É preciso livrar a educação pública, primeiro, desse sindicalismo

No Acre, existem dois sindicatos de educação: o Sinteac (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Acre) e o SinproAcre (Sindicato dos Professores do Acre). Ainda que distantes da realidade do Rio de Janeiro, os dois sindicatos acrianos organizam-se da mesma forma que o Seperj (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro).

Pierre Bourdieu chama o que já está organizado de estrutura estruturada, que vai da forma como as pessoas se relacionam à construção de um prédio. A estrutura que permite aparecer o já organizado, ele a chama de estrutura estruturante, que é a linguagem ou a malha de conceitos. A estrutura estruturante é ação da linguagem agindo na realidade para construir. Centralização é um desses conceitos de que a linguagem sindical faz uso para construir seu modelo de luta política. Combinado a outros conceitos inerentes, a centralização forma uma rede conceitual ou uma estrutura estruturante.

Embora assembleias gerais sejam realizadas para deliberar decisões, dando aparência de liberdade democrática, a estrutura estruturada da assembleia não deixa de ser centralizadora, pois o todo submete-se à proposta aprovada pela maioria, ou seja, a maioria é o centro. Pertence à natureza da massa a unicidade da direção hierárquica, porque o grande número exige resposta rápida, objetiva. A estrutura estruturada do sindicato ou a forma como ele se faz organizado acolhe a natureza da massa. No livro Psicologia das massas, Freud reconhece que esse fenômeno social tem não só a incapacidade da moderação como também a incapacidade do adiamento. Centralizar é o desejo da massa, porque, não podendo perder tempo, centralizar significa uniformidade, e uniformizar facilita a ação imediata.

Mas qual o problema disso? O problema é que, uma vez sendo desejo da massa, a centralização não é criadora, ou seja, uniformiza a linguagem da luta política. Coisifica. A massa necessita codificar a linguagem de luta de forma imediata, o que justifica a linguagem, por exemplo, do panfleto, que é uma forma de empobrecer a linguagem humana. A linguagem panfletária é linguagem-objeto, é o que Maurice Blanchot chama no livro O espaço literário de “linguagem ordinária, que nos dá a ilusão, a segurança do imediato, o qual, contudo, nada é senão o rotineiro”. A linguagem do panfleto é linguagem em estado bruto, em estado sólido de “coisa”. Uma linguagem assim só pode, com efeito, servir à violência por ela ser, ela mesma, violenta, servindo apenas ao confronto com o aparato policial. Professores de História, de Sociologia, de Filosofia, por exemplo, estudam anos e anos para sair de sala e “sair na mão” com homens bem armados. Livros lidos por professores não têm força de cassetete, por isso mesmo professores de sindicato já deveriam saber que livros são lidos para que provoquem a inteligência, nesse caso, a pensar formas criadoras de luta política.

Essas formas criadoras, porém, permanecerão sepultadas caso a linguagem sindical – isto é, sua estrutura estruturante – continuar a ser linguagem de coveiro. Em pleno século 21, a luta política dos professores do Acre e do Rio de Janeiro iguala-se à luta narrada por Zola no romance Germinal, de 1885, onde trabalhadores de uma mina de carvão movem-se na condição de massa conforme o conceito de centralização.

Filósofo, psicanalista e economista, Cornelius Castoriadis pensa o desconcertante conceito de matilha, ideia que Gilles Deleuze e Félix Guattari repensam em Mil platôs. Se a centralização ou a concentração está para a grande quantidade, a restrição de número está para as metamorfoses qualitativas. O conceito de matilha é conceito de criação, conceito que nunca busca o centro, que nega a hierarquia fixa e o rebanho. O conceito de matilha é conceito de uma luta que não para de ser arte em alegre estado de fuga. Guardadas as devidas comparações, matilha ou bando assemelha-se aos jograis na Idade Média, ao teatro mambembe. De Castoriadis, sugiro este livro: A experiência do movimento operário.

Refém de homens públicos nocivos à vida, a escola pública também é refém do sindicalista desejoso somente da profissão de ser político para deixar de estar professor. A educação precisa deixar de ser “protegida” por um sindicalismo a serviço de estrutura partidária. A escola clama para ser do professor de História, de Sociologia, de Matemática, de Filosofia. Sim, eu sei: a luta continua, o único problema é que não precisa ser a mesma. Conceitos precisam ser outros.


Aldo Tavares é graduado em Letras, pós-graduado em Pedagogia e em Sociologia e mestre em Filosofia. Email: língua.portuguesa@uol.com.br