% pela iniciativa privada (…). Não dá para desconsiderar isso. É prematuro falar que não vai ter algo que eventualmente possa ser realizado”, disse.

O governo do estado de São Paulo vem pregando maior cautela com as festas. Na quinta-feira (24), o coordenador-executivo do Comitê Científico para a Covid-19, Paulo Menezes, afirmou ser “precoce pensar em multidões na rua, mesmo que seja daqui a três meses”. Segundo ele, o carnaval gera uma movimentação muito grande de pessoas, inclusive vindas de outros países.

No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes (PSD) também havia confirmado a programação da festa em 2022 ainda em outubro, dizendo que a ciência permitia a reabertura das atividades e que não havia motivos para a população se tornar “viúva da pandemia”. Para ele, seria “ridículo” tentar impor distanciamento social durante o carnaval de rua.

Preocupados com os anúncios e decisões da prefeitura, a Defensoria Pública e o Ministério Público do Rio pediram no final de novembro que o comitê científico de enfrentamento à covid-19, que auxilia a cidade na tomada de decisões, reveja as premissas para o relaxamento de medidas de combate à pandemia e os critérios usados para liberar o carnaval. Segundo os órgãos, as decisões da prefeitura estão em “sentido contrário às experiências internacionais e de amplas evidências técnicas e científicas”.

Em outras capitais, a realização da festa ainda é incerta. A Prefeitura de Belo Horizonte decidiu não patrocinar o evento. Cidades como Salvador, Recife e Olinda ainda estudam o que fazer. Os secretários estaduais de Saúde já se manifestaram dizendo que, entre eles, a opinião unânime é pelo cancelamento do carnaval.

A discussão entre os cientistas


Grande parte dos especialistas diz ser uma temeridade organizar festas apesar da redução de casos, mortes e internações pela covid-19, devido ao avanço da vacinação, porque a doença ainda não foi embora. Em outubro, a infectologista Valéria Paes, que é professora da Universidade de Brasília, disse ao jornal Correio Braziliense que num prazo de poucos meses a situação epidemiológica pode “alterar muito”.

“A gente lembra como foi no final do ano passado, tivemos um fim de ano em que estávamos em redução dos casos e quando foi no carnaval estávamos em uma situação crítica”, lembrou.

Ela afirmou ainda que nem todas as regiões do país avançam no mesmo ritmo na vacinação e ressaltou que países que flexibilizaram as regras precocemente tiveram aumento na taxa de transmissão. Embora a situação do Brasil seja atualmente mais confortável do que nos meses anteriores, em países da Europa, apesar da disponibilidade das vacinas, o número de casos voltou a explodir e regras de isolamento tiveram de ser retomadas.

A diretora-geral adjunta de acesso a medicamentos e produtos farmacêuticos da OMS, Mariângela Simão, afirmou na quarta-feira (24), durante um evento, que o mundo está entrando numa quarta onda de covid-19. Ela alertou para os riscos de relaxamento da população em relação aos cuidados devido à vacinação e à queda nas internações e lembrou que o vírus continua evoluindo. “Além disso, há desinformação e mensagens contraditórias, que são responsáveis por matar pessoas”, afirmou.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada na quarta-feira (24), a epidemiologista Glória Teixeira, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, disse que os riscos de transmissão aumentam muito no carnaval devido ao “contato físico e respiratório” de pessoas que seguem, por exemplo, um trio elétrico, com pessoas se beijando e se abraçando.

“A cobertura vacinal tem crescido, mas não significa que o vacinado está completamente livre. Ele pode estar contaminado, assintomático e transmitir [o vírus]. É um risco enorme que não devemos correr, e não sou eu que penso isso, mas a grande maioria dos colegas acha que não tem cabimento [ter carnaval]”, disse ao jornal.

Por outro lado, há epidemiologistas que consideram possível realizar a festa com alguns cuidados. Pedro Hallal disse também à Folha que um investimento sério na exigência do comprovante de vacinação e a criação de um aplicativo que monitorasse sintomas poderiam garantir a festa num quadro em que os casos estão quase zerados e em queda, “com 80% ou 90% da população com as duas doses da vacina”.

No final de novembro, o Brasil tinha 61% da população com duas doses. Na quarta-feira (24), a cidade de São Paulo anunciou ter completado o ciclo vacinal com duas doses em todos os adultos (acima dos 18 anos), o que não significa o fim da pandemia.

O consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia Renato Grinbaum também defendeu ao jornal a realização do carnaval num contexto favorável com o uso de máscaras, mesmo em espaços abertos.

As mensagens contraditórias

Desde o início da pandemia, especialistas alertam para a necessidade de informações concisas sobre os riscos da doença. Ao jornal O Estado de S. Paulo, o infectologista Sandro Cinti, professor da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, criticou ainda em março de 2020 a propagação de informações contraditórias dizendo que elas estavam deixando a população confusa.

“Estamos tendo muito pânico porque, por um lado, estamos dizendo às pessoas que elas não devem se preocupar, que a situação não é muito grave. Mas, por outro lado, estamos anunciando medidas mais drásticas, como o isolamento de cidades, o cancelamento de eventos esportivos, o fechamento de escolas”, afirmou. Esse quadro parece não ter mudado tanto.

Em entrevista ao Nexo, no começo de outubro, o epidemiologista Diego Xavier, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), criticou o anúncio antecipado do carnaval no Rio, que ele classificou como “corrida pelo libera geral”, por passar à população a ideia de que a pandemia acabou.

“Anunciar agora [em outubro] o carnaval já para o ano que vem é precipitado porque a gente não sabe como a doença vai se comportar. Vamos supor que, durante o Ano Novo, a gente tenha algum revés, por conta da movimentação das pessoas. O carnaval vai ter que ser cancelado e, até lá, as pessoas já fizeram programação, já gastaram, a gente já movimentou todo um setor econômico muito grande”, disse.

A previsão de realização do carnaval de São Paulo, com recorde de público e blocos inscritos, é conflitante com a decisão das cidades do interior e com as notícias da pandemia na Europa, por exemplo, por passar a sensação de volta à normalidade quando o resto do estado — e do mundo — está em alerta, o que gera sensação de confusão e incerteza. Uma pesquisa de agosto de 2020 com 2.000 brasileiros mostrou que a população brasileira se sentia confusa em relação à pandemia devido à falta de clareza e segurança nas mensagens dadas à população.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tem contribuído para essa situação por atacar medidas de isolamento, o uso de máscaras e as vacinas. No final de 2020, ele chegou a dizer que a pandemia estava chegando ao fim. Em relação ao carnaval, o presidente passou a dizer na quinta-feira (25) ser contra a realização da festa — não pelos riscos da doença, mas para atacar prefeitos e governadores. Apoiadores do presidente passaram a criticar cidades que planejam o evento por elas terem fechado igrejas e comércios anteriormente, por precaução, mas por supostamente não se importarem agora com os riscos das festas.

Um manual de 2009 da OMS sobre comunicação eficaz durante emergências de saúde pública, lembra que surtos epidêmicos são marcados por incerteza e confusão, e por isso é essencial exigir “perícia” na comunicação dos órgão de saúde pública e autoridade com a imprensa e com a população. Declarações contraditórias, segundo o documento, têm o risco de causar ansiedade, estresse e medo.

Uma pesquisa publicada em outubro no periódico científico The Lancet mostrou que a pandemia provocou um aumento global de casos de depressão e ansiedade, com altas de 28% e de 26%, respectivamente. Como modo de se proteger, uma cartilha sobre saúde mental na pandemia preparada pela Fiocruz em 2020 orientava que as pessoas reduzissem o tempo que passam “assistindo ou ouvindo coberturas midiáticas”.

Nexojornal

Entidades pressionam Congresso contra vetos de Bolsonaro em quebra de patente na pandemia

Em manifesto, mais de 50 organizações dizem que "falhas de mercado" causam preço excessivamente alto de medicamentos e vacinas

Um manifesto assinado por mais de 50 entidades relacionadas à saúde pública e aos direitos sociais será enviado ao Congresso para tentar pressionar parlamentares a derrubarem os vetos do presidente Jair Bolsonaro à quebra temporária de patentes de medicamentos e vacinas contra a Covid-19.

No início de setembro, o presidente sancionou uma lei aprovada pelo Congresso que permite essa quebra, mas fez vetos que restringem a medida. Em nota, disse que isso aconteceria apenas na hipótese de a empresa proprietária da patente “se recusar ou não conseguir atender à necessidade local”.

“Caso exista um desabastecimento do mercado local, há a previsão legal para a possibilidade de aplicação da medida, em um caso extremo”, disse à época o Palácio do Planalto em nota.

O manifesto elaborado pelas entidades afirma que “falhas de mercado” têm prejudicado a resposta do Brasil à doença, com “escassez ou preço excessivamente alto de diagnósticos, medicamentos, vacinas e equipamentos médicos”.

Para elas, os vetos de Bolsonaro descaracterizam o projeto que havia sido aprovado no Senado e Câmara sobre a quebra de patentes.

“Os vetos retiram as obrigações do governo e da indústria farmacêutica de agir para que conhecimentos essenciais no combate a essa terrível doença sejam tratados como bens comuns e estejam ao alcance de todos”, diz o manifesto, organizado pelo GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual).

Especialistas do GTPI têm se reunido nas últimas semanas com parlamentares pela derrubada dos vetos. Atualmente, argumentam, medicamentos que reduzem em até 40% os riscos de morte de pacientes da Covid poderiam ser comprados em versão genérica por preços até 80 vezes menores.

O Brasil só pode comprar esse tipo de medicamento após expirada a patente do medicamento de referência, e por isso as entidades pedem a quebra delas durante a emergência sanitária do coronavírus.

O manifesto é assinado por entidades como Médicos Sem Fronteiras Brasil, Conectas Direitos Humanos, Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico) e Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

folha

Além da pandemia, falta de campanhas explica queda na vacinação

Divulgação de notícias falsas e baixa adesão de jovens à imunização são outros entraves, apontam debatedores

No último ano, o país registrou queda na cobertura vacinal, aumentando o risco de surtos de doenças preveníveis. A pandemia teve impacto nesse cenário, mas ele também é explicado por outros problemas, como a falta de campanhas e de capacitação de vacinadores.

É o que afirmam os debatedores do seminário Cobertura Vacinal, realizado pela Folha na última quarta (30). O evento, com patrocínio da farmacêutica Sanofi, foi mediado pelo jornalista Jairo Marques.

Menos da metade dos municípios brasileiros atingiu a meta estabelecida pelo PNI (Plano Nacional de Imunizações) para nove vacinas, entre elas as que protegem contra poliomielite, sarampo e tuberculose. O levantamento foi realizado pelo Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), com base em dados do Ministério da Saúde coletados até o começo de abril.

Com exceção da pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria Haemophilus influenzae tipo B), todas as outras vacinas tiveram quedas significativas. A mais drástica foi a de hepatite B, que tinha 78,6% de cobertura em 2019 e passou para 62,8% no último ano.

Na pandemia, muitas pessoas ficaram com medo de ir a uma UBS (Unidade Básica de Saúde), devido ao risco de contrair o vírus, afirma Arthur Aguillar, coordenador de políticas públicas do Ieps.

Mas, de acordo com o economista, outro fator que explica os números atuais é a falta de estratégias unificadas de comunicação entre governo federal, estados e municípios —já que o SUS (Sistema Único de Saúde) é dividido nesses três níveis.

José Cássio de Moraes, membro da comissão de imunização do Ministério da Saúde, chama a atenção para os problemas de logística que o SUS enfrenta. Alguns deles são a indisponibilidade de vacinas e a restrição no horário de funcionamento das UBSs.

Ele também afirma que há uma falta de capacitação dos vacinadores, que faz com que muitos profissionais não se sintam aptos para aplicar determinados imunizantes.

Moraes ressalta ainda a ausência de campanhas massivas em veículos de comunicação sobre a importância de tomar as vacinas.

Durante o seminário, todos os debatedores reforçaram o quão danosa tem sido a divulgação de notícias falsas nas redes sociais, que põem em xeque a eficácia de imunizantes.

Para Anamélia Lorenzetti Bocca, coordenadora da regional Centro-Oeste da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia), a baixa adesão às campanhas também pode ter relação com um desinteresse das novas gerações, uma vez que esses jovens não viveram surtos de doenças já erradicadas.

Esse tipo de comportamento pode trazer infecções de volta, como aconteceu com o sarampo em 2018, com mais de 10 mil casos na região Norte. Até março deste ano, o país registrou 235 casos da doença.
O papel do governo, de acordo com a especialista, é fazer uma vigilância ativa, entendendo o contexto da baixa adesão à vacina para, então, ir até as pessoas que não se imunizaram.

Regiane de Paula, coordenadora do Plano Estadual de Imunizações (PEI) de São Paulo, afirma que neste ano a cobertura da vacina de gripe caiu em relação a 2020.

Quem tomou o imunizante contra a Covid-19 precisa esperar pelo menos 15 dias para se vacinar contra influenza.

Marcelo Otsuka, vice-presidente do departamento de infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), criticou os chamados “sommeliers de vacina” —pessoas que querem escolher de qual laboratório é o imunizante que vão tomar contra o coronavírus— e afirma que a sociedade só estará segura com uma imunização em massa.

Ele destaca que os efeitos colaterais dos imunizantes nem se comparam aos riscos que a doença traz. “Nós não temos nem vacinas suficientes para ficar escolhendo”, diz.

Para Moraes, o legado que a pandemia deixará para o Brasil é a certeza de que é preciso investir em tecnologia para a produção de vacinas. Ele lembra que tanto o Butantan quanto a Fiocruz, os dois principais laboratórios do país, ainda são dependentes de IFA (ingrediente farmacêutico ativo) vindos do exterior.

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Como o Brasil reage ao novo agravamento da pandemia

Governos locais já se preparam para um novo agravamento da pandemia no Brasil. Nos últimos dias de maio de 2021, algumas regiões do país voltaram a ter seus sistemas de saúde pressionados, levando ao endurecimento das medidas de isolamento social. Enquanto isso, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirma não haver riscos de uma nova onda de covid-19.

O Brasil viveu um grande platô de mortes diárias entre maio e setembro de 2020. Após uma pequena melhora no fim do ano, a doença causada pelo novo coronavírus voltou a matar com alta intensidade em 2021, chegando a seu ápice em abril. Agora, após a medida de mortes ter uma ligeira melhora, os dados apontam para um novo recrudescimento.

Entre ondas, platôs e repiques


Parte dos especialistas em saúde pública prefere não chamar a nova ameaça daquilo que seria a terceira onda da covid-19 no Brasil. Isso porque os números nunca caíram de forma significativa a ponto de caracterizarem o fim de uma primeira ou segunda onda. O país estaria vivendo, portanto, uma onda contínua, com momentos de repique.

Especialistas já alertavam para o risco de piora na crise sanitária por causa dos indicadores da pandemia anda muito elevados em maio. Com uma média móvel que ainda beira 2.000 óbitos por dia, o Brasil registra mais de 450 mil mortes pela covid-19 e pode alcançar meio milhão até julho.

Única medida capaz de interromper a circulação do vírus, a vacinação vem sofrendo uma desaceleração devido ao atraso no recebimento de insumos importados da China para a produção de imunizantes pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). A falta de doses, assim como as ações e omissões do governo, têm sido investigadas na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado.

