A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (26) a criação em 2021 de um novo Tribunal Regional Federal no Brasil. A proposta foi apresentada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), a partir da articulação de seu presidente, ministro João Otávio de Noronha.
Atualmente, há cinco tribunais do gênero no país, cada qual responsável por um grupo de estados. A nova estrutura seria a primeira a lidar com apenas um: Minas Gerais.
A necessidade de expansão da capacidade da Justiça Federal em Minas é reconhecida por diversos analistas do poder Judiciário, mas há divergências sobre a forma de lidar com o problema.
Enquanto alguns são favoráveis à criação de um novo tribunal, outros defendem a contratação de mais juízes para o tribunal que atualmente é o responsável pelos processos mineiros, o Tribunal Regional Federal da 1º Região, com sede em Brasília.
A ESTRUTURA ATUAL

O projeto ainda precisa ser votado no Senado e depois passar pela sanção presidencial. Noronha, que é mineiro, afirma que o novo tribunal é urgente para atender ao aumento de processos tributários e sobre corrupção que ele prevê para depois da pandemia do novo coronavírus.
O ministro deixa a presidência do STJ nesta quinta-feira (27), para ser sucedido pelo ministro Humberto Martins.
“O Brasil tem que preparar uma saída para depois da pandemia. Estamos com uma quantidade enorme de ajuizamento de ações, vamos ter uma série de ações tributárias. […] Como vai estar essa Justiça? Vai ficar esperando ou vai se antecipar e se preparar para a retomada do crescimento do Brasil?”-João Otávio de Noronha, presidente do STJ, ao jornal Folha de S.Paulo em 13 de julho de 2020.
Para a ex-ministra do STJ e ex-corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Eliana Calmon, a proposta ganhou fôlego com a aproximação entre Noronha e o presidente Jair Bolsonaro.
O magistrado é um dos nomes cotados para ser indicado a uma das vagas a serem abertas no Supremo Tribunal Federal, com a aposentadoria dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.
Foi Noronha quem permitiu que Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro e ex-assessor do filho mais velho do presidente, Flávio, saísse da cadeia em julho para cumprir prisão domiciliar.
Foi Noronha também que em maio garantiu a Bolsonaro o direito de manter em sigilo os exames que comprovariam se o presidente estava ou não infectado pelo novo coronavírus quando participou de aglomerações.
As atribuições da Justiça Federal
Os Tribunais Regionais Federais comandam as varas federais, de primeira instância, e julgam, por meio de seus desembargadores, os casos na segunda instância. São atribuição Justiça Federal, segundo a Constituição:
-As causas que envolvam a União, autarquia federal ou empresa pública federal (exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral ou à Justiça do Trabalho).
-Os processos fundados em tratado do Brasil com estado estrangeiro ou com organismo internacional
-Graves violações de direitos humanos, em violação de tratados internacionais sobre o tema
-Disputas sobre direitos indígenas
A primeira região da Justiça Federal é a que tem o maior número de processos por juiz, consideradas a primeira instância e a segunda, o TRF1. São 26 mil ações por magistrado, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Na terceira região, a segunda com maior volume de trabalho por juiz, são 14 mil processos por magistrado.
550 mil
é o número de processos que aguardam julgamento no TRF1, segundo Ivanir César Ireno Júnior, presidente da Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais.
35%
desses processos são de Minas Gerais.
Os custos da nova estrutura
Um dos argumentos contra a criação de um novo tribunal é seu custo, num momento nacional de esforço fiscal. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, é um dos que consideram a instalação da estrutura durante a pandemia “inoportuna”, assim como Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados.
“Sempre fui contra a criação de qualquer outro tribunal. […] De fato, parece uma incoerência. Estamos preocupados com gasto e vamos criar gasto permanente. Respeito quem pensa o contrário, mas haverá aumento de despesa”-Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, em 18 de agosto de 2020.
Noronha afirma que a nova estrutura vai apenas realocar o orçamento anual já previsto para as varas da Justiça Federal de Minas, de R$ 12 bilhões, sem violar o teto de gastos imposto pela Constituição.
A ideia do ministro é que o TRF6 seja instalado num prédio já usado pela Justiça Federal em Belo Horizonte. Também deve haver a transferência dos servidores e de materiais do TRF1 e das varas da primeira instância para o novo tribunal. Já os cargos de desembargador serão criados a partir da transformação de cargos já existentes para juízes de primeira instância.
18
é o número de desembargadores que deverão compor o novo tribunal, o TRF6, se criado.
No entanto, segundo analistas, como Bernardo Buta, membro do grupo de pesquisas em administração da Justiça da UnB, mesmo que a verba para preencher os cargos já esteja indicada na previsão orçamentária da Justiça Federal, o preenchimento dos cargos, hoje vagos, exigirá o real desembolso desses recursos, o que atualmente não acontece. Com isso, na prática haverá, sim, aumento de gastos.
R$ 30 milhões
é a estimativa do aumento de gasto anual da Justiça Federal, de acordo com o pesquisador da UnB Bernardo Buta.
O poder de Bolsonaro
Nas nomeações para os cargos de desembargador, o presidente da República tem que escolher entre os nomes indicados pelos próprios tribunais, em uma lista tríplice.
No caso das cadeiras no TRF6, como o tribunal ainda não existe, a primeira rodada de nomeações seria feita a partir de lista elaborada pelo STJ. Para um quinto dos cargos, a lista é feita pela OAB ou pelo Ministério Público, que se revezam.
Assim, se o TRF6 for criado, Bolsonaro terá o poder de indicar os 18 novos desembargadores da Justiça Federal. O número de indicações poderá ser ainda maior, chegando a 54 pessoas, se outros projetos de lei, que prevêem a ampliação do corpo de magistrados dos Tribunais Regionais Federais já existentes, forem aprovados.