Interceptações apontam que tenente do BOPE recebia ordem do CV

A prisão preventiva do tenente da PM Josemar Barbosa de Farias, considerado o segundo na linha hierárquica do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), gerou desconforto na cúpula da segurança pública e na sociedade acreana, que ficou estarrecida pelo fato de o militar alvo de uma operação policial ser responsável, também, por dezenas de operações exitosas de combate ao tráfico drogas em Rio Branco e ser presença constante nos diversos meios de comunicação sendo exaltado como “homem da lei”, destacando o trabalho das polícias.

Mas desta vez o cenário se inverteu. O tenente em questão acabou sendo um dos principais alvos da Operação Sicário, realizada nesta quinta-feira, 27, pela polícia civil com apoio do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Acre, que cumpriu 45 mandados judiciais e prendeu 18 pessoas ligadas a facção criminosa Comando Vermelho.

O ac24horas revela com exclusividade os detalhes sórdidos entre a relação do “homem da lei” com Agilberto Soares de Lima, conhecido no mundo do crime pela alcunha de Jiquitaia, que nos últimos meses vem ajudando a facção Comando Vermelho a ganhar espaço no controle do tráfico de drogas na capital, interior e a região de fronteira.

Um despacho de 32 páginas assinados pelos juízes Raimundo Nonato da Costa Maia, Maria Rosinete dos Reis Silva e Guilherme Aparecido do Nascimento Fraga traz a tona os motivos que levaram a prisão do militar, Jiquitaia e demais membros.

As investigações comandadas pela polícia e o Gaeco trazem indícios de que o tenente Farias seria membro do Comando Vermelho após as comunicações telefônicas interceptadas com autorização da justiça evidenciarem que o membro do Bope teria estreitos laços com pessoas ocupantes de posições de liderança no CV, tendo estabelecido contatos presenciais e telefônicos relativos às atividades da organização criminosa em diversas ocasiões.

Segundo a investigação, Farias cumpria ordens repassadas por Jiquitaia com a intenção de resguardar a segurança das localidades consideradas como “território do CV”, protegendo os bairros tanto de ataques de facções rivais quanto de abordagens de outros policiais na região. A suposta influência do militar era tão grande que seu nome foi utilizado para evitar abordagens contundentes em pontos de interesse do CV.

TRECHO 1 – Confira trecho extraído do despacho que autorizou a Operação Sicário

Ainda de acordo com o apurado pelas autoridades, em inúmeros diálogos restou demonstrado que o Tenente Frias se utilizava do poder que a farda lhe proporcionava para usar veículos e valores pertencentes ao “erário” com a finalidade de atender aos interesses do Comando Vermelho, fosse mandando viaturas para evitar ataques do Bonde dos 13 ou para auxiliar em situações cuja busca de informações interessava às atividades do Comando Vermelho. “Até valores para abastecer veículos usados por outros membros do CV teriam sido arrecadados das quantias disponibilizadas pelo BOPE para abastecer as viaturas policiais”, aponta trecho da investigação.

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Os indícios da gravidade das supostas condutas ilícitas adotadas por Farias também revelaram a função de arrecadar armas de grosso calibre, munições e altas quantidades de drogas apreendidas com a finalidade de desviar boa parte delas para que fossem utilizadas pelo CV, “o que deixou nítido que Tenente Farias integraria o aludido grupo”, diz parte do inquérito da polícia civil.

“É importante destacar que o representado aparentemente teria a ciência de que tal conduta seria ilícita, visto que em algumas situações foi possível notar a sua frustração em não conseguir arrecadar as armas ou qualquer outro bem que pudesse interessar ao CV por ter chegado atrasado ou por estar acompanhado de outros policiais, o que dificultaria que agisse na clandestinidade, de modo que o representado afirmava que “não teve como tirar”. De outra banda, situações exitosas do grupo também foram captadas”, informa trecho do documento incriminatório.

