Um Estado que não encontrou sua vocação

O Estado do Acre divulgou o Relatório de Gestão Fiscal do 1º Quadrimestre de 2018, em obediência ao artigo 54, da Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Os números apresentados são preocupantes e devem sofrer reflexão de toda a sociedade acreana. A Receita Corrente Líquida – receitas correntes menos as deduções legais – foi de R$4,577 bilhões de reais no acumulado dos últimos 12 meses (maio de 2017 a abril de 2018). Apenas as receitas dos “Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria” (ICMS, IPVA, ITCMD e outros) arrecadados no ano de 2018, somaram R$539 milhões de reais. Já as transferências correntes – repasses federais do FPE, Kandir, IPI, FUNDEB e outros – no mesmo período chegaram a R$1,421 bilhão de reais.

Se o leitor prestou atenção nos valores arrecadados pelo Estado do Acre, conseguiu observar que a fonte de maior receita são os repasses federais. Sem a ajuda dos recursos federais, o governo estadual ficaria sem condições financeiras de tocar a máquina pública (pagamento dos funcionários, das licitações e das demais despesas como saúde, segurança e infraestrutura). Existem outras receitas próprias como “Rendimentos de Aplicação Financeira” e “Outras Receitas Patrimoniais” que podem elevar a Receita Corrente Líquida, mas são insuficientes para tapar o buraco de um estado dependente da União. E a razão é simples: Não temos uma iniciativa privada forte, exuberante e altaneira. As políticas públicas e os incentivos fiscais são ilusórios.

A Despesa Líquida com Pessoal – Despesa Bruta com Pessoal menos as Despesas não computadas – foi de R$2,141 bilhões de reais no acumulado dos últimos 12 meses (maio de 2017 a abril de 2018). Nos quatro primeiros meses do ano de 2018, o gasto com pessoal foi de R$1,046 bilhão de reais. Assim, como o gasto com pessoal é de responsabilidade do governo estadual, temos que os recursos próprios (R$539 milhões de reais) não são suficientes para pagar a despesa com pessoal no ano corrente. A falta do repasse federal deixaria sem salário alguns ou milhares de funcionários públicos.

A Dívida Consolidada Líquida (DCL) – Dívida Consolidada (DC) menos as Deduções legais – no final do 1º quadrimestre estava em R$2,894 bilhões de reais (Coeficiente LRF: 63,23%). A DC no mesmo período ficou em R$3,696 bilhões de reais (Coeficiente LRF: 80,75%). A dívida contratual por meio de empréstimos ficou em R$3,081 bilhões de reais, sendo os internos de R$1,528 bilhão de reais e os externos de R$1,553 bilhão de reais. É muita dívida interna e externa para um ente público que arrecadou no 1º quadrimestre R$539 milhões de reais com receitas próprias. E essa Dívida Consolidada possui um custo com “JUROS E ENCARGOS SOCIAIS” de R$49 milhões de reais e “AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA” de R$88 milhões de reais apenas no 1º quadrimestre de 2018. Precisamos refletir quanto à necessidade de continuarmos contraindo empréstimos.

O preocupante com os empréstimos recai sobre os externos. Quando o relatório foi finalizado em abril passado, o dólar e o euro não estavam subindo feito louco. Exemplo: o dólar Ptax fechou abril (30) em R$3,481 e o euro Ptax em R$4,203. Na última sexta-feira (29/06/2018) o dólar Ptax fechou em R$3,855 e o euro Ptax em R$4,503, ou seja, um acréscimo na dívida externa em dólar de 10,74% e de 7,14% em euro. Considerando a dívida externa de R$1,553 bilhão de reais na variação do dólar, teremos um acréscimo de R$166,792 milhões de reais; em euro, o acréscimo será de R$110,884 milhões de reais. Esse é o custo/problema de contratar empréstimo em moeda diversa da nacional, que numa guerra cambial, a dívida cresce mais que o esperado e o credor, seja em dólar ou em euro, vai querer receber o pagamento na moeda dele, nunca na moeda brasileira.

Já o empréstimo interno sofrerá um acréscimo menor com a inflação no ano de 1,33% (até maio) mais um juro real de no máximo 3%. A diferença favorável entre carregar a dívida interna e a externa pende neste momento para a interna que sofrerá um acréscimo menor em relação à externa. A LOA de 2018 traz como receita total R$6,643 bilhões de reais, sendo apenas R$1,4 bilhão de reais gerados aqui, frente uma Dívida Consolidada de R$3,696 bilhões de reais. Surreal! O que salva o governo estadual do coeficiente de endividamento são os recursos do governo federal, tão criticado no momento. A confiança nas transferências correntes da União que vive um colapso financeiro e ainda continua ofertando benefícios fiscais para grevistas, pode dificultar no futuro próximo o pagamento da máquina pública estadual.

Existem também outras despesas como as “INTRA-ORÇAMENTÁRIAS”, o “PASSIVO ATUARIAL” de R$14,147 bilhões de reais (lançado no quadro do “DEMONSTRATIVO DA DÍVIDA CONSOLIDADA LÍQUIDA”, item “OUTROS VALORES NÃO INTEGRANTES DA DC”) e “PRECATÓRIOS ANTERIORES A 05/05/2000” de R$9,570 milhões de reais.

Portanto, numa visão simples e sem detalhamento de todas as receitas e despesas, podemos chegar à conclusão que o governo local vai continuar sendo uma economia dependente dos recursos federais e dos empréstimos para movimentar a máquina pública estadual. A União transferiu em maio de 2017 R$351 milhões de reais de FPE e em abril passado apenas R$319 milhões de reais. A explicação pelo decréscimo do repasse é a pindaíba da economia nacional que interfere na arrecadação federal. O Acre precisa buscar uma nova fórmula para garantir o crescimento da arrecadação própria, implantando novas políticas econômicas, deixando um pouco a economia da floresta e passando a concretizar bases sólidas que possibilitem a industrialização e a geração de emprego privado. A máquina pública local precisa encolher para permitir o crescimento da iniciativa privada tão vilipendiada nos últimos anos.


Marco Antonio Mourão de Oliveira, 42, é advogado, especialista em Direito Tributário pela Universidade de Uberaba-MG e Finanças pela Fundação Dom Cabral-MG. Presidente da Comissão de Finanças Públicas e Orçamento Público da OAB Acre.