À beira do colapso, municípios já decidiram fechar até mesmo os supermercados na tentativa de reduzir a circulação de pessoas. Outras cidades se preparam ampliando o número de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) — um levantamento do jornal Folha de S.Paulo publicado na quarta-feira (26) apontava que nove capitais e o Distrito Federal já apresentavam taxa de ocupação de leitos de terapia intensiva superior a 90%. A seguir, mostra qual vem sendo a reação da União, estados e municípios diante do risco de nova piora na pandemia.

Novos fechamentos das atividades


Um levantamento do portal G1 divulgado na quarta-feira (26) mostrou que 17 cidades das regiões de Ribeirão Preto e Franca, no interior de São Paulo, apertaram as restrições de circulação devido à pressão sobre o sistema hospitalar. Ao todo, vivem 1,4 milhão de pessoas no nordeste do estado.

Na região de Ribeirão Preto, a taxa de ocupação nas UTIs era de 92,3% na quarta-feira (26). Na de Franca, o índice chegava a 94,2%, e na de Barretos, a 97,4%. A partir de quinta-feira (27), o fechamento das atividades em Ribeirão inclui até os supermercados. As restrições valem até 31 de maio. Em Franca, onde as medidas duram até 10 de junho, as regras valem também para as farmácias, que só poderão fazer entregas. Nas duas regiões, o transporte público será suspenso.

Em Pernambuco, que tinha uma fila de espera para UTIs com mais de 300 pessoas até terça-feira (25), novas regras foram anunciadas pelo governo do estado para as regiões do Grande Recife, Agreste e Zona da Mata, com o fechamento de escolas, clubes, shoppings, praias e igrejas. Apenas serviços públicos e essenciais foram permitidos. Em parte dos municípios, as regras valem apenas aos fins de semana.

Em 19 de maio, o estado registrou o maior número de casos de covid-19 confirmados em 24 horas desde o início da pandemia. Foram 3.440 novos casos e 79 mortes pela doença num único dia.

A situação também se agravou no Paraná, onde a fila de espera por leitos de terapia intensiva já atingia, na terça-feira (25), 81% do pico registrado em março. Eram 577 pessoas aguardando uma vaga — em março, a fila chegou a ter 708 pacientes.

Por isso, a partir da sexta-feira (28), haverá um toque de recolher das 20h às 5h do dia seguinte. Durante a semana, o comércio não essencial pode funcionar das 9h às 18h, com 50% da capacidade. Nos domingos, todas as atividades, incluindo shoppings, restaurantes e academias, serão fechadas. As medidas valem por um período de 30 dias.

Preparados para o pior


Embora não tenha endurecido as regras, o governo de São Paulo decidiu recuar na flexibilização que vinha ocorrendo. A atual fase de restrições, que acabaria em 1º de junho, foi adiada até 14 do mesmo mês. A decisão se baseia na piora dos indicadores. Na segunda-feira (24), a taxa de ocupação de leitos de UTI voltou a ultrapassar 80%.

O número de novos casos de covid-19 também aumentou 8,3% em duas semanas, acompanhado de uma alta de 7,8% nas internações e de 4,6% nas mortes, segundo dados do governo paulista. Apesar dos indicadores, as autoridades de saúde do estado evitam falar numa terceira onda, assim como muitos especialistas em saúde.

Em entrevista na quarta-feira (26), Paulo Menezes, que é coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus do estado, defendeu cautela nas decisões do governo para evitar pânico da população, que poderia entender que o país está diante de uma situação fora do controle.

“Temos reiterado aqui que há uma circulação importante do vírus. Ela se intensificou nas últimas duas semanas e de certa forma vimos o reflexo disso no aumento de casos e um aumento menor, proporcionalmente, de internações e óbitos, em relação ao aumento de casos. Pessoalmente, concordo com alguns colegas que dizem que não é muito produtivo ficarmos falando se é segunda ou terceira onda. Nós temos uma situação de alta circulação de vírus, é preciso intensificar os cuidados”- Paulo Menezes, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus, em entrevista na quarta-feira (26).

Mais cedo, o secretário municipal da Saúde de São Paulo, Edson Aparecido, defendeu em entrevista à TV Globo a adoção de medidas mais restritivas devido ao aumento de casos na capital paulista. Ele confirmou que a prefeitura se prepara para uma nova onda de covid-19.

“Há um aumento de casos já hoje na cidade depois daquele pico gigantesco que nós tivemos em março e abril com a P.1 [variante de Manaus], e nós estamos nos preparando exatamente para uma nova onda, que seguramente vai atingir todo o Brasil e não vai ser diferente aqui na cidade de São Paulo”- Edson Aparecido, secretário municipal da Saúde de São Paulo, em entrevista à TV Globo, na quarta-feira (26).

A prefeitura de São Paulo anunciou que deverá abrir nos próximos dias 250 novos leitos de UTIs. De sexta-feira (21) a segunda-feira (24), a taxa de ocupação das unidades que atendem pacientes com coronavírus pulou de 76% para 82%.

Já o governo estadual anunciou como medida para controlar a transmissão a distribuição, em junho, de 1 milhão de testes do tipo de antígeno, que apresentam o resultado em 15 minutos. A aplicação dos exames ficará a cargo dos municípios. A estratégia de testagem e isolamento de casos é defendida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) desde o início da pandemia, mas nunca foi amplamente utilizada no país.

Em Araraquara, cidade que ficou conhecida por ter adotado um fechamento rigoroso das atividades para controlar a doença ainda em fevereiro, a preparação para um recrudescimento na pandemia inclui mudança nos critérios para a suspensão do comércio não essencial.

Segundo as novas regras, haverá fechamento por sete dias caso a taxa de exames com resultado positivo para covid-19 passe de 20% de todos os testes feitos por três dias seguidos (ou cinco alternados dentro de uma semana). A retomada só irá acontecer se a taxa cair para 15% durante três dias seguidos.

Como o governo federal lida com a ameaça


Durante a pandemia, o Ministério da Saúde foi acusado de não liderar uma política nacional de combate ao novo coronavírus. Em seus discursos, o presidente Jair Bolsonaro ataca governadores e prefeitos por causa do fechamento do comércio. Também se opõe ao uso de máscara e às medidas de isolamento social ao participar de aglomerações. Ele já pediu para a população “enfrentar” a doença e disse que a contaminação de todos era inevitável.

Em relação ao provável agravamento da pandemia no país, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou na sexta-feira (21) que o governo não enxerga a aproximação de uma nova onda, embora tenha reconhecido que alguns estados e municípios voltaram a sofrer com hospitais lotados.

“Estamos numa pandemia, já tivemos a primeira onda, estamos reduzindo os óbitos nesta segunda onda, e todos temos que estar vigilantes a uma possível terceira onda, mas não estamos vislumbrando isso neste momento. E a maneira adequada de ser evitar a terceira onda é avançar na campanha de vacinação, e é isso que estamos fazendo”- Marcelo Queiroga, ministro da Saúde.

As medidas tomadas também são consideradas tardias. O governo federal decidiu suspender os voos com origem na Índia em 14 de maio, dez dias após a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recomendar a medida devido ao aparecimento de uma nova variante mais contagiosa naquele país.

Na manhã de quarta-feira (26), o governo de São Paulo divulgou ter identificado o primeiro caso de um passageiro infectado com a variante que entrou no estado. O homem, de 32 anos, desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos em 22 de maio.

O governo disse, porém, só ter sido notificado do caso pela Anvisa, que é responsável pelo monitoramento do aeroporto, quando o passageiro já havia embarcado em voo doméstico para o Rio de Janeiro. Ele mora em Campos dos Goytacazes. A vigilância sanitária no Rio foi notificada para acompanhar o caso e evitar novas transmissões.

Seis casos já haviam sido confirmados em meados de maio. São passageiros que chegaram ao Maranhão a bordo de um navio chinês atracado no litoral do estado. No domingo (23), Queiroga foi ao Maranhão para acompanhar a situação. Ele anunciou o envio de 600 mil testes rápidos de antígeno para o estado e 300 mil doses a mais de vacinas, 5% a mais do que já estava previsto. Outros três casos são investigados no Distrito Federal, Espírito Santo e Minas Gerais.

nexojornal

Pandemia reduz estoques de leite materno no Brasil, mas doação permanece segura

Entre 2019 e 2020, o número de doadoras caiu de 188 mil para 156 mil, o que levou a quantidade de leite coletado baixar de 221 mil litros para 191 mil

Lucas Rocha, da CNN

Imagem representativa de amamentação
Dia Mundial de Doação de Leite Humano é celebrado em 19 de maio

Em abril de 2020, durante o crescimento da pandemia de Covid-19, chegava ao mundo Maria Antonieta, filha da professora Ana Cristina de Oliveira, 39, de Santa Vitória, Minas Gerais. A bebê nasceu prematuramente, aos seis meses, devido a uma complicação obstétrica grave desenvolvida por Ana durante a gestação.

Mãe e filha beneficiadas com doação de leite materno
Ana Cristina de Oliveira e a filha ficaram internadas e precisaram de doações do banco de leite do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Mãe e filha permaneceram internadas e precisaram recorrer ao trabalho da equipe do banco de leite humano do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “Eu não tinha leite o suficiente. A doação contribuiu demais para o desenvolvimento dela, que teve pouquíssimas intercorrências, ganhou peso rapidamente, e hoje tem uma saúde excelente”, diz Ana.

Histórias como a de Ana e Maria Antonieta são motivos para comemoração nesta quarta-feira (19), Dia Mundial de Doação de Leite Humano. Também são um lembrete sobre a importância dos bancos de leite e da segurança do processo de doação mesmo durante a pandemia.

O medo da contaminação pelo novo coronavírus e as restrições de circulação contribuíram para uma redução significativa dos estoques dos bancos de leite do Brasil ao longo do ano passado. Em 2020, 156.373 mulheres realizaram doações de leite no país, o que representa uma baixa de 17% em relação a 2019, quando 188.666 foram doadoras. 

No primeiro ano da pandemia, foram coletados 191.373 litros de leite humano, cerca de 31 mil litros a menos que no ano anterior – uma redução de 14%. 

O número de recém-nascidos beneficiados também foi menor. Em 2020, foram atendidas 180.763 crianças prematuras internadas em UTI neonatal, enquanto em 2019 o número chegou a 214.515 – uma baixa de quase 16%. 

Recomendações durante a pandemia

O Brasil conta com 223 bancos de leite humano e 220 pontos de coleta espalhados por todos os estados e Distrito Federal (veja quadro abaixo). As unidades compõem uma rede global do Ministério da Saúde, com sede na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, que abriga o centro de referência nacional.

Infográfico de estatísticas da doação de leite no Brasil em 2020

Danielle Aparecida da Silva, coordenadora do banco de leite do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz, explica que a Covid-19 provocou a união dos centros que integram a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano. A ideia é avaliar a segurança dos procedimentos diante da doença.

Realizadas de forma remota nos primeiros meses da pandemia, as reuniões contam com a participação de profissionais de saúde que integram as equipes dos bancos de leite humano e de representantes de secretarias estaduais e municipais de saúde. Juntos, chegaram à produção de recomendações técnicas sobre o aleitamento materno e a doação na pandemia de Covid-19. 

documento aconselha a restrição da doação por mães com sintomas compatíveis com a síndrome gripal, infecção respiratória ou caso confirmado de Covid-19, no período de 14 dias a partir do início dos sintomas. A contraindicação também vale para mulheres que entraram em contato domiciliar com pacientes diagnosticados com a doença.

“Uma vez comprovado que mantínhamos uma rotina de processos seguros, iniciamos a divulgação da informação junto aos nossos profissionais e às usuárias, o que impactou positivamente nas doações”, diz Danielle.

Ato de amor

A assistente social Bruna Clea Ferreira, 34, foi uma das impactadas. Ela decidiu se tornar doadora em meio à pandemia, após se sentir sensibilizada por uma reportagem sobre a redução dos estoques no período.

Doadora de leite materno
A assistente social Bruna Clea Ferreira realiza doações na Santa Casa de São Paulo

Desde junho de 2020, quando seu filho Vicente tinha apenas dois meses, Bruna faz semanalmente a retirada do leite em casa, nos frascos esterilizados fornecidos pelo banco de leite da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que depois são entregues pelo marido na unidade.

Bruna ressalta que não há motivos para receio ou incertezas e que o procedimento para a retirada é simples, rápido e pode ser feito com segurança. (veja quadro abaixo).

Infográfico descreve como doar leite de forma segura

 “É um ato de amor e solidariedade com outras mães. Se eu tivesse que ficar com meu filho internado na UTI, dependendo de ganhar peso para ir para casa, ficaria muito feliz se outra mãe se dispusesse a doar leite”, afirma.

Devido à pandemia, o banco de leite da Santa Casa de São Paulo registrou uma queda no número de doações em 2020. Foram 1.940 atendimentos na sala de coleta da unidade, com volume de leite humano coletado de cerca de 420 litros, enquanto em 2019 foram 2.553 atendimentos e cerca de 468 litros coletados.

A médica Maria Augusta Junqueira Alves, gestora do banco de leite humano da Santa Casa de São Paulo, ressaltou que, apesar desse impacto, as atividades não foram interrompidas em nenhum momento. 

Benefícios do leite materno

O leite humano pode trazer inúmeros benefícios aos bebês, incluindo redução em 13% da mortalidade infantil até os cinco anos, prevenção de doenças respiratórias e gastrointestinais e diminuição dos riscos de alergias, diabetes, colesterol, hipertensão e obesidade, além de fortalecer os vínculos entre mãe e filho, de acordo com o Ministério da Saúde.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) reforça que o leite materno favorece o desenvolvimento e a maturação digestiva e imunológica dos recém-nascidos e reduz complicações relacionadas ao nascimento prematuro, como inflamação e necrose do intestino, distúrbios oculares e pulmonares e sepse tardia, que acomete principalmente os prematuros internados em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).

O presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da SBP, Luciano Borges Santiago, ressalta que não existem evidências científicas de que o novo coronavírus possa ser transmitido pelo leite humano.  “A Covid-19 é uma doença transmitida por via inalatória. Além disso, o leite doado é pasteurizado, não tem chance nenhuma de contaminação”, afirma.

A nutrição com o leite materno está sendo fundamental para o desenvolvimento da pequena Hillary. Ela nasceu prematuramente no último dia 8 de maio, devido a um quadro de pré-eclâmpsia (quando a gestante desenvolve hipertensão) de sua mãe, Gabriela Araújo Leal Pereira, 25. 

Internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por dois dias, ela não teve condições de amamentar a filha recém-nascida. Nos primeiros dias de vida, ainda dentro de uma incubadora, Hillary contou com a ajuda do banco de leite da Santa Casa de São Paulo. “Sem a doação, ela não estaria ganhando peso como está agora”, diz Gabriela.

Mãe e filha beneficiadas com a doação de leite materno
Gabriela Araújo Leal Pereira ficou internada por dois dias e não conseguiu amamentar a filha nos primeiros dias de vida

O gesto serviu de inspiração para que ela também se tornasse uma doadora. “Eu quero fazer por outras crianças o que fizeram pela minha filha. São várias crianças passando pela mesma situação. Se cada um fizesse sua parte, não teria tantas mortes de bebês”, afirma.

Os bebês prematuros, como Hillary, são os que mais necessitam da doação do leite materno para garantir a segurança alimentar e nutricional durante o seu período de internação em unidades neonatais, segundo Danielle, pesquisadora da Fiocruz.

