O repique da pandemia de covid-19 no Brasil sob análise

Depois de períodos de estabilidade e queda no contágio, os dados de casos diários e internações pela covid-19 voltaram a preocupar em cidades do Brasil em novembro. Boletim de quarta-feira (18) do consórcio de veículos de imprensa mostra tendência de alta na média móvel de mortes e casos no país na semana atual em relação aos 15 dias anteriores. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, houve salto na ocupação de hospitais por pessoas infectadas.

5.945.849

é o número de infectados pela covid-19 em todo o Brasil até quarta-feira (18), segundo o Ministério da Saúde

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é o número de mortos em decorrência da doença no país até a mesma data

O otimismo com o cenário de estabilidade e com a divulgação dos resultados positivos de testes de vacinas levaram a população a relaxar o isolamento e outras medidas de prevenção, como uso correto de máscaras, o que é apontado por especialistas como a principal causa do crescimento de internações pela doença.

Informações desencontradas e recomendações sem comprovação científica, como a publicada pelo Ministério da Saúde na tarde de quarta-feira (18), que encoraja a população que não é parte do grupo de risco a seguir a vida normalmente, dificultam o combate ao vírus.

Na terça-feira (17), puxado por regiões que vivem uma segunda onda da covid-19 como Estados Unidos e Europa, o mundo bateu recorde diário de mortes pela doença, com 11.099 óbitos registrados em 24 horas. No total, já são mais de 1,3 milhão de vítimas.

Diante do aumento nos dados da doença no Brasil, o Jornal Nexo conversou com dois especialistas sobre a evolução da pandemia no país e as recomendações mais adequadas para o momento atual. São eles:

Carolina Coutinho é epidemiologista e pesquisadora na Eaesp-FGV
Plinio Trabasso é médico infectologista, professor associado da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e coordenador de Assistência do Hospital de Clínicas da Unicamp


Os números da pandemia no Brasil estão em alta? Por quê?


CAROLINA COUTINHO Levando em consideração que essa é uma doença transmissível de pessoa a pessoa, o ideal é que a gente olhe o país como um todo para fazer uma análise geral, mas para entendermos a dinâmica da epidemia, temos que olhar para recortes menores. Assim, vemos que há municípios com estabilidade e outros municípios que começaram a apresentar tendência de alta.

Estamos desde março, há oito meses, em quarentena. As medidas de relaxamento foram sendo implementadas com mais intensidade nas últimas semanas. Isso significou liberar restaurantes, bares: locais onde as pessoas se aglomeram. Pessoas que vinham desde o início da pandemia mantendo o isolamento agora começaram a circular um pouco mais na cidade, especialmente a classe média que trabalha remotamente e que não precisaria sair e as classes altas, que têm o privilégio de manter um isolamento mais adequado. Nas últimas semanas, eles voltaram a circular pela cidade, para frequentar esses espaços que foram liberados, e começaram a encontrar outras pessoas e essas pessoas que antes estavam protegidas da contaminação, estão circulando, se expondo e estão se infectando.

Houve também a reabertura das escolas em alguns municípios, o aumento do volume de pessoas que frequentam o transporte coletivo, os bares e os restaurantes. Uma outra questão é em relação às medidas de prevenção que não estão sendo idealmente cumpridas.

PLINIO TRABASSO Alguns especialistas falam em segunda onda, outros dizem que a primeira não acabou ainda, então é apenas uma continuidade do que já vinha acontecendo. De qualquer forma, trata-se de uma consequência da liberalização do confinamento associada à não observância por boa parte da população das medidas de distanciamento social e, principalmente, uso de medidas protetivas, como a máscara facial e a higienização das mãos.

Há muitos relatos de festas e outros encontros familiares, então, nessas circunstâncias, é comum as pessoas deixarem de lado ou serem menos rigorosas com as medidas protetivas. Abraçam-se, ficam perto umas das outras, enfim, são atitudes que facilitam a transmissão do vírus.

Em quais regiões a aceleração da covid-19 inspira mais preocupação?


CAROLINA COUTINHO Na semana passada, houve um problema muito grave com o site oficial do Ministério da Saúde. Um ataque hacker deixou o site fora do ar por um tempo, então as notificações não puderam ser feitas. Acreditamos que esses dados que temos agora após a restauração do sistema podem estar vindo com algum atraso. Até normalizar essas notificações, pode ter acontecido algum represamento de dados, que é o que vamos ver nas próximas semanas.

Mas o InfoGripe divulgou um novo boletim na terça-feira (17) e avaliou as capitais do Brasil em relação aos números de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Vemos algumas capitais apresentarem tendência de alta no longo prazo. São elas: Belo Horizonte, Florianópolis, João Pessoa, Natal, Rio Branco, São Luís e Vitória, além da região central do Distrito Federal. Goiânia e Palmas apresentaram tendência de alta também no curto prazo. São Paulo teve tendência de alta nas semanas anteriores, mas acreditamos que os dados tenham sido muito afetados por essa interrupção do sistema.

