Gilda Oliveira Feitosa, de 40 anos, mora a menos de dez metros do trabalho, na beira do barranco do rio Acre, no bairro Cidade Nova. A catraia dela é o ganha-pão. Cedo, por volta das 4h, acorda, faz o café, despede-se dos três filhos e do marido e se acomoda na popa da canoa à espera dos passageiros: uma dezena de trabalhadores braçais da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos a caminho da sede, na baixada da Sobral.
Cada um vai pagar R$ 1,25. Com quatro dúzias de remadas, Gilda une, em três minutos, um extremo ao outro da cidade, num ofício que começou ainda na década de 1920, quando pontes e transportes terrestres sequer eram pensados pelos administradores da época.
Se os servidores da Secretaria de Serviços Urbanos, os passageiros de Gilda, optassem pelo ônibus coletivo, teriam de ir para o centro da capital e pegar outro ônibus até a Sobral, num percurso que duraria no mínimo uma hora.
– Por isso, eu me sinto útil sendo catraieira. Não tive muito estudo, mas Deus me deu a oportunidade de uma profissão que contribui para que as pessoas vão e voltam para suas casas. Isso é importante, não é?
E não é só isso: Gilda gaba-se de ter ajudado muitos enfermos a chegar à Unidade de Pronto Atendimento da Sobral. Crianças com febre, mulheres com enxaquecas e até homens feridos a faca, em brigas de bebedeiras já se utilizaram do barco dela.
Há três meses, a catraia foi roubada. Numa madrugada de nevoeiro, antes mesmo da trabalhadora se levantar, foi-se a sua primeira embarcação.
– Fiquei muito triste, mas não me desanimei. Estou juntando tudo que é moeda pra mandar fazer uma catraia nova. É bola – ou melhor – remada pra frente.
O novo barco vai custar R$ 1,7 mil. As pranchas, ela já tem. Conseguiu com a ajuda do esposo, Aldecir Freitas da Silva, de 38 anos, nas corridas pela cidade como mototaxista-viração.
Por enquanto, as peças de madeira estão sendo usadas pra finalidade igualmente nobre: servem de assentos para os cultos evangélicos que Gilda ministra quando não está trabalhando na canoa improvisada. Sua igreja evangélica, a Água Viva, tem sede em Porto Acre. Mas ela criou um núcleo da denominação em sua casa.
– Aqui a gente ora e aqui a gente ajuda gente a ser gente do bem com a obra do Senhor.
Mas se aborrece numa coisa:
– Gostaria que a prefeitura fizesse a contenção do barranco que o esgoto quebrou. Eles estiveram aí, mas não fizeram nada ainda e o barranco está caindo.
– E para aproveitar que estou sendo entrevistada, peço a vocês, meninos da ‘reportage’, que digam ao prefeito que estamos com saudades da Catraiada.
Gilda não é fraca não. No remo, já ganhou três edições da que tão popular Regata de Catraias, que não existe mais.
– Ganhei 600 contos numa, e na outra, nem me lembro mais quanto. Quanto foi mesmo, menino? Tenho até troféu, olha.
E diga aí, qual o segredo de remar tão bem?
– Foram nas águas do rio Acre, no São Luís do Remanso. Aprendi lá. No seringal, eu era mais feliz. Mas aqui tá bom, por enquanto.
O seringal onde nasceu fica em Capixaba, a 80 quilômetros de Rio Branco, às margens do Acre.
E Gilda, assim como muitos outros profissionais do remo, encontra na voz de Da Costa, um ícone da música popular acreana, a sua maior homenagem. O refrão é assim: Catraieiro, rema, me leva pro lado de lá, menino segura o remo, não deixa a catraia virar, que eu não sei nadar.
Mas ela garante: – Comigo, o remo não cai n’água nunca, nem meus passageiros. Marrapaz!