Não há quantidade mínima para doação

Os especialistas destacam que não existe quantidade mínima para doação e que a continuidade é essencial para a manutenção dos estoques. Um litro de leite materno doado pode alimentar até 10 recém-nascidos por dia. Dependendo do peso da criança, 1ml já é o suficiente para a nutrição, a cada alimentação.

Maria Augusta Alves, da Santa Casa de São Paulo, explica que um dos desafios das unidades é gerenciar a grande oscilação do número de mães doadoras e a disponibilidade de estoque para atendimento. 

“Antes da pandemia a oscilação de estoque estava diretamente relacionada a meses de férias escolares e festas de fim de ano. Com a pandemia, os estoques sofreram fortes influências das orientações de isolamento social e restrição de circulação de pessoas”, afirma.

Segurança garantida x contraindicação

O funcionamento dos bancos de leite humano no Brasil é regulamentado por uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde, o que garante a segurança do processo. Após a coleta, o leite é analisado, pasteurizado e submetido a um rigoroso controle de qualidade. Em seguida, é distribuído de acordo com as necessidades específicas de cada recém-nascido internado.

Por esse motivo, só são permitidas doações que têm como origem os bancos de leite, sendo contraindicado que mães doem leite por conta própria ou amamentem filhos de mulheres com dificuldades de aleitamento, segundo Maria Augusta. 

“A amamentação cruzada, como é conhecida a prática, é formalmente contraindicada pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse tipo de amamentação traz diversos riscos ao bebê, podendo transmitir doenças infectocontagiosas”, reforça a médica da Santa Casa de São Paulo.

Painel de Resposta à Pandemia recomenda suspensão de patentes de vacinas de covid

Os países desenvolvidos e as grandes indústrias farmacêuticas devem fazer licenciamento voluntário e transferência de tecnologia de vacinas contra covid-19 para que nações em desenvolvimento possam começar a fabricar os imunizantes. Caso isso não ocorra nos próximos três meses, deve ser determinada suspensão imediata das patentes reguladas pelo Acordo Trips da Organização Mundial de Comércio (OMC). Essas são recomendações do relatório final do Painel Independente para Prevenção e Resposta, órgão independente estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para avaliar a reação à pandemia de covid-19 e as lições aprendidas.

No relatório final, divulgado nesta quarta-feira (12), o Painel afirma também que os países ricos como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Austrália, que compraram muito mais vacinas do que precisam para imunizar suas populações, devem direcionar ao consórcio Covax, com urgência, 1 bilhão de doses até setembro de 2021. O Covax é o consórcio formado para distribuir vacinas para países de renda média e baixa, que não conseguiram fazer acordos para comprar um número suficiente de imunizantes. O consórcio já admitiu a impossibilidade de cumprir a meta de distribuir 2,4 bilhões de doses neste ano por falta de acesso.

O painel recomenda também que governos nacionais adotem imediatamente medidas de saúde pública com eficácia contra covid comprovada pela ciência, como distanciamento social e uso de máscaras, porque a vacinação sozinha não irá derrotar a pandemia. Para que as medidas de saúde pública funcionem, diz o relatório, é preciso oferecer auxílio financeiro para as populações vulneráveis, que perderam o emprego durante a crise econômica provocada pela pandemia ou não podem trabalhar por causa do distanciamento social.

Vista da vacina Coronavac em Recife (PE); imunizante é produzido pelo Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
Vista da vacina Coronavac em Recife (PE); imunizante é produzido pelo Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac. – Marlon Costa/Futura Press/Folhapress

“Em vários países, as medidas de saúde pública foram implementadas, mas as pessoas tinham que sair de casa para trabalhar porque não tinham auxílio financeiro”, disse à Folha o ex-ministro de Finanças da Colômbia Mauricio Cárdenas, que é um dos 13 membros do Painel. Segundo Cárdenas, o Brasil foi extremamente bem-sucedido no auxílio econômico durante a pandemia, com um programa de transferência de recursos (auxílio emergencial) que atingiu “uma quantidade impressionante de pessoas”. “No entanto, se um país ajuda financeiramente a população, mas ignora os aspectos de saúde pública, não vai resolver o problema”, disse.

Segundo Cárdenas, o governo do Brasil “reagiu à pandemia de forma lenta, ignorou evidências científicas e demorou para perceber que a doença era grave”. “As consequências são visíveis, em números de casos e de mortes”, disse.

Segundo o relatório, os países bem-sucedidos no enfrentamento da pandemia são aqueles que não negaram a gravidade da doença, tinham lideranças que coordenaram os esforços com governos locais, usaram evidências científicas, reagiram imediatamente, e, além disso, adotaram instrumentos fiscais para permitir que a população respeitasse as medidas de saúde pública. Exemplos positivos citados pelo relatório e por Cárdenas são o Uruguai, “uma exceção na América Latina”, Coreia do Sul, Singapura, China, Nova Zelândia, Vietnã e Tailândia.

Já os países que tiveram péssimos resultados no enfrentamento da pandemia usaram “abordagens descoordenadas que desvalorizaram a ciência, negaram o impacto da pandemia, atrasaram na implementação de medidas, e permitiram que a desconfiança minasse os esforços”.

“O negacionismo das evidências científicas foi reforçado por lideranças que não assumiram responsabilidade e não desenvolveram estratégias coerentes para evitar a disseminação da doença. Líderes que se mostraram céticos ou desdenharam das evidências científicas corroeram a confiança e o cumprimento de medidas de saúde pública pela população”, diz o relatório, ao descrever os países que fracassaram no combate ao coronavírus.

Indagado sobre quais países seriam exemplos negativos no enfrentamento da covid-19, Cárdenas, membro do Painel, afirmou: “Todo mundo sabe. E a América Latina tem um número desproporcional de maus exemplos (no combate à covid).”

O Brasil é citado em anexo do relatório, ao lado de Nicarágua, Estados Unidos e Reino Unido, como um dos países que “não adotou medidas eficientes de controle, como distanciamento social, isolamento e quarentena”, o que teria se refletido em “um aumento rápido no número de casos e alta taxa de mortalidade.”

Os autores do relatório alertam que só a vacinação não vai acabar com esta pandemia. “Ela precisa ser combinada com testagem, rastreamento de infectados, isolamento, quarentena, uso de máscara, distanciamento social, higienização das mãos e comunicação efetiva com o público”, afirma o relatório.

O texto destaca que a desigualdade no acesso a vacinas é um dos maiores desafios atuais. “Países de alta renda têm doses suficientes para cobrir 200% de suas populações, que obtiveram por meio de acordos bilaterais com as farmacêuticas. Nos países mais pobres, no momento em que esse relatório foi finalizado, menos de 1% da população havia recebido ao menos uma dose de vacina.”

De acordo com o relatório, a falta de acesso a vacinas ameaça minar os esforços globais para conter a pandemia. “Quanto mais rápido vacinarmos, menor a probabilidade de surgirem mais variantes.”

Além disso, o painel afirma ser necessário desenvolver capacidade de produzir vacinas na América Latina e na África – ainda mais com a possibilidade de a covid-19 se tornar endêmica e requerer vacinações anuais.

A Índia e a África do Sul apresentaram, no ano passado, uma proposta na OMC que previa uma suspensão de patentes relacionadas à Covid-19. O Brasil, ao lado de EUA e outros países desenvolvidos, havia se declarado contrário à proposta. No entanto, os EUA mudaram de posicionamento e anunciaram recentemente que apoiam uma renúncia temporária às patentes. Índia e África do Sul vão apresentar uma nova versão de sua proposta e o governo brasileiro se mostrou disposto a negociar.

A indústria farmacêutica e países que se opõem à proposta argumentam que não adianta apenas suspender patentes, porque os países não vão conseguir produzir as vacinas, que demandam alta tecnologia.

“Mesmo que demore um ou dois anos para começarem a produzir a vacina, é um esforço que vale a pena; não sabemos o que vai acontecer com as mutações do vírus, precisamos ser capazes de produzir vacinas caso a doença se torne endêmica e precisemos vacinar todos os anos”, diz Cárdenas. “Não temos tempo a perder, precisamos começar agora, mesmo que vá levar anos.”

A ideia do painel é que OMC e OMS se reúnam com os países e empresas produtores de vacinas de covid para tentar fechar acordos para licença voluntária. Caso não consigam, seria determinada a suspensão de patentes.

As farmacêuticas afirmam que a suspensão de patentes reduziria o incentivo para as empresas investirem em pesquisa, o que, consequentemente, poderia levar a uma menor quantidade de novos medicamentos e vacinas no futuro.

“É sempre o argumento das farmacêuticas. Mas hoje, qualquer pessoa que investiu no desenvolvimento das vacinas de covid já lucrou com elas, o custo inicial certamente já foi coberto”, diz o membro do painel. “Não vejo as farmacêuticas perdendo dinheiro com essa decisão, mas sei que vão resistir. Isso é uma exceção, uma pandemia, não ocorrerá com vacinas contra outras doenças.”

Segundo Cárdenas, para um país como Brasil, o licenciamento voluntário é particularmente importante. “O Brasil tem indústria farmacêutica, tem os laboratórios e, com a devida assistência e acesso a tecnologia, pode produzir vacinas contra covid.”

O painel, liderado por Helen Clark, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, e Ellen Johnson Sirleaf, ex-presidente da Libéria, passou os últimos oito meses examinando informações para determinar como um surto se transformou em uma pandemia e como foram as respostas nacionais e global. Chegou à conclusão de que a OMS demorou demais para declarar emergência de saúde pública, e a entidade e vários países não implementaram medidas de contenção da doença na velocidade necessária. Contribuiu para isso a falta de transparência do governo da China, onde os primeiros casos de Covid foram registrados em dezembro de 2019, mas só foram informados oficialmente às autoridades sanitárias internacionais no início de janeiro. Foi só em 20 de janeiro de 2020 que a China permitiu que uma missão da OMS fosse a Wuhan.

“Se tivéssemos reagido mais rápido, se a China tivesse sido mais transparente no início, a OMS tivesse declarado emergência algumas semanas antes, suspendido viagens internacionais, recomendado uso de máscaras antes, teríamos salvado milhões de vidas”, disse à Folha Cárdenas. Fevereiro, diz o relatório, foi um mês perdido. Já havia sido declarada a emergência, mas a maioria dos países não adotou medidas para evitar a disseminação do coronavírus.

O painel também recomenda uma série de medidas de médio prazo para que o sistema global de alerta para epidemias seja mais ágil, os países tenham planos de contingência, haja mais recursos e mais independência para a OMS e fundos para pesquisa de novos medicamentos e vacinas.

“Nossa mensagem é clara e simples: o sistema atual não conseguiu nos proteger da pandemia de Covid-19. E se nós não mudarmos o sistema agora, ele não vai nos proteger da próxima ameaça de pandemia, que pode acontecer a qualquer momento”, diz a co-líder do painel, Ellen Johnson Sirleaf.

Principais recomendações do Painel

– Adotar medidas de saúde pública de forma sistemática e rigorosa em todos os países. Todas as nações devem ter uma estratégia baseada em evidências científicas para reduzir a disseminação da Covid-19, acordada no mais alto nível de governo.

– Países de alta renda que têm em estoque ou garantidas vacinas suficientes para cobertura de suas populações devem fornecer aos 92 países de renda baixa e média participantes do consórcio Covax 1 bilhão de doses até setembro de 2021.

– Os principais países e indústrias produtores de vacinas devem se reunir, em coordenação com a OMS e a OMC, para concordar em licenciar de forma voluntária suas vacinas e transferir tecnologia. Se isso não ocorrer dentro de três meses, deve ser determinada a suspensão imediata das patentes reguladas pelo Acordo Trips da Organização Mundial de Comércio (OMC).

– O G7 deve se comprometer a doar imediatamente 60% dos US$19 bilhões necessários para o ACT-A, fundo para fornecer vacinas, testes e medicamentos para países de menor renda.

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Entenda como a CPI da Covid pode contribuir para responsabilizar Bolsonaro por falas e postura na pandemia

Está prevista para esta terça-feira (27) a instalação da CPI da Covid, que irá apurar ações e omissões do governo federal na pandemia, além de repasses federais a estados e municípios.

As investigações deverão ajudar a compreender o envolvimento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas políticas do governo de combate à pandemia e fornecer elementos para sua eventual responsabilização.

No entanto, mesmo sem novos elementos, especialistas entendem que as reiteradas falas e postura do presidente, tanto de negação da gravidade da pandemia quanto contrárias a medidas de isolamento, bastariam para que Bolsonaro pudesse ser responsabilizado.

Entenda como a CPI da Covid poderia contribuir para a responsabilização do presidente e se ele poderia ser convocado para depor e relembre falas de Bolsonaro ao longo da pandemia.

O que é uma CPI? As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) estão previstas na Constituição Federal, em seu artigo 58, e têm poderes de investigação que em geral só cabem a autoridades judiciais.

Para sua criação é preciso requerimento de um terço dos membros da Casa Legislativa, além de um fato determinado a ser investigado e um prazo para sua conclusão. A CPI da Covid tem prazo de 90 dias, que pode ser prorrogado.

Segundo o cientista político José Álvaro Moisés, que é coordenador do grupo de trabalho sobre a qualidade da democracia no Instituto de Estudos Avançados da USP, a CPI é um recurso do qual a minoria do Legislativo pode fazer uso para investigar possíveis abusos de poder.

Moisés explica que esse recurso é importante para dar transparência às ações do governo, de modo que as pessoas possam acompanhar, monitorar e fazer o controle do abuso de poder.

“Os eleitores não podem avaliar um governo se não tiverem suficiente conhecimento das ações e das omissões do governo e das consequências dessas ações e omissões.”

De acordo com a professora de direito constitucional Tayara Lemos, da Universidade Federal de Juiz de Fora, as CPIs podem lançar mão de medidas como quebra de sigilo bancário e fiscal. Já medidas mais invasivas como bloqueio de bens, busca e apreensão em domicílio e interceptação telefônica não podem ser determinadas pela CPI, sendo reservadas ao Judiciário.

Como o presidente poderia ser responsabilizado a partir da CPI? Os efeitos seriam mais políticos ou jurídicos? De acordo com Gabriela Zancaner Bandeira de Mello, professora de direito constitucional da PUC-SP e autora do livro “As Competências do Poder Legislativo e as Comissões Parlamentares”, é preciso deixar claro que a CPI não é um órgão julgador, mas apenas de investigação.

“A CPI investiga fatos determinados e produz um relatório final com as suas conclusões. O relatório pode —ou não— servir de base para que o Ministério Público tome as providências necessárias que, eventualmente, levem à condenação daqueles que praticaram atos ilícitos.”

Em outras palavras, a CPI não responsabiliza, julga ou pune qualquer autoridade, mas ela pode reunir elementos que contribuam para uma eventual responsabilização por parte dos órgãos responsáveis.

Caso o relatório aponte, por exemplo, que o presidente cometeu crimes de responsabilidade, cabe ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), avaliar se pauta ou não a votação de abertura de um processo de impeachment.

Uma vez pautado, o processo de impeachment precisa do aval de 342 deputados. Depois disso, para ser instaurado, é preciso aprovação por maioria simples numa sessão com no mínimo 41 dos 81 senadores. Ao final, para que o presidente perca o mandato, é preciso o voto de 54 senadores.