Nesse último boletim, a cidade apresentou tendência de estabilidade, mas, como já vinha apresentando tendência de alta antes, vamos verificar nos próximos boletins se isso é uma oscilação inclusive em função desse represamento de dados. Porto Alegre chama atenção por uma possível interrupção na tendência de queda, que foi um pouco o mesmo que aconteceu com São Paulo. Em Manaus, tivemos alta em agosto, mas aparentemente agora há um sinal moderado de queda. Belém, Fortaleza, Maceió e Macapá, que estavam com sinal de alta nos boletins anteriores, agora estão apresentando sinal de estabilização.

É importante pensar que estabilização não é queda, não é uma coisa boa, porque se está em um patamar alto, estabilizar no alto é ruim. O Rio de Janeiro, que vinha numa linha de queda nas semanas anteriores, voltou a estabilizar.

PLINIO TRABASSO Sempre nas mais vulneráveis tanto do ponto de vista socioeconômico quanto de acesso aos aparelhos públicos de saúde (UBSs, Centros de Saúde, hospitais). Nessas regiões, com moradias pequenas e com muitas pessoas convivendo no mesmo espaço, é muito difícil manter distanciamento social.

Além disso, normalmente nessas áreas, moram os trabalhadores que não param, não têm oportunidade de trabalho remoto… São os entregadores de delivery de comida, os empregados de comércio varejista, empregados domésticos.

Os governos devem adotar quarentenas mais rígidas?


CAROLINA COUTINHO Cada município precisa olhar melhor para sua rede de saúde para ver como essa pequena tendência de alta demanda leitos, para conseguir estruturar melhor e pensar quais as medidas para cada um dos locais. Num local muito pequeno que estabilizou em um nível alto, se a gente tem agora uma pequena alta, já é capaz de colapsar o sistema de saúde e de não ter mais leitos para internar as pessoas quando for necessário.

Precisamos sempre pensar que, com o aumento das pessoas circulando nas ruas, além da covid-19 a gente também tem a chance de outros problemas que vão demandar leitos de UTI. Se na quarentena a gente diminuiu muito a circulação de pessoas e de carros na rua, agora estamos aumentando. Se tivemos redução de acidentes de trânsito, agora a gente vai começar a observar acidentes de trânsito novamente.

É ideal que cada município tenha um comitê de crise formado por especialistas que tenham capacidade de analisar esses dados localmente para pensar quais as melhores medidas que devem ser tomadas. Talvez em alguns locais seja de fato ideal regredir um pouco no relaxamento da quarentena para diminuir a circulação de pessoas nas ruas. Ou aumentar a campanha de comunicação de risco. Essas campanhas ensinam as pessoas a agir e a se portar em cada uma das situações que elas possam enfrentar durante a pandemia. Por exemplo, ir ao trabalho. Eu preciso ir trabalhar, o que devo fazer pra me proteger no caminho ao trabalho?

PLINIO TRABASSO Os dados ainda não apontam para isso, mas é possível que sim, em breve.

Quais cuidados e ações as pessoas devem tomar neste momento?


CAROLINA COUTINHO É responsabilidade dos gestores e dos governos municipal, estadual e federal reforçar a comunicação de risco com a população, informar à população quais são as medidas de prevenção específicas para cada uma das situações nas quais o indivíduo tenha que se expor. Precisamos reforçar as medidas que todo mundo já sabe, que é lavar as mãos, usar a máscara adequadamente, quais as máscaras que são adequadas (como a moda da máscara de tricô, que ficou famosa inclusive entre atores globais: é uma máscara bonitinha, mas que não protege absolutamente nada), a frequência com que devemos trocar a máscara. Nesse momento da pandemia, ela não é só um equipamento de proteção individual, mas um equipamento de proteção coletiva, porque quando a gente usa a máscara, a gente se protege e protege também os outros.

Com as comemorações de fim de ano precisamos retomar as campanhas de conscientização para que as pessoas não frequentem e não promovam festas com muitas pessoas, em local fechado. Como você tem que fazer? Você vai comemorar com a sua família, qual a forma mais adequada de fazer isso? Em um lugar aberto, com poucas pessoas, com espaçamento, todos de máscara, disponibilidade de álcool gel, lugar para as pessoas lavarem as mãos frequentemente, inclusive até indicações de menu, não fazer o famoso bufê.

Observar se as medidas de proteção estão sendo cumpridas em seu ambiente de trabalho, no supermercado, reforçar a necessidade dessas medidas a amigos e colegas. E também o essencial, que é ter a responsabilidade social para entender o seu papel. Se apresentar sintomas leves, se isole.

PLINIO TRABASSO Não deixar de lado e ser muito rigoroso na adoção das medidas de interrupção da cadeia de transmissão: higiene das mãos com álcool gel ou água e sabão, etiqueta respiratória, não promover ou participar de aglomerações, manter distanciamento social, utilização correta da máscara (sobre o nariz e a boca). É facilmente possível encontrar pessoas com a máscara sem cobrir o nariz, por exemplo.

nexojornal