Uma sociedade sem corrupção

Marcia MeirellesUm pesquisador colhendo dados para sua pesquisa no metrô de São Paulo, perguntava as pessoas que por ali passavam em que tipo de sociedade elas gostariam de viver. Todos responderam unânimes que gostariam de viver em uma sociedade sem corrupção. Refletir sobre essa resposta buscando verificar se isso é possível na atual conjuntura em que vivemos representa algo necessário e urgente.

Hoje no Brasil as relações entre política e empresas demonstram que esse ideal de viver em uma sociedade sem corrupção pode se tornar cada vez mais um ideal sem ressonância para a vida prática do processo coletivo. Um livro clássico da década de 1970 chamado “O Declínio do Homem Público” escrito por Richard Sennett é surpreendentemente atual ao examinar o crescente descompaço entre a esfera pública e a esfera privada demonstrando que nessas relações não podemos cair nas tiranias da intimidade. As empresas que de um lado representam o lucro privado e os interesses individuais se contrapõem a política que deve representar os interesses de uma sociedade. O fato é que essa relação entre política e empresas pode se tornar em pesadelo quando não se tem o devido discernimento entre uma coisa e outra, e para que ambas possam caminhar juntas sem se hostilizarem é necessário que o homem público ressurja e que o interesse particular das empresas não domine a esfera pública. Nesse sentido, a pergunta do pesquisador no metrô nos trás uma evidencia nas respostas dos entrevistados, viver em uma sociedade sem corrupção urge como clamor de uma sociedade que almeja experimentar relações mais justas e equitativa e isso passa pela vida política, por uma esfera pública de forma irremediável. Mas os caminhos para essa possibilidade quem nos ajuda a pensar é Tocqueville um autor importante na construção e consolidação das idéias das sociedades democráticas modernas quando diz que “Cada pessoa mergulhada em si mesma, comporta-se como se fora estranha ao destino de todas as demais e isso faz com que não exista para essa pessoa nenhum sentido de sociedade”. É nesse particular aspecto que esbarra-se o problema de uma sociedade viver sem a chaga da corrupção, pois, as empresas guiadas pela lógica do capital é claro são guiadas para viverem mergulhadas em si mesmas, em seus lucros onde o destino de outros lhes é indiferente, nelas não há espaço para que predomine um sentido de sociedade em suas ações e decisões e sim um sentido de mercado. Mas a esfera pública diferentemente disso existe por um sentido outro, um sentido maior e tem haver com a existência de um sentido de sociedade, de não se colocar como estranho ao destino do outro, há o predomínio dos interesses coletivos de uma política maior e mais ampla que deve levar em conta o destino dos demais. Chegamos assim a um ponto fundamental nesse clamor implícito nas respostas dos passageiros do Metrô de São Paulo por uma sociedade sem corrupção que envolve governantes, e administradores que precisam gerir a vida pública sem as mazelas da corrupção, ou seja, bastava apenas que nossos representantes e administradores públicos governassem levando em conta um sentido de sociedade em suas ações, decisões e planejamentos. Bastava apenas que os papeis públicos legitimados a juízes, políticos, presidentes, governadores e prefeitos adquirissem um toque a mais de coisa pública de um sentido mais profundo de sociedade na condução de seus pleitos que lhes foram confiados pelo processo democrático. Uma sociedade sem corrupção se consolida, portanto, a partir de uma compreensão, de um entendimento a cerca disso, e que para muitos representantes públicos isso parece não ter nenhum significado. Na vida pública pessoas mergulhadas em si mesmas, ou seja, governantes mergulhados em si mesmos impedem que a sociedade se consolide enquanto principio que possa se contrapor aos interesses particulares. A sociedade ideal é a sociedade sem corrupção, mas para isso acontecer aqueles que almejam a vida pública para gerir o bem coletivo precisa levar consigo algum sentido de sociedade, algum interesse em relação ao destino de todos os seus demais concidadãos. É, portanto resgatando esse sentido nas novas gerações que poderemos caminhar rumo a uma sociedade menos corrupta e menos particularista. Neste sentido justiça e direitos por ser a base que buscou legitimar as sociedades democráticas modernas devem continuar a prevalecer como principio e bem maior para seus governantes. Exercer e poder praticar esses valores democráticos ajuda em muito na hora de buscar realizar o ideal tão sonhado e desejado por todos de viver em uma sociedade sem corrupção. Mas para que isso possa prevalecer de fato na prática, a credibilidade nas instituições precisa voltar a existir no pensamento da coletividade, credibilidade esta, aliás, que deve servir para uma finalidade semelhante capaz de oferecer ao homem e a sociedade os meios para que justiça e direito possam se tornar os principais meios de sociabilidade em bases impessoais. Nesses termos, cabe uma pergunta: Como criar uma sociedade de sociabilidade tão intensa? A resposta para isso passa, portanto, na necessidade de se resgatar um sentido de sociedade que foi ficando para trás na medida em que as relações entre público e privado foram perdendo seus pontos de diferenciação.

Dra Em Ciências Sociais – Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Acre – UFAC.