Já no caso de a conclusão ser de que o presidente da República possa ter cometido crimes comuns, o relatório é enviado para a PGR (Procuradoria-Geral da República) que pode instaurar um inquérito para investigar o que ainda julgar necessário ou oferecer uma denúncia ao STF (Supremo Tribunal Federal), se entender que há elementos suficientes.

A denúncia somente pode ser feita pelo procurador-geral da República, cargo ocupado por Augusto Aras, cujo mandato vai até setembro, mas que pode ser reconduzido por Bolsonaro. Para que o presidente seja julgado pelo Supremo, porém, é preciso ainda o aval de 342 deputados federais.

Desde que a pandemia começou, diversos pedidos de impeachment e requerimentos de investigação contra Bolsonaro foram apresentados na Câmara e na PGR, respectivamente.

Na avaliação do professor de direito da USP Rafael Mafei, não é por falta de pedidos que Bolsonaro resista a um impeachment.

Nesse sentido, Mafei ressalta que a CPI pode tanto revelar fatos que ajudem na compreensão de crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente no contexto da pandemia quanto gerar um clima favorável ao impeachment, a partir da exposição midiática que o caminhar da investigação terá.

Ele destaca ainda que é preciso considerar os interesses na dinâmica eleitoral de curto e de médio prazo que fazem com que o impeachment não seja a alternativa mais atraente nem para oposição, que preferiria concorrer contra Bolsonaro em 2022, tampouco para os parlamentares do centrão, grupo que está próximo ao governo.

Já a cientista política e professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Argelina Cheibub Figueiredo considera mais provável que o relatório venha a focar no possível cometimento de crimes comuns do que na indicação de crime de responsabilidade.

“Para ter o impeachment, é preciso que haja alguma relação, alguma construção de caminho futuro com o vice-presidente. E essa condição eu acho que não existe. Não só a oposição, mas vários políticos que são independentes não confiam no vice.”

Para Argelina, o provável impacto da CPI para Bolsonaro será a redução de seu apoio político pelo desgaste que a investigação deve acarretar. Além disso, ela considera que a pressão da CPI pode fazer com que o governo mude de postura no combate à pandemia.

No caso de a CPI concluir que o presidente possa ter cometido crimes comuns, Mafei questiona ainda se Aras ofereceria denúncia contra Bolsonaro.

A postura do presidente Bolsonaro pode ser objeto de investigação da CPI? Ela poderia ser considerada crime? Na avaliação de Samuel Vida, advogado e professor de direito constitucional da Universidade Federal da Bahia, o mero discurso de Bolsonaro minimizando a gravidade da pandemia e atacando políticas de isolamento social, assim como a promoção de aglomerações, configuram crime de responsabilidade por serem incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.

“Não podemos de jeito nenhum imaginar que a manifestação do presidente se equipara a um mero juízo opinativo de um cidadão. Há uma responsabilidade com a retórica presidencial que é inerente às atribuições políticas que o presidente encarna”, afirma ele. “O decoro comporta também a responsabilidade com suas manifestações e seus efeitos junto aos cidadãos.”

Já Carolina Cyrillo, professora de direito constitucional e administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem um entendimento distinto.

“O simples discurso negacionista dele por si só não vai levar a um crime de responsabilidade. É um horror politicamente, mas juridicamente crime de responsabilidade ele não cometeu por dizer”, argumenta. “Agora se ele não implementou políticas públicas e se se comprovar que ele se negou a fazer o combate da pandemia, aí sim ele tem um crime.”

Para a OAB Nacional, tais condutas podem configurar não só crime de responsabilidade, como crimes comuns. Em representação à PGR pedindo que o presidente seja denunciado ao STF por crimes comuns, a entidade aponta, entre as ações em que Bolsonaro teria incidido em crime, falas contrárias às medidas de distanciamento social.

Além disso, um levantamento da ONG Conectas Direitos Humanos e do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública da USP concluiu que, na esfera federal, “mais do que a ausência de um enfoque de direitos, já constatada, o que nossa pesquisa revelou é a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.

CPI tem poderes para convocar um presidente da República a depor? Entre os especialistas consultados pela reportagem, não houve unanimidade.

Parte entende que a CPI poderia convocar o presidente e que este poderia solicitar à Justiça para não comparecer; parte argumenta que, como presidente, ele poderia ser apenas convidado, sem que seu comparecimento fosse obrigatório.

A cientista política Argelina Cheibub ressalta que a única CPI que teve o presidente como peça central antes desta foi a de Fernando Collor, mas que, apesar disso, ele não foi convocado para depor.

Senadores da oposição teriam chegado ao consenso de não chamar Bolsonaro para depor, segundo noticiou a coluna Mônica Bergamo na semana passada.

“A Constituição não menciona qualquer impedimento ou desoneração prévia em relação ao presidente da República”, afirma a professora Tayara Lemos.

Também de acordo com a professora Gabriela Zancaner, o presidente poderia ser convocado.

Entretanto, ambas ressaltam que, como qualquer outro convocado, o presidente poderia recorrer à Justiça para não comparecer.

“Aquele que é convocado como depoente em uma CPI tem o dever de comparecer sob pena de, no caso de recusa, sofrer uma condução coercitiva”, afirma Gabriela. “Contudo, se o indivíduo convocado entender que a convocação é injusta, descabida ou viola seu direito de não produzir provas contra si mesmo, ele pode se socorrer do Poder Judiciário para ser desobrigado ao comparecimento.”

Já Luiz C. dos Santos Gonçalves, doutor em direito do Estado e autor do livro “Poderes de Investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito”, argumenta que o presidente não poderia ser convocado, mas sim convidado, sem que seu comparecimento fosse obrigatório.

“A gente precisa diferenciar convite e convocação. Convite, ela [CPI] pode convidar qualquer um. Mas a convocação significa que, se a pessoa não atender, ela pode ser conduzida coercitivamente.”

De acordo com ele, por causa do princípio da separação dos Poderes, tanto o presidente da República quanto governadores e ministros do STF não podem ser convocados por CPIs. “Há quem diga que não pode convocar prefeito também, porque não estaria ao alcance dela esses titulares do Executivo”, afirma Gonçalves.

De acordo com a Constituição, as comissões parlamentares podem solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão e convocar ministros de Estado.

Gabriela afirma ainda que há diferença entre testemunha e investigado: “A testemunha tem obrigação de comparecer e dizer a verdade. Já o investigado pode ser obrigado a comparecer em determinadas circunstâncias, entretanto pode também optar pelo silêncio.”

Segundo decisões do Supremo, tanto testemunhas quanto investigados em CPIs podem invocar o direito fundamental ao silêncio caso entendam que a resposta pode incriminá-los.

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Raul Spinassé

Jovem encontra na pandemia oportunidade para empreender e contornar a crise

A chegada da pandemia do novo coronavírus deu uma reviravolta na vida de muita gente ao redor do mundo. Pessoas perderam suas vidas, outras ficaram desempregadas. Foi preciso adaptar a rotina para fugir da Covid-19. Mas em meio desse tsunami milhares de trabalhadores resolveram abrir seu próprio negócio e até mesmo expandir o que já existia. Foi o caso do Wendell Barbosa, proprietário da Ótica Novo Estilo.

A história desse jovem empreendedor é de muita superação e movido a desafio, segundo ele. Barbosa conseguiu, na pandemia, manter as duas lojas que tinha e abriu mais três, mesmo com o cenário de instabilidade.

“Na verdade comecei do zero com uma caixa de papelão para carregar os óculos e com um sentimento dentro de mim que não deixava desistir. Não foi fácil, mas sabia que eu ia vencer e hoje, depois de quase seis anos, tenho a maior rede de óticas do Acre e ainda esse ano vamos abrir mais outras lojas”, disse Barbosa.

Mas o empresário afirma que ficou assustado com a chegada da pandemia. Os decretos governamentais de fechamento dos serviços não essenciais, segundo ele, fez com que adotasse estratégias diferentes das habituais e o negócio cresceu.

 “Quando iniciou a pandemia em março de 2020, veio aquele choque do que seria do futuro e o que poderia acontecer. A pandemia me fez colocar em prática tudo àquilo que já estava programado a fazer. Nesse momento difícil pra todos me ajudou a realizar tudo que planejei e dentro de 1 ano consegui abrir mais quatro óticas e uma franquia de seguros”, ressaltou.

“Encontrei muita gente dizendo que não adiantava abrir negócio na pandemia. Resolvi ouvir a Deus e aos meus extintos e deu certo. Persistir é sempre uma boa opção.”

Diferente de muitas empresas pelo Brasil a fora que demitiram seus colaboradores, Wendell Barbosa aumento o quadro de funcionários da sua empresa. Hoje já são 15 pessoas diretamente trabalhando. De acordo com ele, apresentar seu negócio nas redes sociais alavancou suas vendas.

“Conseguimos oferecer mais vagas de empregos ao longo dessa pandemia. Mas porque precisei entender  que o mundo tinha mudado e os hábitos também. Preparei estratégias de vendas para alcançar aquele cliente que não visita mais as lojas físicas. Estudei muito na pandemia para conseguir alcançar nossos objetivos”, disse.

“Acredito muito no Brasil e entendo que não é fácil manter ou abrir um negócio devido a toda burocracia que vivemos, mas acredito muito no potencial do Brasil e também que podemos ser honestos em meio ao caos.”

Pesquisa mostra crescimento nas vendas pela internet

Para 2021, a tendência é que os empreendedores sigam apostando na Internet, e em especial nas redes sociais. É o que mostra uma pesquisa da ao³, uma marca que potencializa negócios de micro, pequenas e médias empresas e escritórios de contabilidade, realizada com donos de microempresas, empresários de pequeno porte e MEIs da indústria, varejo e serviços.

A “Pesquisa sobre as Perspectivas do Empreendedor Brasileiro para 2021” aponta que dos 140 empreendedores ouvidos, 60% vendem pela Internet. Entre os canais favoritos deles estão: Whatsapp (40%), redes sociais (27,7%), plataformas de terceiros (12,3%) e E-commerce (7,7%). Mesmo com a atual conjuntura econômica, 72% registraram mais vendas pela Web, sendo que 27% aumentaram as suas receitas em 10%, 21,6% em 20% e 21,6% em 50%.

Já em relação aos investimentos realizados na empresa, 44% mantiveram o valor aportado em 2019, 17,5% aumentaram em até 50% e 17,5% diminuíram em até 50%.

Entre as razões que atrapalharam o crescimento dos negócios, as três mais mencionadas foram: pandemia (68%), carga tributária elevada (39%) e juros altos (28,5%).

Rumos para 2021

Sobre o crescimento econômico do País, a expectativa de 45% dos empreendedores é cautelosa, enquanto para outros 40% é favorável e para 13% desfavorável.

Já quanto ao crescimento do próprio negócio, 50% dos pequenos empresários têm uma perspectiva cautelosa e 44% favorável. Para o faturamento, a projeção é positiva e 63% acreditam que irão faturar mais, 20% creem que a receita se manterá, enquanto 8% esperam um lucro menor.

Com relação a investimentos, os empreendedores se mostram mais otimistas: 45% respondentes pretendem injetar novos recursos na empresa, enquanto 34% não decidiram e 21%, não devem fazer investimentos.

“Em 2020, avançamos pelo menos duas décadas em termos de transformação digital. Essa mudança acelerada pressiona as empresas a se reinventarem. Quando pensamos no microempreendedor pode ser ainda mais desafiador, pois sabemos que ele desempenha muitas funções na empresa: faz a gestão, atende o cliente, fecha o caixa, fala com fornecedor, cuida das vendas, entre outras funções. Tudo isso, na maioria dos casos, sozinho.  Por isso, nós acreditamos na importância da tecnologia simples, fácil de usar e eficaz para resolução de problemas e ajudar na digitalização dos pequenos negócios para que eles possam acompanhar as mudanças e evoluir”, diz Jorge Santos Carneiro, presidente da ao³.

O site Opinião quer ouviu sua história durante a pandemia. Quais os seus desafios? Pensou em desistir ou não conseguiu manter seu negócio? Usou a pandemia para abrir seu negócio? Conte pra gente. Fale conosco pelo redacao@jornalopiniao.net ou telefone whatsapp 68 99602-2190. Queremos contar a sua história.

Os relatos de trabalhadores sobre sua saúde mental na pandemia

As palavras preocupação, insegurança, confusão, sobrecarga, desânimo e chateação são as mais recorrentes no levantamento “ProjeThos Covid-19 – Escuta do Trabalho, Humanização e Olhares sobre a Saúde no contexto da pandemia do novo coronavírus”. Realizado por um trio de psicólogos do Sul e do Sudeste do Brasil, o trabalho que começou em abril de 2020 já recebeu cerca de 400 relatos sobre as relações dos trabalhadores com seus empregos durante a atual crise sanitária.

O levantamento, ainda em andamento no início de abril de 2021, busca medir por meio de um questionário a saúde mental dos brasileiros em atuação tanto em atividades presenciais quanto em trabalhos remotos. A partir das respostas obtidas, a enquete mostra que as pessoas estão trabalhando mais do que antes do início da pandemia e, consequentemente, se sentindo mais cansadas, dormindo menos e comendo mais.

Tristeza e futuro incerto


Cerca de 60% das pessoas relataram o sentimento de tristeza e a dificuldade de planejar o futuro. A maior parte dos depoimentos, que são enviados de forma voluntária, são de profissionais de saúde e de trabalhadores da educação.

Segundo Bruno Chapadeiro, especializado em Psicologia Organizacional e do Trabalho e um dos organizadores do levantamento, o número de respondentes do questionário costuma crescer nos momentos de agravamento da pandemia.

Algumas das respostas recebidas pelos pesquisadores estão sendo publicadas no Instagram do projeto, em publicações que revelam apenas a profissão da pessoa que fez o relato.

“Gostaria que o assunto fosse tratado com seriedade em grupos de conversa onde as pessoas não se sentissem intimidadas ao expressarem seus sentimentos e que não fossem convocadas, ainda que sutilmente, a encarar essa tragédia com uma positividade tóxica e fantasiosa”- relato de professora que integra o projeto.

“As pessoas tratando a gente quase como objeto, ninguém chega perto… Tu tá abastecendo parece que as pessoas tem nojo de chegar perto de ti ou te xingam. Tem horas que dá vontade de sair correndo e deixar tudo pra trás”-relato de repositora em supermercado que integra o projeto.

Os profissionais de saúde


O que os trabalhadores da saúde mais relataram foi cansaço, desgaste e esgotamento. Perguntados sobre o que poderia ser feito para que se sentissem mais apoiados no trabalho, os profissionais costumam pedir solidariedade, empatia e compreensão da população, de colegas de trabalho e da chefia.

“Alguns dizem que o maior medo é adoecer mentalmente, pois, entre as situações mais marcantes que eles têm vivido em seu trabalho durante a pandemia, são colegas de trabalho afastados por questões de saúde mental. Eles [profissionais de saúde] relatam o medo de que isso aconteça com eles. A gente sabe que os transtornos mentais relacionados ao trabalho têm efeitos a longo prazo e muitas vezes irreversíveis”, afirmou Chapadeiro ao Nexo.

Chapadeiro afirma que os trabalhadores de saúde ficam sobrecarregados não só pelos pacientes com o novo coronavírus, mas por toda crise provocada pela pandemia, especialmente pelo desemprego.

