Com a aprovação na quarta-feira (11) de um pacote anticrime desidratado, sem pontos centrais propostos pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, a pauta lavajatista no Congresso se volta agora para os projetos que tentam garantir prisões de condenados já a partir da segunda instância judicial.
Ex-juiz da Operação Lava Jato, Moro afirmou em entrevista publicada nesta quinta-feira (12) pelo jornal Folha de S. Paulo que o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal segundo o qual um condenado só pode ser preso após esgotados todos os recursos piorou a percepção da população a respeito do combate à corrupção no país.
Moro chegou a propor as prisões em segunda instância em seu pacote anticrime, mas a Câmara retirou a proposta do projeto aprovado. No momento, há duas propostas prioritárias que buscam, de formas diferentes, antecipar a prisão de condenados. Entenda abaixo a questão das instâncias judiciais e como são as regras atuais.
AS INSTÂNCIAS E AS REGRAS
PRIMEIRA
É quando um juiz estadual ou federal dá a sentença de um caso, julgando se um réu é culpado ou inocente. Ou seja, decide se houve ou não houve crime. Além disso, impõe uma pena. O condenado pode recorrer em liberdade. Com a aprovação do pacote anticrime, condenados por júri popular podem ser presos em primeira instância desde que a pena seja superior a 15 anos.
SEGUNDA
É quando desembargadores estaduais ou federais confirmam ou rejeitam a sentença inicial. Como o mérito ainda está em jogo, é possível uma absolvição, além do aumento ou redução da pena. Entre 2016 e 2019, o Supremo determinava prisões já nessa fase. Mas a regra mudou em novembro: agora é preciso esgotar todos os recursos.
TRIBUNAIS SUPERIORES
É quando o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo analisam a validade do processo. Não há mais julgamento do mérito, mas o caso pode ser anulado ou confirmado. Concluída essa fase, o processo transita em julgado, ou seja, é definitivamente encerrado. Pela regra atual, só aí um condenado pode ser preso, à exceção do júri popular.
A BALANÇA DOS PODERES NO DEBATE DO TEMA
Moro apresentou o pacote anticrime em fevereiro de 2019 e, já em março, cobrou do Congresso urgência na tramitação da proposta. A pressão do ministro da Justiça, desde cedo, não foi bem recebida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que fazia questão de considerar também outro projeto de política criminal, apresentado por uma comissão de juristas liderada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
“Eu acho que ele conhece pouco a política. Eu sou o presidente da Câmara e ele é funcionário do presidente Bolsonaro. Então, o presidente é que tem que conversar comigo. […] Está ficando uma situação ruim para ele, porque ele está passando daquilo que é responsabilidade dele”-Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, para jornalistas em 20 de março de 2019
Ainda em março, Maia combinou com o presidente Jair Bolsonaro que a prioridade seria a reforma da Previdência, sem que Moro tivesse sido consultado. A reforma era uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), com tramitação bem mais complexa do que o projeto de lei do pacote anticrime. As votações das mudanças na aposentadorias dos brasileiros foram concluídas em outubro.
Enquanto isso, o grupo de trabalho que a analisava o pacote anticrime fez alterações significativas no texto de Moro. Barrou a ampliação do excludente de ilicitude para agentes de segurança, excluiu um dispositivo chamado plea bargain (possibilidade de diminuição ou anulação da pena em caso de confissão anterior ao início do processo) e retirou a possibilidade de prisões já em segunda instância.
No início de outubro, o governo tentou investir R$ 10 milhões em publicidade para mobilizar a sociedade a favor do projeto do ministro da Justiça e pressionar o Congresso a aprová-lo. A campanha, entretanto, foi suspensa pelo Tribunal de Contas da União, porque, segundo o TCU, não se destinava ao interesse público.
Das alterações propostas pelo pacote de Moro, permaneceram algumas que são destacadas pelo próprio ministro. Elas começam a valer com a sanção do projeto pelo presidente da República. Veja alguns itens que foram aprovados pelo Congresso:
-Possibilidade de gravação da conversa entre advogados e presos em presídios de segurança máxima
-Cumprimento imediato da decisão do tribunal do júri, quando a pena for de pelo menos 15 anos
-Possibilidade de que agentes da segurança pública infiltrados possam produzir provas de um crime em investigação
-Fim da progressão de pena para condenados ligados às organizações criminosas
Os parlamentares, por sua vez, incluíram no pacote anticrime um item ao qual Moro era contrário: a criação da figura do juiz de garantias no sistema judicial brasileiro. Esse juiz acompanha as investigações do caso, decide sobre mandados de busca e apreensão e prisões preventivas, mas não dá a sentença, que fica na mão de outro juiz.
Esse dispositivo foi um recado direto dos parlamentares a Moro. Como juiz da Lava Jato, ele é suspeito de agir de forma parcial, em conluio com os investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público, o que ele nega.
