A anulação das condenações de Lula e a importância de não comentar decisões jurídicas sem ler

Thalles Vinícius de Souza Sales

Com certeza a decisão do Ministro Edson Fachin, que anulou os processos e as consequentes condenações do ex-presidente Lula foi a decisão jurídica mais comentada dos últimos tempos. 

Apenas para relembrar, foram anulados os processos relativos ao tríplex do Guarujá, ao sítio de Atibaia, e mais dois envolvendo o Instituto Lula, em razão do reconhecimento da incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para apreciá-los, de modo que foram deslocados para a Justiça do Distrito Federal.

Juridicamente, não há o que discutir: a decisão do Ministro Fachin foi correta.

“Ah Thalles, você está falando isso porque deve ser esquerdista/comunista/petista”.

Não, gente. Eu LI a decisão do Ministro Edson Fachin (que tem quarenta e seis páginas, inclusive), coisa que muita gente da área jurídica não fez (para não dizer quase todos), e mesmo assim fica dando pitaco.

Para resumir, o Supremo Tribunal Federal, após o julgamento do Inquérito nº 4.130, restringiu o alcance da 13ª Vara Federal de Curitiba, isto é, deveriam ser julgados por essa vara somente os processos conexos aos atos de corrupção na Petrobras, o que não era o caso dos processos envolvendo o ex-presidente.

Por essa razão, o Ministro acompanhou o entendimento majoritário do STF, e, com base no artigo 192 do Regimento Interno da Corte, concedeu a ordem de Habeas Corpus de forma monocrática, quer dizer, sem submeter ao Plenário.

Juristas de peso como Lênio Streck e Aury Lopes Júnior defendem que a 13ª Vara Federal de Curitiba não é competente para julgar os processos de Lula desde o ano de 2014, e os seus advogados buscam esse reconhecimento desde 2016. Por qual motivo só foi reconhecida essa questão agora? Bom, isso é tema para outro artigo…

Pois bem. Sabem qual outra decisão, essa pouquíssimo comentada por algumas pessoas que hoje vociferam contra o STF, que também foi irretocável? A decisão do Superior Tribunal de Justiça que anulou a quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”. É, essa eu também li.

Seria mais fácil, em qualquer dos casos citados, eu apenas me basear pelos comentaristas que gosto, ou pelos veículos de imprensa que mais acompanho, para formar a minha opinião.

E por qual motivo não faço isso? Simples: responsabilidade.

Quem é formado em Direito, ou quem é advogado como eu, possui uma grande responsabilidade quando vai emitir opinião acerca de um tema ou decisão jurídica de grande repercussão. As pessoas que fazem parte de nossos círculos de amizade escutam o que dizemos e tomam aquilo como verdade.

Quando vejo colegas de profissão se alimentando pela boca de comentaristas que são verdadeiros desonestos intelectuais, que nem se atentam ao mérito do que foi decidido e criam as suas teorias da conspiração e seus argumentos ad hominem, quando vejo colegas repassando notícias falsas, distorcidas, sem qualquer tipo de pudor, fico bastante preocupado.

Não estou dizendo que essas decisões jurídicas não possam ser discutidas no campo político. Podem, e devem ser discutidas. Mas misturar as duas coisas é muito perigoso, e acaba por confundir as pessoas, até o ponto em que elas não vão mais acreditar na Justiça, no Ministério Público, e nem em nós advogados.

A guerra de narrativas quando acontece uma decisão jurídica de grande repercussão acaba por agravar a crise política. De igual modo, aumentam a polarização, e alimentam de ódio as redes sociais.

Então, caros colegas, ou a gente se dispõe a se inteirar das coisas, ler as decisões e ajudar as pessoas a compreender, ou então a gente fica calado, porque comentar decisão jurídica sem ler, por favor né?    

Advogado OAB/AC 3625