“Quando a gente fala do colapso de saúde, não estamos só falando da quantidade de leitos que são destinados ao atendimento para pandemia, mas também todos os casos que já necessitavam de atenção e aos quais se somam agora as pessoas desempregadas que, sem o amparo, seja de uma Previdência social, de uma renda fixa ou de um seguro de saúde, vão escoar na rede pública e vão necessitar também de atendimento”, disse.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o nível de desemprego bateu recorde no Brasil entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. Na série histórica do instituto, iniciada em 2012, nunca houve registro de tantos brasileiros procurando emprego. No trimestre encerrado em janeiro, haviam 14,3 milhões de desempregados no país.

nexojornal

Quando a vacinação deve começar a frear a pandemia no Brasil

Caso os laboratórios brasileiros da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e do Instituto Butantan consigam entregar a produção máxima de vacinas contra a covid-19 previstas em seus cronogramas, o Brasil deve vacinar todos os profissionais de saúde e os idosos acima dos 60 anos ainda em abril. Cerca de um mês depois, a imunização deve começar a ter um efeito expressivo sobre o número de mortes, ajudando a desafogar os hospitais.

Dos atuais 2.300 óbitos por dia, a média móvel no país deve ficar abaixo de mil mortes diárias ainda em maio, graças à vacinação. A estimativa consta de um estudo da Impulso Gov, uma organização não governamental que tem como objetivo ajudar estados e municípios a coletar e a analisar dados dos serviços de saúde.

No estudo, usado pelo Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) para defender a adoção de um lockdown nacional para frear os casos antes do efeito da imunização, a ONG recorreu a 12 bases de dados públicas e informações do Ministério da Saúde obtidas por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). A partir disso, traçou três possíveis cenários da vacinação no país.

“A gente estimou o número de pessoas em cada grupo prioritário, sabe quantas doses precisa e quantas doses vai ter em cada mês. A partir disso, a gente distribui as doses pelos grupos. Por esse cenário que conta apenas com a produção nacional, a gente deve conseguir vacinar até o final de abril todos os idosos acima de 60, que já é uma parte da população com ao menos uma comorbidade. A gente começaria a ter um efeito [no número de mortes] no final de maio”, disse ao jornal Nexo o coordenador de dados da Impulso Gov, Marco Brancher.

O plano de imunização contra a covid-19 do governo federal considera 29 grupos como sendo prioritários na fila da vacinação, como idosos, profissionais de saúde, indígenas, quilombolas, professores, militares e caminhoneiros. Ao todo, segundo o governo federal, são 77,2 milhões de pessoas. O estudo eliminou a duplicidade, ou seja, incluiu na relação apenas uma vez um idoso que é ao mesmo tempo professor, por exemplo. Por isso, considerou 73,7 milhões de pessoas na estimativa.

Os possíveis cenários

  • COM O CRONOGRAMA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

O plano de vacinação federal prevê a distribuição para estados e municípios de 562 milhões de doses ao longo de 2021, o suficiente para vacinar toda a população de 210 milhões de habitantes. Entre as opções, estão as vacinas da Pfizer/BioNTech, Janssen (farmacêutica da Johnson & Johnson, a única que necessita de apenas uma dose), a Sputnik V, a Covaxin (da indiana Bharat Biotech), além de doses recebidas pelo consórcio Covax Facility e as de Oxford importadas da Índia. Mas muitas dessas vacinas não têm aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e apenas em março, o governo mudou seis vezes o cronograma. Devido ao alto risco de atraso nos contratos, negociações e importações, pela alta demanda global, o estudo considera o cenário improvável, e por isso não discute as metas. “O mais provável é que nos próximos meses tenhamos um cronograma de vacinação consideravelmente mais lento do que o previsto pelo Ministério da Saúde, por falta de doses (não por capacidade de distribuir e vacinar)”, diz o estudo.

  • COM AS DOSES PRODUZIDAS NO PAÍS

Desde março, o país conta com as doses da vacina de Oxford em parceria com a AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fiocruz. Elas se somam às doses da Coronavac disponibilizadas pelo Instituto Butantan, que respondiam por 83% de todas as vacinas entregues aos estados até quinta-feira (25). Caso os laboratórios nacionais cumpram o cronograma, as 39 milhões de doses entregues em abril seriam suficientes para vacinar todos os profissionais de saúde e idosos acima de 60 anos, segundo o estudo, que considera esse o cenário mais provável. Caso só essas doses estejam acessíveis, todos os adultos seriam vacinados apenas em dezembro.

  • COM METADE DA PRODUÇÃO NACIONAL

O estudo também traça um cenário mais conservador, em que apenas metade da produção nacional seria entregue. Mesmo assim, a cobertura atingiria as populações mais vulneráveis em alguns meses. Os idosos acima de 60 anos e profissionais de saúde seriam imunizados até junho, e toda a população adulta só receberia as duas doses em 2022.

O impacto nas mortes


Segundo o estudo, vacinar a população acima dos 60 anos já teria impacto porque, no Brasil, cerca de 70% das mortes por covid-19 acontecem entre idosos, mesmo que em março, em algumas regiões, os jovens sejam metade dos internados pela doença.

“A gente não precisa atingir a imunidade de rebanho para começar a ver quedas de óbitos. A população vacinada não é imune ao vírus, ela pode contrair e transmitir, mas só vai ter os efeitos mais leves da doença. Então, provavelmente, essa pessoa não vai ser internada e, quase com certeza, não vai morrer. A gente não tem registro de nenhum óbito por covid de pessoas vacinadas ainda”- Marco Brancher, coordenador de dados da Impulso Gov.

Mesmo no pior cenário (Fiocruz e Butantan entregam apenas metade da produção), em maio, a média móvel (que considera os sete dias anteriores ao cálculo) de mortes deve ficar abaixo de mil óbitos por dia. No final de março, ela era de 2.300 mortes diárias no Brasil.

370 mil

mortes por covid-19 serão evitadas no Brasil até o final de 2021 devido à vacinação no pior cenário, com metade da produção nacional, segundo o estudo da Impulso Gov

O estudo considera ainda que, caso a redução de mortes seja homogênea em todos os municípios do país, a pressão sobre o SUS (Sistema Único de Saúde) deve ser menor em abril em comparação ao mês anterior. Para os pesquisadores, porém, até que se chegue a esse quadro, é necessário que os governos tomem medidas mais duras de restrição de circulação de pessoas.

A defesa do lockdown


Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo na quinta-feira (25) por João Moraes Abreu, diretor executivo da Impulso Gov, Marco Brancher, coordenador de dados da ONG, Carlos Lula, presidente do Conass e secretário de Saúde do Maranhão, e Marcia Castro, professora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, os autores defendem que um lockdown seja adotado imediatamente no país, por 30 dias, até para garantir os efeitos da vacinação.

O lockdown implica no fechamento das atividades não essenciais e no confinamento da população, que só pode sair de casa com justificativas como ir ao hospital ou à farmácia. É um modelo pouco adotado no Brasil.

Segundo os autores, caso a transmissão do vírus não seja controlada, há o risco de novas variantes mais transmissíveis do vírus surgirem, como já ocorreu em Manaus. Essas variantes podem escapar da proteção garantida pelas vacinas atualmente em uso. O número descontrolado de casos também manteria os hospitais em colapso, impedindo o atendimento até mesmo de pessoas com problemas além da covid-19, o que pode aumentar ainda mais o número de mortes.

Os autores escrevem ainda que, quanto mais a curva de mortes sobe, mais difícil fica para baixá-la. “Já atingimos 3.000 óbitos em um único dia. Se este número não cair já, não ficaremos abaixo de 1.000 óbitos nem em maio, mesmo com a vacinação”, escrevem. Para eles, mesmo uma média móvel abaixo de mil mortes ainda é um número inaceitável.

“Se a gente olhar para qualquer país que implementou medidas mais rígidas desde o começo da pandemia, como Portugal, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, todos eles tiveram políticas públicas voltadas para atender as pessoas que estavam ficando desamparadas, seja por programas de renda mínima emergencial, de crédito para empresas ou de isenção de impostos. Tem um menu disponível. Se a gente não tiver nenhuma medida econômica, a gente sabe que, por mais que seja absolutamente necessário adotar o lockdown, ele acaba sendo inviável na prática”, afirmou Brancher.

Pesquisadores como o neurocientista Miguel Nicolelis, que coordenou o Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a covid-19, estimam que o Brasil pode alcançar 500 mil mortes em julho caso medidas restritivas não sejam adotadas imediatamente. Brancher diz que o cenário é possível se os índices de mobilidade continuarem no patamar de março. “Não sei se até o meio do ano, mas com certeza até o final do ano é bem possível que a gente atinja esse número espantoso”, afirmou.

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Como a medicina lida com a covid-19 após um ano de pandemia

Um ano após a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarar estado de pandemia devido à disseminação global do novo coronavírus, a covid-19 continua sendo uma doença sem tratamento. Nenhum remédio testado se mostrou capaz de atacar o vírus Sars-CoV-2, que causa a infecção, ou de prevenir seu contágio. As vacinas, desenvolvidas e aprovadas em tempo recorde, são o único modo de evitar mais mortes além das medidas não farmacológicas como o distanciamento social.

No Brasil, a divulgação de um suposto tratamento precoce com um kit de medicamentos ineficazes ganhou força devido ao incentivo pelo presidente Jair Bolsonaro, com o aval do Ministério da Saúde, ao uso da cloroquina e de sua derivada hidroxicloroquina. Ao ser pressionado a se manifestar sobre o tema, o Conselho Federal de Medicina se limitou a defender a autonomia dos médicos para receitar remédios fora da bula, o que contribuiu ainda mais para aumentar a confusão na população.

Algumas regiões têm insistido na difusão de substâncias sem efeito como resposta ao aumento de casos e mortes e à falta de vagas em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva). Em Macapá, equipes de saúde distribuíram no começo de março 150 mil kits com vitaminas C e D, zinco e ivermectina (vermífugo usado contra piolho) na tentativa de “aumentar a imunidade” da população, o que estudos já demonstraram que não acontece. A própria MSD, farmacêutica que produz a ivermectina, afirmou em nota que o produto não traz benefícios contra a covid-19.

Em fevereiro, a Justiça suspendeu a distribuição pela Prefeitura de Porto Alegre de um coquetel com ivermectina, azitromicina (usado contra infecções bacterianas), hidroxicloroquina e cloroquina. Na decisão, o juiz considerou não haver “evidências robustas” de eficácia baseadas em pesquisas e reconhecidas pela comunidade científica. A OMS não recomenda a cloroquina, descartou realizar mais pesquisas e já há consenso entre os cientistas de que ela não funciona para a covid.

Em Santa Catarina, médicos continuam receitando ivermectina e cloroquina. O estado é um dos 13 com taxa de ocupação de leitos de UTI igual ou acima de 90%, segundo boletim do Observatório Covid-19 da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) publicado na terça-feira (9).

Como a medicina lida com casos leves


A falta de um tratamento específico para a covid-19 não significa que doentes que busquem ajuda médica, mesmo com um quadro leve de infecção, não precisem tomar remédios.

“A gente faz tratamento para melhorar a dor, a febre, a mialgia (dor muscular). Faz medicações específicas para a tosse, porque às vezes o paciente não consegue dormir por causa dela. O que a gente trata são os sintomas”, disse ao Nexo a professora Patrícia Rocco, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro titular da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências.

Entre todos os infectados pelo novo coronavírus, algo entre 80% e 90% são assintomáticos ou apresentam quadros leves e não precisam de atendimento médico. Essas pessoas acabam se curando sozinhas em casa. Como os sintomas mais comuns são semelhantes ao de uma gripe, os remédios indicados para quem procura um hospital nesse estágio da doença geralmente são os mesmos analgésicos ou antitérmicos já utilizados para os resfriados comuns.

O chefe da UTI do Hospital Copa Star, Fabio Miranda, afirmou em entrevista ao jornal O Globo, em fevereiro, que a hidratação também é extremamente importante, porque o doente muitas vezes pode se desidratar sem perceber, o que pode levar à complicações da doença. Especialistas também defendem o monitoramento permanente do estado do paciente para evitar que ele já chegue ao hospital em situação grave.

Os quadros de covid-19

  • ASSINTOMÁTICO

Parte dos infectados pelo novo coronavírus pode receber um resultado positivo no teste para a covid-19, mas não apresentar os sintomas da doença. As pessoas transmitem o vírus mesmo assim.

  • LEVE

Nessa fase, o infectado apresenta um ou mais sintomas, como febre, indisposição, dor de cabeça, de garganta ou muscular, náusea, vômito, diarréia e perda de olfato e paladar, mas não têm falta de ar e comprometimento do pulmão identificado em exames de imagem.

  • MODERADA

O paciente começa a demonstrar dificuldade para respirar e apresenta um grau de saturação de oxigênio no sangue de cerca de 94%.

  • GRAVE

O nível de oxigenação no sangue cai abaixo de 94%, a frequência respiratória supera 30 respirações por minuto (a média de um adulto em repouso é de 12 a 20) e o paciente apresenta infiltração pulmonar superior a 50%.

  • CRÍTICO

São pacientes que apresentam quadro de falência respiratória, choque séptico ou disfunção de múltiplos órgãos.

Os avanços do tratamento nas UTIs


A parcela de doentes de covid-19 que precisa de internação é de cerca de 10%, dos quais um terço necessita de atendimento em UTI. A evolução no tratamento médico ocorreu justamente para esse público.

A ciência sabe qual o efeito da doença no pulmão. Por meio de autópsias em vítimas da covid-19, pesquisadores observaram que o Sars-CoV-2 causa lesões em todo o aparelho respiratório, com maior gravidade nos alvéolos, que são pequenas bolsas agrupadas no formato de cachos nas quais ocorrem as trocas gasosas no interior do pulmão.

Segundo as análises, o interior dessas estruturas sofre uma descamação, o que faz com que elas acumulem líquido, levando à insuficiência respiratória.

Os pesquisadores identificaram ainda pequenos focos de hemorragia na parede dos alvéolos, que o organismo fechou formando coágulos. O risco desse processo é que os coágulos podem causar tromboembolismo, o entupimento de vasos sanguíneos mais finos.

Por isso, os maiores avanços foram na modulação do uso de corticoides (anti-inflamatórios) e anticoagulantes nos pacientes graves. Em junho de 2020, pesquisadores britânicos do estudo Recovery mostraram que o uso do corticóide dexametasona reduziu significativamente a mortalidade em pacientes com covid-19 internados com quadros graves.

Atualmente, todos os pacientes com baixa de oxigenação e que precisem de ventilação mecânica fazem uso de corticóide, segundo a professora Patrícia Rocco, da UFRJ. Eles também recebem anticoagulantes de maneira profilática, mas o uso pleno do medicamento precisa seguir alguns parâmetros laboratoriais obtidos por meio de exames de sangue, e é usado em casos específicos que dependem da condição do paciente.

Os médicos também descobriram que a pronação, técnica que consiste em deitar o paciente com a barriga para baixo, também ajuda a salvar vidas. Colocar a pessoa de bruços melhora a respiração ao liberar a carga sobre os pulmões.

Por que é difícil criar um remédio


Nenhum antiviral funcionou contra o Sars-CoV-2 nos testes realizados. No final de 2020, a OMS divulgou uma nota desaconselhando o uso do antiviral remdesivir em pacientes hospitalizados com covid-19. Até então, o remédio era visto como promissor. Um artigo publicado no British Medical Journal mostrou não haver evidências de que ele diminuía o risco de ventilação mecânica e aumentava as chances de sobrevivência.

