O Brasil atingiu em 2021 sua pior colocação no ranking de liberdade de imprensa elaborado pela ONG internacional Repórteres Sem Fronteiras desde que esse sistema de monitoramento foi criado, em 2002.
Sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, o país caiu quatro posições e passou a constar na “zona vermelha”, composta por países nos quais “a situação da imprensa é considerada difícil” e o trabalho jornalístico é desenvolvido em “ambiente tóxico”.
111ª
é a posição que o Brasil ocupa no ranking de liberdade de expressão da Repórteres Sem Fronteiras, entre 180 países monitorados
O ranking classifica, por cores, cinco diferentes zonas: branca, amarela, laranja, vermelha e preta. A “zona vermelha”, da qual o Brasil passa a fazer parte, tem outros 51 países, entre os quais estão Mianmar (que sofreu um golpe de Estado em fevereiro de 2021), Afeganistão (país há 20 anos em guerra) e Rússia (onde o presidente Vladimir Putin está há 21 anos ininterruptos no poder).
Faz quatro anos que o Brasil piora sua posição no ranking. A queda teve início em 2018, durante a gestão do presidente Michel Temer (2016-2018), e se acentuou desde então. No relatório anterior – publicado em 2020, com o resultado do monitoramento feito em 2019, já durante a gestão de Bolsonaro – o Brasil já havia caído duas posições. No relatório mais recente, publicado nesta terça-feira (20), caiu quatro posições e, pela primeira vez, passou a frequentar a “zona vermelha”, que só não é pior que a “zona preta”.
O papel de Bolsonaro
Em seu relatório, a organização diz que “insultos, estigmatização e orquestração de humilhações públicas de jornalistas se tornaram a marca registrada do presidente [Bolsonaro], de sua família e sua entourage [seu entorno]”.

A Repórteres Sem Fronteiras nota que essa situação tornou-se ainda mais grave durante a pandemia que, até esta terça-feira (20), já havia deixado mais de 374 mil mortos e quase 14 milhões de contaminados no país.
Os ataques de Bolsonaro aos jornalistas “dobraram de intensidade desde o início da pandemia de coronavírus”, diz o relatório. “O presidente contribuiu para disseminar informações falsas – por exemplo, sobre o uso de ivermectina, vermífugo cuja eficácia no combate ao coronavírus nunca foi comprovada e que foi desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde –, criticou medidas de isolamento social e causou aglomerações, desrespeitando as medidas sanitárias, o que fez com que fosse censurado pelo Facebook e pelo Twitter”, registra a ONG.
Piora na democracia em geral
A piora no indicador de liberdade de imprensa durante o mandato de Bolsonaro é parte de uma deterioração mais ampla da democracia no país, como um todo. O relatório Variações da Democracia, elaborado pela Universidade de Gotemburgo, na Suécia, publicado em março de 2021, já havia mostrado que o Brasil foi o quarto país do mundo que mais se afastou da democracia em 2020. Apenas Polônia, Hungria e Turquia foram piores.
Existem muitos rankings de liberdade e democracia, elaborados com diferentes critérios, por diferentes organizações. Classificações como essas são meramente indicativas e não trazem consequências automáticas em instâncias judiciais. Elas são, no entanto, um termômetro que goza de credibilidade e influencia as políticas dos diferentes Estados e organizações internacionais em relação a um determinado país.
No ranking da ONG do centro de estudos americano Freedom House, por exemplo, o Brasil é um país considerado “livre”, no qual existem “eleições competitivas” e onde a “arena política, embora polarizada, é marcada por um vibrante debate público”.
A Freedom House coincide com a avaliação da ONG Repórteres Sem Fronteiras, no entanto, de que “os jornalistas independentes e os ativistas da sociedade civil correm o risco de sofrer assédios e ataques violentos” no país.
Há três classificações possíveis no ranking da Freedom House: livre, parcialmente livre e não livre. Na América do Sul, Brasil, Chile, Argentina e Uruguai são “livres”. A Venezuela é “não livre”, enquanto Peru, Equador, Bolívia, Colômbia e Paraguai são “parcialmente livres”.
Alguns governos também produzem seus próprios relatórios anuais. O Departamento de Estado americano, por exemplo – que é o Ministério das Relações Exteriores dos EUA –, publicou no fim de março o seu próprio documento. Nele, diz que Bolsonaro “nem sempre respeitou” a liberdade de imprensa no Brasil.
A liberdade de imprensa é parte do direito mais amplo à liberdade de expressão, garantida no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sua existência é considerada fundamental para a proteção de diversos outros direitos, por meio do trabalho de fiscalização do poder público que os jornalistas realizam, como explicou o assessor regional de Comunicação e Informação da Unesco, órgão das Nações Unidas para Educação e Cultura, Guilherme Canela, em entrevista ao jornal Nexo sobre esse tema, em outubro de 2018.
O governo brasileiro não reagiu especificamente aos relatórios que citam a deterioração da liberdade de expressão no país. Desde pelo menos a campanha presidencial de 2018, Bolsonaro coleciona ameaças, ofensas e intimidações contra a imprensa. Para o jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, doutor em comunicação e ex-presidente da Radiobras, a atitude do presidente não é comparável a de nenhum outro presidente no período da redemocratização.