AS POSSIBILIDADES PARA A PRISÃO EM 2 ª INSTÂNCIA
Há dois projetos principais que tramitam no Congresso sobre a prisão em segunda instância. Um está na Câmara, outro no Senado. Os parlamentares das duas Casas chegaram a fechar um acordo a fim de priorizar o texto dos deputados. Mas os senadores atropelaram esse acerto e deram sequência a seu próprio projeto.
A proposta que tramita na Câmara e já tem a aprovação da Comissão de Constituição e Justiça altera artigos da Constituição para transformar recursos às cortes superiores (STJ e STF) em ações independentes. Dessa forma, os processos chegariam ao fim logo na segunda instância. No jargão jurídico, já transitariam em julgado ali mesmo. Para valer, a PEC ainda tem uma longa tramitação, em dois turnos na Câmara e mais dois no Senado.
Na visão dos defensores desse projeto da Câmara, seria uma solução diante da determinação constitucional de que ninguém será considerado culpado até que um caso transite em julgado, ou seja, que todos os recursos sejam esgotados. Profissionais do direito divergem se esse caminho de fato não viola a presunção de inocência garantida na Constituição de 1988.
Já senadores apostam num projeto de lei, que não muda a Constituição. Em articulação com Moro, o texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. A tramitação é mais simples do que a de uma PEC, mas sua constitucionalidade pode ser contestada.
Segundo os defensores desse caminho via projeto de lei, entre os quais o presidente do Supremo, Dias Toffoli, a Constituição não veda a prisão antes do esgotamento das possibilidades de recurso, diz apenas que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Para autorizar a prisão em segunda instância, segundo os defensores da mudança via projeto de lei, bastaria apenas a inserção dessa hipótese no dispositivo do Código do Processo Penal. Atualmente, o código admite a prisão definitiva somente na hipótese de haver “sentença condenatória transitada em julgado”.
Na visão de Moro, ambos os caminhos (emenda à Constituição ou alteração do Código de Processo Penal) são viáveis: “Me parece que, nessa maioria apertada [do STF] e com o voto do ministro Dias Toffoli, essa é a sinalização igualmente do STF, tanto da possibilidade via PEC como por projeto de lei”, disse.
Na visão de Maia, a emenda à Constituição é o caminho mais seguro. Segundo o deputado, a alteração do Código de Processo Criminal pode ser posteriormente questionada no Supremo, já que não é consenso entre os ministros que a Constituição não veda a prisão antes de esgotados todos os recursos nas cortes superiores.
“Se for pra jogar para a galera, para aprovar qualquer coisa que depois o Supremo vai derrubar e vai continuar com esse ciclo de insegurança para todos e morosidade do Judiciário, a gente pode fazer cena”-Rodrigo Maia (DEM-RJ), deputado federal, durante o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Prisão em Segunda Instância
Independentemente de qual projeto seja aprovado, Moro disse em novembro, durante encontro com os presidentes da Câmara e do Senado, que considera a pauta “urgente”.
Alcolumbre já afirmou que a votação em plenário do projeto de lei em tramitação no Senado só acontecerá após a elaboração de um novo acordo com a Câmara. Isso só ocorrerá em 2020.
A RELEVÂNCIA DO ASSUNTO
Caso a prisão logo após a segunda instância seja aprovada pelo Congresso, cerca de 5.000 réus serão imediatamente afetados, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Esse é o número de pessoas que já tiveram sua prisão decretada após serem condenados em segundo grau e representa menos de 1% das mais de 812 mil pessoas que já estão presas no Brasil (41,5% delas sem julgamento).
PRISÃO EM 2 º INSTÂNCIA
CONTRA
Quem é contrário à prisão em segunda instância diz que ela fere a presunção de inocência. Sustenta que é preciso que um processo chegue totalmente ao fim, que transite em julgado, no jargão jurídico, para que alguém cumpra de fato a pena imposta.
A FAVOR
Quem é a favor da prisão em segunda instância diz que o excesso de recursos no Brasil, somado à lentidão da Justiça brasileira, leva à impunidade.
O CASO EMBEMÁTICO DE LULA
O caso mais emblemático que pode ser atingido por uma nova alteração da regra sobre o momento das prisões no Brasil é o de Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente foi preso em abril de 2018 justamente porque, naquele momento, o Supremo entendia que a prisão em segunda instância já era possível. O petista acabou solto em novembro de 2019 após o tribunal mudar de entendimento.
Atualmente, Lula está condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso tríplex em duas instâncias e um tribunal superior: na primeira, em sentença dada em Curitiba por Moro quando ele era juiz da Lava Jato, na segunda, por votos de três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, e no Superior Tribunal de Justiça, por decisão de quatro ministros.
O ex-presidente também já está condenado em duas instâncias no caso do sítio de Atibaia. A sentença foi proferida pela juíza substituta Gabriela Hardt, de Curitiba, e confirmada, na segunda instância, por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Lula diz ser alvo de uma perseguição jurídica que tenta tirá-lo da disputa política nacional.
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