Mesmo assim, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou na sexta-feira (12) o uso do medicamento para pessoas hospitalizadas que precisem de oxigenação. Segundo a agência, a análise da OMS teve como foco a prevenção de mortes. Para a liberação no Brasil, o critério usado foi a redução no tempo de hospitalização, o que já ajudaria devido à superlotação dos hospitais. O uso do remdesivir é aprovado por agências de outros 50 países, como a dos Estados Unidos.

Encontrar um antiviral capaz de combater o novo coronavírus não é uma tarefa fácil. Ao jornal Nexo a biomédica e doutora em bioquímica Ana Paula Herrmann, que é professora adjunta do departamento de farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, disse que já era esperado que não houvesse antivirais eficazes para infecções virais agudas como é o caso da covid-19.

O desenvolvimento de remédios para bactérias, por exemplo, é mais fácil porque elas são seres vivos que se reproduzem de forma independente e têm estruturas muito diferentes das células humanas. “A gente consegue desenvolver fármacos específicos para bactérias que não vão matar as células humanas. São muitos seguros porque vão atuar contra proteínas e estruturas que só elas têm”, disse.

No caso dos vírus, isso já é mais complicado por suas características. “O vírus é muito diferente, pois tem apenas o material genético e usa toda a maquinaria da célula humana para se reproduzir”, afirmou. Por causa disso, é difícil encontrar “alvos” para atingir diretamente os vírus. Os remédios acabariam interferindo nos próprios mecanismos das células que são usados para exercer suas funções normais.

Outro problema, segundo a professora, é que quando os sintomas de infecções virais agudas começam a aparecer, muitas vezes já é tarde demais para conter a doença com remédios.

Para Patrícia Rocco, da UFRJ, é também difícil realizar ensaios clínicos para testar antivirais, especialmente na fase precoce da doença, quando as replicações virais mais acontecem no organismo dos pacientes. Os remédios tendem a funcionar mais nas primeiras 48 ou 72 horas. Muitos testes são feitos em pessoas internadas com mais de dez dias de sintomas, o que prejudica o resultado.

“A gente tem dificuldade de recrutar pacientes na fase correta. E para fazer um estudo desses com antivirais tem que ser multicêntrico [cooperativo, entre vários centros de pesquisa] porque aí passa a ter um recrutamento maior, com mais pacientes”, disse.

A alta letalidade nas UTIs


Especialistas concordam que a medicina aprendeu a lidar com a covid-19 no último ano, mas não o suficiente. A taxa de mortalidade nas unidades de terapia intensiva é alta. Um estudo que analisou as primeiras 250 mil internações no país entre fevereiro e agosto de 2020 constatou que seis em cada dez pacientes morreram.

A professora Patrícia Rocco credita o fato não a problemas de procedimento médico, mas à falta de estrutura. “O problema é que a gente não tem leito e não tem especialista”, afirmou.

Segundo ela, pacientes têm passado muito mais tempo na emergência do que deveriam, à espera de uma vaga. “Na emergência, com oxigênio, o pulmão vai piorando, o paciente vai aumentando o esforço para respirar. Para ter a troca gasosa, tem que ter o alvéolo para o ar entrar e o sangue passar pela artéria. Conforme aumenta o esforço, começa a lesar mais os alvéolos e o seu vaso, que começa a esgarçar. O paciente piora e tem um edema pulmonar. Quando ele chega na UTI, é muito mais difícil ventilar pelo grau de inflamação e do edema”, disse.

A mortalidade, na opinião da professora, poderia ser menor com a disponibilidade de mais vagas em UTIs. “Algumas cidades não têm estrutura nenhuma de terapia intensiva para isso. E os pacientes estão morrendo onde? Na emergência. A mortalidade nas UTIs está maior porque eles estão chegando mais graves também”, afirmou.

Os medicamentos abandonados


No começo da pandemia, a OMS lançou um projeto chamado Solidarity, para testar as drogas mais promissoras contra a covid-19. A iniciativa concluiu que os medicamentos remdesivir, hidroxicloroquina, lopinavir/ritonavir (antirretrovirais usados no tratamento do HIV) e interferon (usado contra a leucemia) tiveram pouco ou nenhum efeito na mortalidade e no tempo de hospitalização de pacientes com covid-19.

Pesquisadores ainda mantêm estudos sobre o uso de anticorpos monoclonais, tratamento experimental que foi usado pelo ex-presidente americano Donald Trump, quando ele se infectou com o novo coronavírus em outubro de 2020. A ideia é que um coquetel de anticorpos seja capaz de neutralizar o vírus.

Outra alternativa estudada é a colchicina, um anti-inflamatório usado contra a gota (doença das articulações decorrente do excesso de ácido úrico no sangue). Ele ajudaria a conter a inflamação pulmonar e a acelerar a recuperação de pacientes com quadros moderados e graves da covid-19. Testes feitos pela USP mostraram resultados positivos, mas ainda sem grande impacto.

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FOTO: BENOIT TESSIER/REUTERS – 8.MAR.2021

Pandemia de Covid faz crescer busca por home care e hospitais de transição

sobrecarga causada pela pandemia de Covid-19 em muitos hospitais levou a um crescimento de até 35% no número de pacientes atendidos em home care no país, modalidade de assistência que passou a atuar em novas frentes com a crise sanitária.

Houve aumento de procura, por exemplo, de pacientes de Covid-19 que precisam de uso de oxigênio e medicação endovenosa durante a fase aguda da doença. Ou de reabilitação e fisioterapia após a internação hospitalar.

Além disso, com medo de se infectar no ambiente hospitalar, muitos pacientes não-Covid também têm optado por atendimento domiciliar para a realização de procedimentos como curativos e medicações na veia.

Alguns hospitais também têm sugerido esse tipo de cuidado. Na semana passada, o Hospital Sírio-Libanês, que vive aumento expressivo de ocupação de leitos, passou a estimular a transferência de pacientes crônicos estáveis para clínicas de transição ou home care.

Segundo o médico geriatra Leonardo Salgado, presidente do Nead (Núcleo Nacional de Empresas de Serviços de Atenção Domiciliar), a partir do início da pandemia, em março de 2020, o setor viveu um boom de pacientes egressos de hospitais. As instituições, temendo um colapso na assistência, liberaram doentes crônicos estáveis para seguir ou terminar o tratamento em casa. Agora, o mesmo movimento começa a ser observado.

São pacientes, por exemplo, com doença de Alzheimer que estão com pneumonia e precisam de antibiótico endovenoso, ou doentes que passaram por cirurgias, adquiriram infecções e também necessitam de medicamentos na veia e fisioterapia.

O Brasil tem cerca de 830 empresas de home care, segundo último censo feito pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e o Nead. A receita anual é estimada em R$ 10,6 bilhões, sendo 57,5% geradas por internações domiciliares (que custam, em média, 35% menos do que as hospitalares). O restante, 42%, vem dos atendimentos em casa. Em 2019, foram atendidos cerca de 292 mil pacientes. Os números de 2020 ainda estão sendo compilados.

Segundo Hyran Godinho, CEO da Pronep Life Care, marca da Sodexo voltada para atenção domiciliar, o principal papel do home care neste momento tem sido o de desafogar os hospitais.

“Tanto no atendimento de pacientes crônicos, que precisam de uma estrutura, como daqueles que sofreram uma fratura, fizeram uma cirurgia e vão precisar de antibiótico endovenoso, por exemplo. Eles não precisam ficar no hospital para tomar antibiótico, podem receber em casa.”

As empresas de atenção domiciliar também foram acionadas para atender o paciente após a alta da internação (na UTI ou não). “São, em geral, pacientes que ficaram com alguma sequela. Que ainda precisavam de algum antibiótico, anticoagulante, de oxigênio ou mesmo de fisioterapia”, conta Leonardo Salgado, do Nead.

Foi o caso do comerciante Raul Edson Zanini, 64, da capital paulista, que após uma internação de uma semana para tratar a Covid-19 seguiu com a reabilitação em casa, com medicação endovenosa (antibiótico e soro) e fisioterapia pulmonar, por mais 15 dias.

“Ainda sentia muitas dores, indisposição, cansaço. Poder terminar o tratamento em casa, mesmo trancado no quarto, me deu mais tranquilidade”, conta.

Em muitas cidades com maior sobrecarga pela Covid, o home care também foi usado por pacientes sintomáticos, que passavam pela emergência de um hospital e que depois eram monitorados e medicados em casa, com apoio de uma central 24 horas com médico e pessoal da enfermagem.

Segundo Patrícia Palomba, diretora de operações da Global Care, durante a pandemia, alguns pacientes que já estavam sob cuidados do home care e que foram infectados por Covid seguiram sendo tratados em casa, sem necessidade de ir para o hospital. “Isolamos o paciente, colocamos uma série de sinalizações na casa, entramos com as medicações, os cuidados estabelecidos nos protocolos.”

Após a confirmação do diagnóstico, também era enviado um cilindro de oxigênio, caso houvesse queda da saturação. “O paciente Covid piora muito rápido e é preciso ter recursos a mão.”

Também houve transferência de pacientes de Covid para hospitais terciários e de transição, quando a situação exigia mais cuidados, segundo Patrícia.

Para o cirurgião Raul Cutait, que teve Covid em março de 2020 e ficou quase um mês na UTI do Sírio-Libanês, os serviços de home care têm tido um papel muito importante durante a pandemia no sentido de dar suporte aos hospitais.

Ele, por exemplo, utilizou o atendimento domiciliar para receber antibiótico endovenoso antes da internação.

“Estamos vivendo um momento dramático. Ou os pacientes conseguem ir para um hospital ou não têm nenhum tipo de assistência. Muitos não precisam ser internados, mas necessitam de assistência, de apoio.”

Para ele, o atendimento pré-hospitalar deveria ser estimulado especialmente enquanto há escassez de vagas.

HOSPITAIS DE TRANSIÇÃO REABILITAM PACIENTES COVID

Outros serviços que ganharam destaque durante a pandemia foram os hospitais de transição, instituições destinadas aos pacientes dependentes de cuidados médicos complexos, mas que não precisam estar em um hospital geral.

Nelas, o paciente recebe cuidado multidisciplinar e pode completar o período de convalescença e recuperação antes de voltar para casa.

Após ser diagnosticado com Covid em maio do ano passado, o economista Pedro Cipollari, 84, iniciou o tratamento em casa com home care. “Trouxeram oxigênio, oxímetro, as medicações. Mas chegou um momento em que o meu pai teve baixa de oxigênio e a equipe achou por bem transferi-lo para o hospital de transição”, conta o administrador Pedro Cipollari Filho.

Com várias comorbidades e dificuldade de locomoção, o economista ficou 40 dias internado, com uso de oxigênio e tratamento fisioterápico intensivo, especialmente o pulmonar, além de medicação na veia.

Também precisou de uma sonda gástrica para se alimentar. Agora, está em casa sob assistência de cuidadores. “Foi muito melhor do que estar num hospital tradicional ou em home care. Tinha tudo ali, médico 24 horas, exames e fisioterapia. E não havia restrição de acesso a ele. Claro, a gente usou todo o aparato de segurança, como dois aventais, luvas, máscara”, diz o filho.

Segundo o médico Fábio Ajimura, diretor estratégico da Rede Relief, que possui dois hospitais de transição, a pandemia tem mostrado a necessidade de suporte para o paciente pós-Covid que ainda não está tão pronto para ir para casa, por exemplo, aquele que precisa de diálise porque teve comprometimento dos rins.

Doentes que estiveram internados na UTI também vão precisar de reabilitação. Muitos apresentam sequelas neurológicas, fraqueza muscular. “O foco dos hospitais gerais é o paciente agudo, cirúrgico, não é papel dele manter a longa permanência e a reabilitação.”

Se antes o hospital de transição recebia essencialmente o doente liberado do hospital, mas sem condições de voltar para casa, agora, com a Covid, ele passou a atender também pessoas que nem chegam a se internar em um hospital de alta complexidade.

“Aqui temos cateter de oxigênio, antibioticoterapia, fisioterapia respiratória. O paciente pode se estabilizar e voltar para casa. Mas há casos em que a pessoa vai precisar de um hospital mais especializado e ela será transferida.”

O hospital de transição tem estrutura para situações críticas, como equipamento para reverter parada cardíaca e ventilador mecânico. Ou seja, um aparato que consegue manter o paciente até conseguir uma vaga de UTI.

“Mas uma coisa é manter um ou outro paciente até conseguir a vaga. O problema é que, com as UTIs lotadas, essas estruturas de suporte menores podem ficar sobrecarregadas também.”

Para Ajimura, é importante entender qual o papel dessas unidades dentro da cadeia de saúde. Um paciente instável e agudo, por exemplo, não deve permanecer nessas instituições.

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Protestos no Paraguai pedem saída de presidente por má gestão da pandemia

Assunção tem nesta sexta (5) uma noite de confrontos nas ruas entre policiais e manifestantes, que pedem a saída do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, por conta da má gestão da pandemia.

O país vive seu pior momento da crise sanitária, com falta de insumos em hospitais, recorde de novos casos de Covid e vacinação lenta.

Manifestante sobe em carro durante protesto em Assunção – Cesar Olmedo/Reuters

Durante o dia, houve protestos em Ciudad del Este e em Assunção. O ato na capital, perto do Congresso, começou por volta das 18h (a mesma de Brasília). A confusão teve início perto das 20h, quando policiais começaram a reprimir os manifestantes.

Forças de segurança dispararam balas de borracha e bombas de gás em manifestantes que se reuniam perto do Congresso. Os ativistas derrubaram barreiras de segurança, construíram barricadas e tacaram pedras nos agentes.

O confronto se espalhou pelas ruas do centro da cidade e deixou mais de 20 feridos, entre manifestantes e policiais. Em alguns locais, os agentes agitaram panos brancos para pedir que os ativistas se acalmassem.

Após a confusão, parte dos manifestantes foi até a sede da Polícia Nacional exigir falar com o comandante da força, para saber quem deu a ordem para que os agentes os atacassem.

Os atos nas ruas ganharam força mesmo após a saída do ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, nesta sexta (5). Ele deixou o cargo após o Senado aprovar uma resolução que pedia seu afastamento. Sua gestão foi criticada por conta da falta de insumos nos hospitais, a demora na chegada de vacinas e por casos de corrupção que não foram punidos.

Segundo o governo paraguaio, há quase 300 pacientes de Covid em UTIs. Até quinta, o país somava 164 mil casos da doença e 3.256 mortes desde o começo da crise sanitária.

Nos últimos dias, a média de casos ficou em 115 a cada 100 mil pessoas. O país vacinou menos de 0,1% da população, de cerca de 7 milhões de habitantes.

O presidente Abdo Benítez tomou posse em 2018. Um ano depois, ele escapou de um processo de impeachment, motivado pela revelação de um acordo secreto entre Brasil e Paraguai sobre a energia gerada em Itaipu, que foi considerado prejudicial aos paraguaios. O termo acabou sendo cancelado.

Abdo, 49, integra o Partido Colorado, legenda que governa o país de forma quase ininterrupta desde os anos 1940, inclusive durante a ditadura de Alfredo Stroessner, que governou de 1954 a 1989.

Os protestos atuais estão sendo chamados de Março Paraguaio 2021. Em 2017, neste mesmo mês, manifestantes incendiaram o Congresso, em meio a um protesto contra a aprovação da reeleição presidencial.

