As palavras preocupação, insegurança, confusão, sobrecarga, desânimo e chateação são as mais recorrentes no levantamento “ProjeThos Covid-19 – Escuta do Trabalho, Humanização e Olhares sobre a Saúde no contexto da pandemia do novo coronavírus”. Realizado por um trio de psicólogos do Sul e do Sudeste do Brasil, o trabalho que começou em abril de 2020 já recebeu cerca de 400 relatos sobre as relações dos trabalhadores com seus empregos durante a atual crise sanitária.
O levantamento, ainda em andamento no início de abril de 2021, busca medir por meio de um questionário a saúde mental dos brasileiros em atuação tanto em atividades presenciais quanto em trabalhos remotos. A partir das respostas obtidas, a enquete mostra que as pessoas estão trabalhando mais do que antes do início da pandemia e, consequentemente, se sentindo mais cansadas, dormindo menos e comendo mais.
Tristeza e futuro incerto
Cerca de 60% das pessoas relataram o sentimento de tristeza e a dificuldade de planejar o futuro. A maior parte dos depoimentos, que são enviados de forma voluntária, são de profissionais de saúde e de trabalhadores da educação.
Segundo Bruno Chapadeiro, especializado em Psicologia Organizacional e do Trabalho e um dos organizadores do levantamento, o número de respondentes do questionário costuma crescer nos momentos de agravamento da pandemia.
Algumas das respostas recebidas pelos pesquisadores estão sendo publicadas no Instagram do projeto, em publicações que revelam apenas a profissão da pessoa que fez o relato.
“Gostaria que o assunto fosse tratado com seriedade em grupos de conversa onde as pessoas não se sentissem intimidadas ao expressarem seus sentimentos e que não fossem convocadas, ainda que sutilmente, a encarar essa tragédia com uma positividade tóxica e fantasiosa”- relato de professora que integra o projeto.
“As pessoas tratando a gente quase como objeto, ninguém chega perto… Tu tá abastecendo parece que as pessoas tem nojo de chegar perto de ti ou te xingam. Tem horas que dá vontade de sair correndo e deixar tudo pra trás”-relato de repositora em supermercado que integra o projeto.
Os profissionais de saúde
O que os trabalhadores da saúde mais relataram foi cansaço, desgaste e esgotamento. Perguntados sobre o que poderia ser feito para que se sentissem mais apoiados no trabalho, os profissionais costumam pedir solidariedade, empatia e compreensão da população, de colegas de trabalho e da chefia.
“Alguns dizem que o maior medo é adoecer mentalmente, pois, entre as situações mais marcantes que eles têm vivido em seu trabalho durante a pandemia, são colegas de trabalho afastados por questões de saúde mental. Eles [profissionais de saúde] relatam o medo de que isso aconteça com eles. A gente sabe que os transtornos mentais relacionados ao trabalho têm efeitos a longo prazo e muitas vezes irreversíveis”, afirmou Chapadeiro ao Nexo.
Chapadeiro afirma que os trabalhadores de saúde ficam sobrecarregados não só pelos pacientes com o novo coronavírus, mas por toda crise provocada pela pandemia, especialmente pelo desemprego.
“Quando a gente fala do colapso de saúde, não estamos só falando da quantidade de leitos que são destinados ao atendimento para pandemia, mas também todos os casos que já necessitavam de atenção e aos quais se somam agora as pessoas desempregadas que, sem o amparo, seja de uma Previdência social, de uma renda fixa ou de um seguro de saúde, vão escoar na rede pública e vão necessitar também de atendimento”, disse.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o nível de desemprego bateu recorde no Brasil entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. Na série histórica do instituto, iniciada em 2012, nunca houve registro de tantos brasileiros procurando emprego. No trimestre encerrado em janeiro, haviam 14,3 milhões de desempregados no país.