Trabalhadores no semafóro enfrentam sol, chuva e preconceito por parte dos motoristas
Pesquisa Pnad Contínua, do IBGE, mostra que quase 43% das pessoas ocupadas no Brasil durante o 3º trimestre de 2018 não tinha carteira assinada. Mercado informal foi principal responsável por aumento de 1,5% na taxa de ocupação durante o período.
O trabalho de carteira assinada e a estabilidade profissional é o desejo de grande parte das pessoas que buscam uma vaga de emprego. Mas, na contramão dessa tendência, não é difícil encontrar trabalhadores que deixaram seus antigos postos para investir no próprio negócio. Nas principais avenidas de Rio Branco, por exemplo, os semáforos estão repletos de trabalhadores que decidiram se reinventar e alçar outras metas para além do mercado formal nas empresas.
Foi o que fez o autônomo Gustavo Abílio, 39 anos. Há sete anos ele decidiu pedir demissão do emprego como vendedor de uma loja de móveis e eletrodomésticos da capital para comercializar água mineral em um semáforo na Avenida Ceará, Centro da cidade.
“A primeira vez que pisei aqui no cruzamento da Avenida Ceará com a Rua Osmar Sabino não tinha ninguém. Poucos dias depois voltei com água mineral para vender e não saí mais. E não pretendo”, diz.
Ele afirma que não compensava mais continuar no ramo de vendas, já que elas apresentavam quedas constantes a cada ano. O ambulante diz que já recusou várias ofertas de empregos com carteira assinada depois disso.
“Sempre as propostas oferecem um bom pagamento. Mas para ficar preso das 7h às 19h não vale a pena. Aqui faço meu horário, consigo trabalhar direito e lucro mais. Há um ano troquei a água mineral pela de coco e as vendas melhoraram ainda mais”.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), mostrou que quase 43% das 92,6 milhões de pessoas ocupadas no Brasil durante o 3º trimestre de 2018 não tinha carteira assinada. O percentual soma trabalhadores do setor público e privado sem registro, profissionais que atuam por conta própria sem CNPJ, trabalhadores domésticos sem carteira e empreendimentos familiares informais.
O pizzaiolo Erloilton Esteves, 42 anos, também passou pelo mesmo processo. Depois de trabalhar em diversos empreendimentos do ramo, ele decidiu não prestar mais serviços a terceiros e há três anos comercializa pizzas no cruzamento da Avenida Ceará com a Rua Osmar Sabino.
A decisão veio após ele considerar que o mercado formal não valoriza a profissão e a falta de vagas de trabalho. Hoje, ele diz que vende cerca de 30 pizzas diariamente no semáforo.
“Essa decisão mudou minha rotina. É com o dinheiro das vendas que consigo colocar comida na mesa e usar para outras coisas do dia a dia. A saída é boa, mas podia ser bem melhor caso os produtos usados para fazer as pizzas não estivessem tão caros. Querendo ou não, isso afeta no preço final. No início, vendia pizzas grandes. Mas como gastava muito e lucrava pouco parei de fazer e agora só vendo médias e pequenas. Mas, tem muita variedade aqui ”, enfatizou Esteves.
A Pnad Contínua mostra ainda que o percentual de 43% de pessoas sem carteira foi o maior já registrado desde que o levantamento começou a diferenciar os profissionais que atuam por conta própria com e sem CNPJ, em 2015. Apesar de a taxa de desemprego de 11,9% no terceiro trimestre de 2018, a pesquisa do IBGE revelou que a população ocupada do país avançou 1,5% com a entrada de 1,3 milhão de pessoas no mercado de trabalho, principalmente o informal.
Variedade e espaço
Abílio e Esteves dividem o espaço dos semáforos no cruzamento da Avenida Ceará com diversos outros ambulantes. Além das pizzas e água de coco, pães caseiros, banana frita, bolo de pote e água mineral são comercializados por outros ambulantes que atuam no local.
Gustavo Abílio conta que todos dividem o espaço harmoniosamente. Segundo ele, não há um consenso formal entre os vendedores para limitar quem pode comercializar e que tipos de produtos vender.
“Ninguém impõe regras ou limitações de espaço aqui. Todos convivem bem e cada um vende seu produto. Mas há um consenso geral entre todos nós. Se eu vendo água de coco, nenhuma outra pessoa traz o mesmo produto. Mas não porque isso é imposto, mas sim porque todos têm consciência de que não pode vender a mesma coisa que outra pessoa para não prejudicar o colega. É uma espécie de ajuda coletiva que todos prestam uns aos outros”, afirmou o ex-lojista.
Foi com esse compartilhamento de espaço que Tereza da Silva começou a comercializar pães caseiros há oitos meses no mesmo semáforo do cruzamento da Avenida Ceará com a Rua Osmar Sabino.
Ela relata que há 18 anos trabalha com a fabricação e venda do produto, mas nunca atuou em empreendimento de terceiros por não se sentir atraída pelas propostas. Antes de se fixar no semáforo, ela percorria os bairros da capital acreana levando os pães de casa em casa.
“Depois que resolvi ficar no sinal, as vendas aumentaram bastante. Quando passava nos bairros, vendia de 50 a 80 pães por dia. Agora, a saída é de 150 a 200 pães. É muito melhor aqui porque o fluxo de pessoas é bem maior e a procura também. Além desse semáforo, também vendo pão em um ponto fixo que montei aqui próximo e em outro semáforo na Rua Rio de Janeiro. É com essa renda que junto com meu esposo sustento minha família”, afirmou Tereza.
Expansão dos negócios e preconceito dos motoristas
Após se fixarem no semáforo, Gustavo Abílio e Tereza da Silva viram as vendas aumentarem a ponto de eles precisarem chamar outras pessoas para ajudar no trabalho. A padeira, por exemplo, conta hoje com cinco colaboradores, que ajudam ela nas vendas espalhados pelas principais avenidas de Rio Branco. “Não estava conseguindo mais dar conta sozinha porque cresceu muito. Aos poucos fui chamando mais pessoas. Eles são pagos por comissão”, falou ela.
Abílio também precisou chamar ajudante com o aumento nas vendas. Diariamente, eles vendem cerca de 100 garrafas de água de coco. Algo em comum que ele, Esteves e Tereza vivenciam além do espaço e rotina, é o preconceito de muitas pessoas.
“Quando eu passo pelos carros mostrando e oferecendo o produto, muitos ficam com medo achando que é assalto ou que sou pedinte. Mesmo estando aqui há três anos, ainda enfrento muito preconceito”, lembrou Abílio.
Tereza afirma que já foi destratada diversas vezes durante as vendas. “Existem muitas pessoas que valorizam nosso trabalho, são receptivas e compram, são bacanas. Mas várias vezes já fui tratada mal e sofri grosserias gratuitas”, relembrou.
O pizzaiolo Erloilton Esteves afirma que já aprendeu a lidar com a situação. “Preconceito sempre existe. Ficava um pouco triste, mas agora não deixo esse tipo de coisa me abater e continuo trabalhando honestamente”, finalizou ele.