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Brasileiro é povo que mais sente solidão na pandemia, aponta ranking

Os brasileiros são o povo que mais se sente solitário, de acordo com os resultados de uma pesquisa que ouviu 23 mil pessoas de 28 países.

Segundo o levantamento, realizado entre 23 de dezembro do ano passado e 8 de janeiro deste ano, 50% das mil pessoas entrevistadas no Brasil disseram sentir solidão “muitas vezes”, “frequentemente” ou “sempre”.

O percentual é o maior entre todas as populações ouvidas pela pesquisa, feita pelo instituto Ipsos. Em segundo lugar vieram os turcos, com 46%, seguido pelos indianos (43%) e pelos sauditas (43%).

Na outra ponta do ranking, os holandeses são o povo que menos sofre de solidão (15%), seguidos pelos japoneses (16%) e poloneses (23%).

Além disso, 52% dos participantes da pesquisa no Brasil afirmaram que esse sentimento de solidão cresceu nos últimos seis meses – 21% disseram que o último semestre deve impactar em sua saúde mental no futuro.

Para Marcos Calliari, presidente da Ipsos no Brasil, os efeitos da pandemia de Covid-19, que já matou 259,2 mil pessoas no país até esta quarta-feira (3), foram preponderantes para aumentar o sentimento de solidão da população brasileira.

“O brasileiro sofreu demais na pandemia. Os números assustadores de contágio e de mortes, um dos piores índices do mundo, e o longo período de quarentena, ajudam a explicar esse sentimento”, explica.

“Houve também muita turbulência em relação às informações e procedimentos sobre a pandemia. As pessoas ficaram e estão muito confusas e tristes sobre isso”, acrescenta Calliari.

O analista cita outro ponto que pode ter influenciado o resultado no Brasil: o período de festas de fim de ano, momento em que parte da pesquisa foi realizada.

“O brasileiro é um povo bastante gregário. Gosta de estar com a família no Natal e no Ano-Novo. Como vivemos um período de distanciamento social, muita gente se sentiu sozinha nesse período”, afirma Calliari.

Para ele, o futuro próximo também não deve mudar os índices.

“Vivemos o pior momento da pandemia. E a tendência é que o sentimento de solidão aumente e, somado à ansiedade e tristeza, isso pode causar problemas sérios de saúde mental no futuro”, diz.

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Por que algumas pessoas cumprem isolamento e outras não?

foto: Hugo Costa

A família que insiste em passear na gameleira. A amiga que tem promovido festas escondidas. A vizinha que sai de hora em hora para ir ao mercado ou à feira. Pesquisa recente comprova que esses perfis, aparentemente opostos, podem ter elementos em comuns que ajudem a explicar porque algumas pessoas não cumprem o isolamento social, medida para combater a pandemia de coronavírus.

Jéssica Farias, estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB) constatou que renda, status profissional e posição política são fatores fundamentais e que fazem um indivíduo decidir sair às ruas, mesmo sem nenhuma necessidade.

A doutorando ouviu 2.056 entrevistados de 25 unidades da Federação, com idades entre 18 e 88 anos, das cinco regiões do país. A constatação principal é que estudantes, pessoas de baixa renda, com posicionamento político de direita e desempregados são mais propensos a furar a quarentena.

Para o psiquiatra Luan Marques, o não cumprimento do isolamento também pode ser explicado pelo viés psicológico. Muitas pessoas estão passando, atualmente, pela fase da negação. Nesse grupo, é normal atitudes como defender que notícias verídicas são fake ou desacreditar no número de vítimas ou mortos por Covid-19, que segue em curva crescente.

foto: Hugo Costa

Para o psiquiatra, os obstáculos enfrentados para o cumprimento das medidas se relacionam basicamente aos desafios que o próprio isolamento traz. “Os brasileiros, em sua maioria, têm como característica a relação próxima com o outro, o contato, o abraço e o que parecia ser fácil, revelou-se uma tarefa muito difícil”, argumenta.

Ele pontua que a informalidade e os medos advindos dos riscos econômicos do isolamento pressionaram para que a camada mais vulnerável da população continuasse muitas atividades. “Uma boa política que garanta renda para essa população contribuiria no manejo desses medos”, defende.

Ansiedade

Outra questão importante a se levar em conta é a ansiedade. Em 2019, o Brasil foi apontado pela OMS como o país mais ansioso do mundo. Esse sentimento relaciona-se a medos de incertezas e, de acordo com o especialista, “pode contribuir para uma maior desconfiança das medidas mais rígidas e facilitar seu descumprimento.”

Independemente do perfil, ele orienta, a quem ainda cogita furar o isolamento sem necessidade, fugir de atitudes impulsivas. É hora de agir com maturidade.

Mas, e quando quem descumpre a regra são os idosos? “Quanto mais velhos, mais dificuldade temos de modificar um comportamento. Por isso, observo forte resistência enfrentada em convencer alguns idosos, o grupo mais vulnerável, a tomarem parte das medidas de isolamento social”, diz.

“Nunca foi tão necessário um movimento de consciência coletiva. Temos que respeitar e ajudar o outros nas barreiras que o dificultam de se manter em isolamento, que é a medida mais eficaz apontada pela ciência para conter o colapso do serviço de saúde e evitar mortes”, finaliza.

com informações do Metrópoles

Varejo deve continuar fraco neste início de ano com corrosão na renda das famílias

As vendas no varejo devem continuar fracas neste início de ano com a corrosão na renda das famílias provocadas pela alta da inflação e pelo fim do auxílio emergencial. Mesmo que o benefício assistencial seja renovado, a expectativa é que seja um programa mais restrito.

Pesam também o ritmo do programa de vacinação e o recrudescimento da pandemia e das medidas de distanciamento social, voluntárias ou não.

Entre economistas, há a avaliação de que o aumento do crédito, o desembolso de parte do dinheiro poupado durante a pandemia e o avanço do programa de imunização possam amenizar esse cenário negativo.

Loja na rua 25 de março, região central de São Paulo – Rivaldo Gomes – 2.dez.2020/Folhapress

O varejo brasileiro terminou 2020 com crescimento de 1,2% nas vendas, mesmo com o impacto da Covid-19, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quarta-feira (10).

O dado, no entanto, veio abaixo da expectativa do mercado, que esperava que o setor encerrasse o ano com alta de 5,5%, segundo analistas ouvidos pela Bloomberg. O crescimento observado também foi o mais fraco nos últimos quatro anos.

Apenas em dezembro o recuo foi de 6,1%, em pleno mês de festas.

Reportagem do jornal Folha do último sábado (6) mostrou que indicadores econômicos já apontam para uma queda da atividade em janeiro. O índice de vendas no varejo amplo da Getnet, por exemplo, indicou queda de 10,9% em relação a dezembro.

“A gente prevê um início de ano mais fraco em termos de atividade econômica. Isso intensifica e fortalece a nossa visão de um primeiro trimestre com retração do PIB. Se em dezembro o varejo teve esse desempenho muito ruim, imaginamos que o início de ano seja mais difícil”, afirma a economista Luana Miranda, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

“Com inflação mais alta e sem auxílio, que no ano passado distribuiu R$ 295 bilhões, esse ano terá uma queda real grande da renda, e isso deve acontecer ao longo do primeiro trimestre na ausência de continuidade do benefício.”

Écio Costa, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), afirma que o resultado eleva a pressão pela volta do auxílio.

“Ainda mais com a pandemia ainda em alta, 1.000 mortes por dia, e o setor de serviços sem contratar. Tudo bem recolocar o auxílio, mas vai trazer impactos fiscais, tornando o problema mais elevado se não tiver as reformas que estamos esperando para reduzir gastos. Isso pode virar uma bomba e fazer com que a [taxa básica] Selic suba além dos 3,5% esperados”, afirma.

Lisandra Barbero, economista da XP, diz que a perda de ímpeto no mês pode ser justificada pela antecipação do consumo de bens semiduráveis e duráveis durante a pandemia, que reduziu as compras típicas de final de ano. A redução do auxílio emergencial também ajudou a explicar essa dinâmica.

“Para 2021, entendemos que o setor deve continuar perdendo fôlego, em meio à alta da inflação de alimentos e principalmente à redução dos incentivos fiscais. No entanto, sinais de aumento da poupança circunstancial por parte das famílias mais ricas e condições de crédito positivas podem ajudar a preencher parcialmente essa lacuna.”

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, afirma que a variação trimestral das vendas no varejo é uma boa antecipação do consumo das famílias no PIB, o que sugere consumo extremamente frágil no quarto trimestre de 2020.

“O sinal que as vendas no varejo dá é desanimador, principalmente dado que as transferências de renda do programa emergencial acabaram na virada do ano”, diz.

“A pressão para a volta de algum programa emergencial de transferência de renda vai se tornar insuportável. Melhor seria uma mudança minimamente organizada, a partir de uma postura crível do governo, ou melhor, do Ministério da Economia.”

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, o dado mais fraco de dezembro aumenta as incertezas com relação aos próximos passos das políticas fiscal e monetária, com a pressão maior pela volta do auxílio e um consequente receio pelo risco de elevação da inflação.

“De um lado, a fraqueza das vendas sugere que o nível de ociosidade deve seguir alto por algum tempo. Com isso, a demanda pressionaria pouco a inflação, sugerindo a manutenção dos juros em patamar ainda baixo até março”, afirma.

“Por outro lado, caso os setores de varejo e serviços tenham sua trajetória de recuperação comprometida, o impacto no desemprego trará uma pressão política ainda maior pela extensão do auxílio emergencial. Nesse caso, o maior risco fiscal e a elevação do dólar trariam uma nova rodada de repasses inflacionários para os bens comercializáveis, como alimentos, de forma similar ao que aconteceu no ano passado, possivelmente prescrevendo uma elevação dos juros pelo Banco Central.”

João Leal, da Rio Bravo Investimentos, também vê uma pressão maior pelo auxílio. “Um consumo menor do que o esperado em dezembro deve pressionar mais ainda o Congresso e governo. Está virando realidade, pois a retirada do auxílio teve impacto relevante na piora do varejo em dezembro”, afirma.

Para a equipe do economista José Márcio Camargo, da Genial Investimentos, o resultado de dezembro bem abaixo das expectativas corrobora as preocupações com os dois vetores de baixa para o setor no primeiro trimestre deste ano, o choque na inflação de alimentos, prejudicando o setor de hiper/supermercados, e o fim do auxílio emergencial e a perspectiva de um programa de transferência de renda bem mais tímido este ano.

Levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra recuo do índice de confiança do empresário industrial nos meses de janeiro e fevereiro deste ano.

“A percepção do estado atual da economia brasileira e das empresas é de melhora na comparação com os últimos seis meses, mas essa visão já foi mais forte e disseminada entre os empresários. É um indicador para ser acompanhando, pois o otimismo é importante para estimular a produção, o investimento e a geração de empregos. Esses fatores são fundamentais para a continuidade da recuperação econômica”, afirma o gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo.

Em janeiro, também houve queda nos índices de confiança de consumidores e do comércio medidos pela Fundação Getulio Vargas.

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Não há evidência de que mercado de Wuhan foi epicentro da pandemia, diz OMS

Não há informação suficiente para estabelecer que o epicentro da pandemia de Covid-19 tenha sido o mercado de frutos do mar de Huanan, local do primeiro grupo conhecido de infecções na cidade chinesa de Wuhan, afrimou nesta terça (9) a comissão comandada pela OMS (Oganização Mundial da Saúde) para pesquisar a origem do Sars-Cov-2.

A equipe, que reúne cerca de 40 cientistas, chegou em 14 de janeiro à cidade de Wuhan, onde o coronavírus foi identificado pela primeira vez, no final de 2019. Depois de duas semanas de quarentena, visitou o mercado de Huanan, entre outros locais, e reuniu-se com especialistas do Instituto de Virologia de Wuhan, que pesquisa o novo coronavírus.

De acordo com o presidente da equipe de investigação, Ben Embarek, a possibilidade de que o mercado de Huanan fosse o epicentro da pandemia surgiu porque os primeiros casos de pneumonia de causa desconhecida estavam relacionados ao local. Pesquisas posteriores, porém, mostraram presença do Sars-Cov-2 em outros mercados e em pessoas sem conexões com esses locais.

O primeiro contagio relatado no mercado ocorreu em 12 de dezembro de 2019, mas estudos posteriores mostraram casos comprovados em 8 de dezembro, em pacientes sem ligação com o local, disse Liang Wannian, chefe do painel de especialistas Covid-19 na Comissão Nacional de Saúde da China.

Embarek, que é especialista em segurança alimentar e doenças animais da OMS, disse que a investigação na China mostrou que a hipótese de que o vírus tivesse “vazado” de um laboratório é “extremamente improvável”. Segundo ele, visitas a laboratórios em Wuhan e discussões com cientistas locais mostraram que o Sars-Cov-2 não estava sendo estudado na cidade, portanto não teria como ter “escapado”.

Já a versão de que o patógeno teria sido produzido em laboratório e depois disseminado já foi refutada pela comunidade científica internacional, de acordo com Liang.

3 HIPÓTESES PARA A ORIGEM

A comissão ainda investiga três hipóteses para a origem da pandemia: 1) a transmissão direta de uma espécie animal silvestre para um humano; 2) a introdução do vírus em uma espécie intermediária, mais próxima dos humanos, no qual o patógeno circulou antes de ser transmitido aos homens e 3) a presença do patógeno em alimentos, principalmente congelados.

A equipe tentou especificar um hospedeiro animal original para o coronavírus, mas não encontrou evidências definitivas. Embora morcegos e pangolins sejam apontadas como possíveis fontes, as linhagens já sequenciadas nesses animais não são suficientemente similares ao patógeno para garantir essa associação, afirmou Liang.

Ben Embarek afirmou que embora pesquisas apontem para um reservatório natural em morcegos, é improvável que eles tenham sido fonte primordial de contágio em Wuhan.

Além disso, a alta suscetibilidade de visons e gatos ao coronavírus indica que outras espécies também possam ser reservatórios do vírus que se disseminou depois na pandemia. Cientistas chineses testaram mais de 40 mil amostras de sangue de animais como porcos, vacas, cabras, patos e galinhas, e nenhum deles deu positivo para o Sars-Cov-2, porém.

Segundo a virologista holandesa Marion Koopmans, também integrante da equipe, rastreamento extensivo de todos os animais e produtos no mercado de Huanan identificou espécies suscetíveis ao contágio, como coelhos, mas os testes não revelaram contaminação nos animais.

Também foram realizados testes para anticorpos em 1.914 amostras de sangue de 35 espécies silvestres do entorno de Wuhan de novembro de 2019 a março de 2020, todos com resultado negativo. Após a disseminação da pandemia, outras 50 mil amostras de mais de 100 espécies animais foram testadas em Wuhan, na província de Hubei e em províncias próximas, mas o Sars-Cov-2 não foi encontrado em nenhuma delas.

SEM SINAIS ANTES DE DEZEMBRO

A comissão afirmou que não é possível estabelecer a contaminação de humanos pelo Sars-Cov-2 antes do final de novembro de 2019.

De acordo com Liang, sequenciamentos mostram que o Sars-Cov-2 estava circulando algumas semanas antes que os casos começassem a ser relatados em Wuhan, mas a revisão de dados e amostras de hospitais, bancos de sangue e centros de vigilância sanitária da região não encontraram presença do patógeno em humanos até meados de novembro.

