Uma das mais belas obras de arte de Rio Branco é praticamente desconhecida dos acreanos, apesar de ser grande, estar ao ar livre e ser bem-exposta. Os que a conhecem, com raras exceções, desconhecem sua história e seus autores. Trata-se do painel Fonte da Vida, inaugurado em 1991, no governo de Édson Cadaxo. A obra tem por objetivo retratar a história da captação da água para o consumo na história do Acre.
Ele destaca, em fases, uma índia que pega água em cuias em um lago qualquer. Essa seria a fase primitiva, quando os povos da floresta bebiam as águas puras dos rios, igarapés e lagos abundantes em toda a Amazônia.
Em seguida, vem um seringueiro, que usa as famosas latas de querosene para levar água da fonte até o seu habitat. Era assim que se abastecia as colocações de seringa e os barracões onde residiam os grandes seringalistas. Tudo feito de forma manual.
A terceira fase já mostra uma bela mulher carregando água em um pote de barro. Essa fase já é mais urbana, quando os primeiros moradores das cidades do Acre também tinham que transportar a água em recipientes diversos, já que não havia a captação e distribuição na forma como se conhece hoje.
A parte final retrata o trabalho de execução das obras de saneamento básico, com operários implantando tubos sob a superfície das ruas, mostra o trabalho dos engenheiros e, em um segundo plano, mas com bom destaque, mostra os reservatórios elevados que eram a atração na cidade naquela época.
Obra reforçada, feita para durar
O painel é, sem dúvida, uma das maiores obras de arte do Acre. Tem 20 metros de comprimento por seis de altura e está localizado na parede externa do reservatório de água do Palheiral, na rua A, próximo à ladeira do Bola Preta.
Foi construído em alto-relevo com concreto e argamassa quimicamente reforçada. Por baixo de tudo isso, está uma malha de aço e pinos que garantem sua fixação na parede do reservatório.
“Foi uma obra muito reforçada. Esses pinos que nós usamos e a malha de aço devem garantir que o painel permaneça firme no local por muitos anos”, explicou o artista plástico Ulisses Sanches, um dos quatro artesões que trabalharam durante 75 dias no painel. Junto com ele estavam também Péricles Silva, Pedro Duarte (Pedro Art) e Joaquim Mota. “E o que se pode notar é que esse método foi eficiente, pois o painel está inteiro, necessitando apenas de uma boa limpeza e alguns retoques, mas nada significante”, completou.
Um emocionante reencontro
Na última terça-feira, 15, Ulisses visitou o painel que ajudou a construir no início dos anos de 1990. Ele não escondeu a emoção ao falar sobre o trabalho, ao reencontrar moradores do local e ao lembrar da importância do para a cidade de Rio Branco naqueles anos em que o Estado valorizava mais os artistas e suas obras.
“Naquele tempo os artistas eram muito mais valorizados. A gente conseguia viver de arte, mas agora temos que ter alguma atividade paralela para conseguir sobreviver”, lamentou Ulisses.
O coordenador do trabalho foi Péricles Silva. De acordo com Ulisses, ele não está mais no Acre. Reside agora no Nordeste. Além dos três colegas artistas plásticos, Péricles também contratou outros operários, um total de 12. Todos homens que tinham algum conhecimento em trabalhos complexos como esse.
“O Péricles fez uma pequena maquete da obra e, com base nela, a gente ia avançando no trabalho.”
Obra inaugurada em março de 1991
Depois dos 75 dias de trabalho, o painel Fonte da Vida foi inaugurado no dia 14 de março de 1991, durante o governo de Édson Cadaxo. Mas ele é apenas a cereja do bolo de uma série de obras de saneamento em Rio Branco, que inclui diversos reservatórios de água que chamam à atenção por serem elevados, os chamados cogumelos. Eles foram iniciados no governo do atual deputado federal Flaviano Melo. Ao todo, são três instalados na região do Palheiral, Calafate e Adalberto Sena. Foram feitos para acumular a água já tratada e facilitar a distribuição para os consumidores através de gravidade.
No dia da inauguração, o jornal A Gazeta fez matéria de página inteira falando sobre o painel. Nela, além de fotos dos artistas e trabalhadores, aparece o depoimento do seu principal executor, Péricles Silva.
“Entendo que seja importante a decoração e o embelezamento dos prédios públicos. A beleza visual faz com que qualquer monumento torne-se simpático aos olhos da população”, disse Péricles naquela reportagem.
A matéria dizia ainda que “Para Joaquim Mota, o que chama mais atenção no trabalho artesanal que realizaram é justamente as formas sincronizadas quem encontram-se em harmonia, além da temática abordada que versa sobre o precioso líquido que o homem rio-branquense utiliza diariamente”.
O vizinho que acompanhou todo o trabalho
28 anos atrás, quando os artistas e operários iniciavam a obra do painel Fonte da Vida, o jovem Pedro de Moura Ferreira, então com pouco mais de 20 anos, observava curioso tentando entender o que se dava do outro lado da rua, em frente à sua casa. Ele já tinha visto toda a obra do reservatório e acreditava já está concluso. Não imaginava que faltava o toque final, o grande painel.
“Eu acompanhei tudo e fiz amizade com todos eles. Achei interessante a forma como trabalhavam e fiquei encantado com o resultado de todo esse trabalho”, relatou Pedro.
Ao rever Ulisses na terça-feira, Pedro o reconheceu de longe e se apressou para cumprimenta-lo. Pedro o levou à sua casa e o apresentou para os amigos presentes e os parentes que não haviam acompanhado a obra.
“Eu conto sempre pra todo mundo que vem aqui como foi que eles fizeram isso. Faço questão de falar porque nem todos conhecem, nem todos eram nascidos quando esse painel foi inaugurado”, destacou.
Cartão postal abandonado
Pedro Moura só lamenta que aquela bela obra, um belo cartão postal de Rio Branco, seja praticamente desconhecido dos acreanos. Disse entristecido por ver que o próprio governo do Estado não tem valorizado a obra. Ele reclama que o painel está sujo e mal iluminado, necessitando de uma revitalização.
“Poderiam fazer uma boa limpeza, jogar uma água, botar umas boas luzes para que todos vejam durante a noite. Acho que isso não sairia caro e poderia dar uma vida nova nessa região da cidade”, sugeriu Pedro.
Ulisses também defende uma revitalização aos moldes do sugerido por Pedro Moura, mas vai adiante sugerindo que o painel poderia ser colorizado, dando mais vida à toda a temática. Ele espera que as autoridades voltem seus olhos para a obra e escutem as sugestões da comunidade, destinando recursos para a sua revitalização.
A matéria publicada pelo jornal A Gazeta cita um convênio entre a Empresa de Saneamento do Acre (Sanacre), responsável pelo saneamento básico no Estado à época, e a Fundação Cultural do Acre, atual Fundação Elias Mansour, para a “manutenção da obra artística no sentido que a mesma seja guardada por todos, protegida das intempéries e preservada da depredação dos vândalos”.