A investigação aponta ainda sobre a proximidade de Farias e o membro do VC identificado como Jiquitaia. Quando as pautas que tinham que solucionar não podia ser resolvida por telefone, os investigados costumeiramente marcavam encontros presenciais nas residências um do outro, em locais públicos e até mesmo na sede do BOPE. “A familiaridade entre os dois parece ser tamanha ao ponto de Jiquitaia ter mencionado em um diálogo que o tenente Farias sabia que o primeiro só estaria solto por causa da atuação do policial militar”.

Outro ponto suspeito da relação entre os dois, seria o fato que até a mulher de Jiquitaia tinha conhecimento da atuação conjunta de Farias com o Comando Vermelho, já que foi interceptada ligação entre os dois com a solicitação de reforço no bairro Belo Jardim por parte da mulher não identificada, visto que rivais teriam sequestrado a namorada de um membro do CV, de modo que Farias providenciou a guarnição solicitada. “Em suma, os elementos existentes na representação sub oculi trazem indícios seguros de que o representado seria membro da organização criminosa Comando Vermelho, de modo que restou evidenciada até aqui a sua participação no planejamento das atividades da OrCrim, bem como a prática dos crimes de associação criminosa, corrupção passiva (fls. 69 e 84) e ativa, prevaricação, violação de sigilo funcional, associação para o tráfico de drogas e condutas de improbidade em desfavor da administração pública, ao ter utilizado bens e valores do erário para atender interesses pessoais”, constata trecho do documento da investigação policial.

No AC, tenente do Bope é preso após polícia interceptar ligações telefônicas com membros de facções

Tenente Josemar Farias foi preso durante a Operação Sicário, deflagrada pela Polícia Civil do Acre. PM-AC afirmou que policial está preso no Batalhão Ambiental, em Rio Branco

O tenente do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Josemar Farias, foi preso na manhã desta quinta-feira (27) durante a Operação Sicário, da Polícia Civil do Acre. A Polícia Militar (PM) divulgou uma nota, após a ação, informando que Farias se apresentou voluntariamente para o cumprimento do mandado de prisão.

A ação prendeu 18 pessoas, apreendeu armas e livros de contabilidade de facção no Acre. Dos presos, 12 estavam em Rio Branco e seis nas cidades de Acrelândia, Plácido de Castro e Cruzeiro do Sul, interior do Acre.

Ao todo, a operação cumpriu 22 mandados de busca e apreensão e 23 de prisão contra membros de facções criminosas. Além do tenente, o funcionário de uma empresa privada de vigilância também foi preso.

Na nota, a PM destacou que o policial não era alvo da operação, porém, a polícia interceptou ligações telefônicas entre o tenente e membros de facções. Farias está preso no Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA).

“Cabe destacar que os interceptados são informantes reconhecidos do Bope, do MP [Ministério Público do Acre] e Polícia Civil”, afirma a nota.

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A PM-AC diz ainda que apoia as investigações e a Justiça, mas ressalta também que apoia “o respeito ao contraditório e a ampla defesa, base do estado democrático de direito”.

“Em virtude do atual momento das investigações, não será emitido nenhum juízo de valor em relação à suposta conduta imputada contra o militar, mas aguarda que a verdade seja esclarecida com a maior brevidade”, conclui a Polícia Militar na nota.

Operação

A Polícia Civil informou que o foco da operação é o combate de facções criminosas para coibir crimes praticados pelo grupo como o tráfico de drogas, execuções e até crimes contra a própria administração pública como corrupção.

As investigações levaram cerca de sete meses e contaram com o apoio do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Acre (MP-AC).

“O nível de organização em que se está chegando, como já foi dito, tanto na parte de computação de servidor público quanto da parte de contabilidade em si, é muito grande. Esse controle também era usado para o financiamento de ações maiores como roubos a bancos e caixas eletrônicos”, explicou o delegado Alcino Júnior, da Delegacia de Combate ao Crime Organizado (Decco) e do Departamento de Investigação (DI).