O chefe do painel de especialistas chinês afirmou que a revisão dos dados de mortes por pneumonia, tanto em Wuhan quanto na província de Hubei, de junho a dezembro de 2019, não mostram evidência de transmissão do Sars-Cov-2 na população antes de dezembro.

Na semana passada, um dos membros da equipe, o especialista em doenças infecciosas Dominic Dwyer, disse que seriam necessários anos para entender completamente as origens da Covid-19.

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O repique da pandemia de covid-19 no Brasil sob análise

Depois de períodos de estabilidade e queda no contágio, os dados de casos diários e internações pela covid-19 voltaram a preocupar em cidades do Brasil em novembro. Boletim de quarta-feira (18) do consórcio de veículos de imprensa mostra tendência de alta na média móvel de mortes e casos no país na semana atual em relação aos 15 dias anteriores. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, houve salto na ocupação de hospitais por pessoas infectadas.

5.945.849

é o número de infectados pela covid-19 em todo o Brasil até quarta-feira (18), segundo o Ministério da Saúde

167.455

é o número de mortos em decorrência da doença no país até a mesma data

O otimismo com o cenário de estabilidade e com a divulgação dos resultados positivos de testes de vacinas levaram a população a relaxar o isolamento e outras medidas de prevenção, como uso correto de máscaras, o que é apontado por especialistas como a principal causa do crescimento de internações pela doença.

Informações desencontradas e recomendações sem comprovação científica, como a publicada pelo Ministério da Saúde na tarde de quarta-feira (18), que encoraja a população que não é parte do grupo de risco a seguir a vida normalmente, dificultam o combate ao vírus.

Na terça-feira (17), puxado por regiões que vivem uma segunda onda da covid-19 como Estados Unidos e Europa, o mundo bateu recorde diário de mortes pela doença, com 11.099 óbitos registrados em 24 horas. No total, já são mais de 1,3 milhão de vítimas.

Diante do aumento nos dados da doença no Brasil, o Jornal Nexo conversou com dois especialistas sobre a evolução da pandemia no país e as recomendações mais adequadas para o momento atual. São eles:

Carolina Coutinho é epidemiologista e pesquisadora na Eaesp-FGV
Plinio Trabasso é médico infectologista, professor associado da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e coordenador de Assistência do Hospital de Clínicas da Unicamp


Os números da pandemia no Brasil estão em alta? Por quê?


CAROLINA COUTINHO Levando em consideração que essa é uma doença transmissível de pessoa a pessoa, o ideal é que a gente olhe o país como um todo para fazer uma análise geral, mas para entendermos a dinâmica da epidemia, temos que olhar para recortes menores. Assim, vemos que há municípios com estabilidade e outros municípios que começaram a apresentar tendência de alta.

Estamos desde março, há oito meses, em quarentena. As medidas de relaxamento foram sendo implementadas com mais intensidade nas últimas semanas. Isso significou liberar restaurantes, bares: locais onde as pessoas se aglomeram. Pessoas que vinham desde o início da pandemia mantendo o isolamento agora começaram a circular um pouco mais na cidade, especialmente a classe média que trabalha remotamente e que não precisaria sair e as classes altas, que têm o privilégio de manter um isolamento mais adequado. Nas últimas semanas, eles voltaram a circular pela cidade, para frequentar esses espaços que foram liberados, e começaram a encontrar outras pessoas e essas pessoas que antes estavam protegidas da contaminação, estão circulando, se expondo e estão se infectando.

Houve também a reabertura das escolas em alguns municípios, o aumento do volume de pessoas que frequentam o transporte coletivo, os bares e os restaurantes. Uma outra questão é em relação às medidas de prevenção que não estão sendo idealmente cumpridas.

PLINIO TRABASSO Alguns especialistas falam em segunda onda, outros dizem que a primeira não acabou ainda, então é apenas uma continuidade do que já vinha acontecendo. De qualquer forma, trata-se de uma consequência da liberalização do confinamento associada à não observância por boa parte da população das medidas de distanciamento social e, principalmente, uso de medidas protetivas, como a máscara facial e a higienização das mãos.

Há muitos relatos de festas e outros encontros familiares, então, nessas circunstâncias, é comum as pessoas deixarem de lado ou serem menos rigorosas com as medidas protetivas. Abraçam-se, ficam perto umas das outras, enfim, são atitudes que facilitam a transmissão do vírus.

Em quais regiões a aceleração da covid-19 inspira mais preocupação?


CAROLINA COUTINHO Na semana passada, houve um problema muito grave com o site oficial do Ministério da Saúde. Um ataque hacker deixou o site fora do ar por um tempo, então as notificações não puderam ser feitas. Acreditamos que esses dados que temos agora após a restauração do sistema podem estar vindo com algum atraso. Até normalizar essas notificações, pode ter acontecido algum represamento de dados, que é o que vamos ver nas próximas semanas.

Mas o InfoGripe divulgou um novo boletim na terça-feira (17) e avaliou as capitais do Brasil em relação aos números de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Vemos algumas capitais apresentarem tendência de alta no longo prazo. São elas: Belo Horizonte, Florianópolis, João Pessoa, Natal, Rio Branco, São Luís e Vitória, além da região central do Distrito Federal. Goiânia e Palmas apresentaram tendência de alta também no curto prazo. São Paulo teve tendência de alta nas semanas anteriores, mas acreditamos que os dados tenham sido muito afetados por essa interrupção do sistema.

Nesse último boletim, a cidade apresentou tendência de estabilidade, mas, como já vinha apresentando tendência de alta antes, vamos verificar nos próximos boletins se isso é uma oscilação inclusive em função desse represamento de dados. Porto Alegre chama atenção por uma possível interrupção na tendência de queda, que foi um pouco o mesmo que aconteceu com São Paulo. Em Manaus, tivemos alta em agosto, mas aparentemente agora há um sinal moderado de queda. Belém, Fortaleza, Maceió e Macapá, que estavam com sinal de alta nos boletins anteriores, agora estão apresentando sinal de estabilização.

É importante pensar que estabilização não é queda, não é uma coisa boa, porque se está em um patamar alto, estabilizar no alto é ruim. O Rio de Janeiro, que vinha numa linha de queda nas semanas anteriores, voltou a estabilizar.

PLINIO TRABASSO Sempre nas mais vulneráveis tanto do ponto de vista socioeconômico quanto de acesso aos aparelhos públicos de saúde (UBSs, Centros de Saúde, hospitais). Nessas regiões, com moradias pequenas e com muitas pessoas convivendo no mesmo espaço, é muito difícil manter distanciamento social.

Além disso, normalmente nessas áreas, moram os trabalhadores que não param, não têm oportunidade de trabalho remoto… São os entregadores de delivery de comida, os empregados de comércio varejista, empregados domésticos.

Os governos devem adotar quarentenas mais rígidas?


CAROLINA COUTINHO Cada município precisa olhar melhor para sua rede de saúde para ver como essa pequena tendência de alta demanda leitos, para conseguir estruturar melhor e pensar quais as medidas para cada um dos locais. Num local muito pequeno que estabilizou em um nível alto, se a gente tem agora uma pequena alta, já é capaz de colapsar o sistema de saúde e de não ter mais leitos para internar as pessoas quando for necessário.

Precisamos sempre pensar que, com o aumento das pessoas circulando nas ruas, além da covid-19 a gente também tem a chance de outros problemas que vão demandar leitos de UTI. Se na quarentena a gente diminuiu muito a circulação de pessoas e de carros na rua, agora estamos aumentando. Se tivemos redução de acidentes de trânsito, agora a gente vai começar a observar acidentes de trânsito novamente.

É ideal que cada município tenha um comitê de crise formado por especialistas que tenham capacidade de analisar esses dados localmente para pensar quais as melhores medidas que devem ser tomadas. Talvez em alguns locais seja de fato ideal regredir um pouco no relaxamento da quarentena para diminuir a circulação de pessoas nas ruas. Ou aumentar a campanha de comunicação de risco. Essas campanhas ensinam as pessoas a agir e a se portar em cada uma das situações que elas possam enfrentar durante a pandemia. Por exemplo, ir ao trabalho. Eu preciso ir trabalhar, o que devo fazer pra me proteger no caminho ao trabalho?

PLINIO TRABASSO Os dados ainda não apontam para isso, mas é possível que sim, em breve.

Quais cuidados e ações as pessoas devem tomar neste momento?


CAROLINA COUTINHO É responsabilidade dos gestores e dos governos municipal, estadual e federal reforçar a comunicação de risco com a população, informar à população quais são as medidas de prevenção específicas para cada uma das situações nas quais o indivíduo tenha que se expor. Precisamos reforçar as medidas que todo mundo já sabe, que é lavar as mãos, usar a máscara adequadamente, quais as máscaras que são adequadas (como a moda da máscara de tricô, que ficou famosa inclusive entre atores globais: é uma máscara bonitinha, mas que não protege absolutamente nada), a frequência com que devemos trocar a máscara. Nesse momento da pandemia, ela não é só um equipamento de proteção individual, mas um equipamento de proteção coletiva, porque quando a gente usa a máscara, a gente se protege e protege também os outros.

Com as comemorações de fim de ano precisamos retomar as campanhas de conscientização para que as pessoas não frequentem e não promovam festas com muitas pessoas, em local fechado. Como você tem que fazer? Você vai comemorar com a sua família, qual a forma mais adequada de fazer isso? Em um lugar aberto, com poucas pessoas, com espaçamento, todos de máscara, disponibilidade de álcool gel, lugar para as pessoas lavarem as mãos frequentemente, inclusive até indicações de menu, não fazer o famoso bufê.

Observar se as medidas de proteção estão sendo cumpridas em seu ambiente de trabalho, no supermercado, reforçar a necessidade dessas medidas a amigos e colegas. E também o essencial, que é ter a responsabilidade social para entender o seu papel. Se apresentar sintomas leves, se isole.

PLINIO TRABASSO Não deixar de lado e ser muito rigoroso na adoção das medidas de interrupção da cadeia de transmissão: higiene das mãos com álcool gel ou água e sabão, etiqueta respiratória, não promover ou participar de aglomerações, manter distanciamento social, utilização correta da máscara (sobre o nariz e a boca). É facilmente possível encontrar pessoas com a máscara sem cobrir o nariz, por exemplo.

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O efeito da pandemia na saúde mental de adolescentes

A pandemia de covid-19 pode produzir efeitos negativos na saúde mental de pessoas de todas as idades. Para os adolescentes, no entanto, o impacto das restrições e privações do período de isolamento social tende a ser ainda maior em relação a outros grupos.

Para eles, circunstâncias como o fechamento das escolas, o confinamento com a família e a impossibilidade de encontrar amigos e colegas são as principais fontes dessas dificuldades e causam um impacto emocional específico em função das necessidades próprias ao bem-estar e ao desenvolvimento nessa fase da vida.

Assim como a pandemia representa um hiato no desenvolvimento cognitivo e no aprendizado de crianças, também “atrasa” experiências importantes para a formação emocional, sexual e social dos adolescentes.

Embora ainda não haja uma estimativa precisa do aumento, profissionais de saúde e pesquisadores da área sinalizam que os casos de depressão, ansiedade e suicídio nessa faixa etária tem crescido durante a pandemia.

Especialistas no tema avaliam que a carga se intensifica em relação aos jovens que já lidavam com transtornos mentais e outros problemas de saúde, que enfrentam condições socioeconômicas desfavoráveis e conflitos familiares.

Como estão os adolescentes na pandemia


Estudos indicam que a pressão emocional sobre os jovens vem crescendo desde o início da pandemia.

Segundo uma pesquisa realizada pela YoungMinds, organização do Reino Unido voltada à saúde mental de crianças e jovens, 81% dos jovens viram sua saúde mental piorar (um pouco ou muito) durante a pandemia.

Participaram cerca de dois mil jovens ingleses que já haviam buscado algum tipo de apoio psicológico na vida – 79% dos respondentes tinham entre 13 e 19 anos, e o restante de 20 a 25 anos.

No Brasil, a pesquisa nacional “Educação não presencial na perspectiva dos alunos e famílias” vem acompanhando mais de mil crianças e jovens do ensino público por meio de entrevistas feitas por telefone com seus pais e responsáveis durante a pandemia. Ela é feita pelo instituto Datafolha, em parceria com a Fundação Lemann, o Itaú Social e a Imaginable Futures.

Em sua terceira fase, que coletou dados em julho, a pesquisa detectou um aumento na porcentagem de jovens que sentem falta de motivação, dificuldade de manter rotina, além de tristeza, ansiedade e irritação em relação a maio, quando foi conduzida a primeira etapa da pesquisa.

Outras pesquisas nacionais ainda em andamento tentam dar a dimensão do impacto da pandemia entre os jovens. É o caso da ConVid Adolescentes, realizada pela Fiocruz em parceria com a UFMG e a Unicamp, que pretende verificar como a pandemia de covid-19 está afetando a vida dos adolescentes de 12 a 17 anos.

Há também o estudo Jovens na Pandemia, do Instituto de Psiquiatria da USP, que busca monitorar a saúde mental de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos no país. Ambos ainda estão abertos à participação das famílias e podem ser respondidos pela internet.

Por que adolescentes podem sentir mais


Há razões hormonais e psíquicas para a maneira como a experiência do isolamento social afeta os adolescentes, afirmou ao Jornal Nexo Sabine Pompeia, professora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp.

Entre os fatores que os tornam mais vulneráveis, segundo ela, está o fato de que eles são mais sensível ao estresse, apresentando uma resposta mais exacerbada a ele em relação aos adultos. Uma situação de estresse, ainda mais quando prolongada, pode desencadear um desequilíbrio mental mais sério no caso deles.

Outro aspecto é que, devido a alterações hormonais e no funcionamento cerebral que ocorrem nesta fase, adolescentes já estão mais sujeitos ao surgimento de condições psiquiátricas como depressão, esquizofrenia e abuso de substâncias. “E, quando os transtornos começam nesta fase, tendem a ser mais graves ao longo da vida. Por isso é tão importante protegê-los quanto a isso, embora seja algo difícil neste momento”, disse a professora.

O que fazer para mitigar a situação

Para a professora da Unifesp Sabine Pompeia, as medidas tomadas para aliviar o problema dependem muito da situação socioeconômica dos jovens e das famílias.

Ela aponta alguns cuidados básicos que contribuem para uma melhora do bem-estar e da condição mental dos adolescentes: manter o sono regulado, encontrar uma maneira de fazer exercícios, ter alguma exposição direta à luz solar diariamente e seguir uma rotina são ações que parecem banais mas têm um efeito importante sobre o humor e a capacidade de concentração.

Do ponto de vista da relação com os pais ou da família que vive com os adolescentes, compreensão, paciência, diálogo sobre as emoções sentidas (por ambas as partes) são importantes.

“De forma geral, eles devem reconhecer os sinais de estresse dos filhos, validar o sofrimento e transmitir acolhimento e segurança”, disse ao jornal Estado de S. Paulo Guilherme Polanczyk, professor do Departamento de Psiquiatria da USP que está a frente do estudo Jovens na Pandemia.

Quando não for possível atenuar atenuar os efeitos sentidos pelos jovens, especialistas enfatizam a importância da identificação precoce dos sintomas de transtornos mentais – como irritabilidade, insônia, tristeza e agitação – pela família e o acesso a tratamentos adequados.

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