Os vetos de Bolsonaro à lei de proteção de indígenas e quilombolas

Jair Bolsonaro vetou na quarta-feira (8) uma série de medidas destinadas à saúde de povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais durante a pandemia do novo coronavírus.

O presidente vetou 16 itens de um projeto de lei aprovado pelo Senado em 16 de junho de 2020. Os vetos ainda podem ser derrubados pelos parlamentares.

O objetivo do projeto e os itens vetados


O projeto de lei aprovado no Congresso atribui à União a coordenação geral da proteção dessas populações. O trabalho deve ser feito em parceria com estados, municípios, organizações da sociedade civil e comunidades locais.

Bolsonaro derrubou trechos que obrigavam o governo a fornecer água potável e materiais de higiene e limpeza, instalação de internet e distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas para as aldeias.

O presidente também vetou a liberação de verba emergencial para a saúde indígena e a obrigação de o governo oferecer mais leitos hospitalares e de UTI e ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea a povos indígenas e quilombolas.

Em outro veto, Bolsonaro rejeitou a determinação que exigia do governo a facilitação do acesso ao auxílio emergencial, oferecido pelo governo federal durante a pandemia, a indígenas e quilombolas.

Entre os artigos mantidos pelo presidente, está a autorização da permanência de missões religiosas que já se encontram em áreas onde vivem indígenas isolados. Esse item recebeu críticas de lideranças indígenas após sua aprovação no Congresso.

A justificativa para os vetos foi de que as determinações criam uma despesa obrigatória ao poder público, mas sem detalhar qual seria o impacto financeiro e orçamentário, o que é inconstitucional.

A reação de parlamentares de oposição


O texto do projeto classifica as comunidades como “grupos em situação de extrema vulnerabilidade e, portanto, de alto risco e destinatários de ações relacionadas ao enfrentamento de emergências epidêmicas e pandêmicas”.

No Congresso, parlamentares de oposição pressionam o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a reunir deputados e senadores em sessão conjunta com o objetivo de derrubar os vetos o quanto antes.

“É uma covardia sem precedentes. Em uma das piores crises da história do país não há compromisso algum com a vida dos mais vulneráveis”, disse Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator do projeto, ao jornal O Estado de S. Paulo.

“Os vetos revelam que o plano do presidente é não ter plano nenhum. A essa altura, a sua reiterada omissão, numa grotesca versão do ‘E daí?’, caracteriza uma postura genocida”, afirmou o ISA (Instituto Socioambiental), em nota.

O governo e a questão indígena


O governo Bolsonaro tem se caracterizado por ações que questionam direitos de povos indígenas e debilitam políticas dirigidas a essas populações. O presidente tenta permitir a realização de atividades como mineração e extração de madeira em terras indígenas. Também afirmou não ter a intenção de autorizar a demarcação de novas terras indígenas.

Um reflexo desses posicionamentos é o aumento de 59% do desmatamento em terras indígenas da Amazônia brasileira nos quatro primeiros meses de 2020, em comparação ao mesmo período de 2019. Os dados são do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Duas mulheres e um homem indígenas, usando máscaras de proteção no rosto, estão em frente a um edifício no qual se lê “Associação das Mulheres Indígenas Sateré Mawé”. Uma das mulheres está com algumas sacolas cheias.
MULHERES INDÍGENAS VENDEM MÁSCARAS DE PROTEÇÃO EM MANAUS

Bolsonaro ecoa um antigo discurso de setores militares de que terras indígenas constituem ameaça à soberania nacional pois seriam territórios em que atuam potências estrangeiras, por meio de ONGs e ambientalistas. Em fevereiro de 2020, o presidente afirmou que ter 14% do território “demarcado como terra indígena, é um tanto quanto abusivo”.

“Não existe política pública que atenda as necessidades dos povos indígenas conforme a realidade dessas populações. A Funai [Fundação Nacional do Índio] se encontra completamente sucateada e é manejada conforme o desejo do governo federal que é um governo anti-indígena. Por isso, o projeto precisa ser aprovado na íntegra”, afirmou ao Nexo Paulo Tupiniquim, coordenador-geral da Apoinme (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo) e coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

A determinação do Supremo


Na mesma quarta-feira (8), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o governo federal deve adotar cinco medidas para proteger comunidades indígenas da covid-19. Barroso concede liminar a uma ação apresentada pela Apib e por seis partidos: PSB, Psol, PCdoB, Rede, PT e PDT.

As medidas determinadas
-GABINETE

Criação de gabinete de crise para lidar com a situação indígena. Os membros deverão ser escolhidos em 72 horas a partir do conhecimento da decisão. A primeira reunião online deve acontecer dentro de 72 horas depois da indicação dos representantes, que devem incluir pessoas da comunidade indígena, da Procuradoria-Geral da União e da Defensoria Pública da União

-BARREIRAS

Elaboração de plano de formação de barreiras sanitárias em terras indígenas a partir de informações preparadas pelo gabinete de crise. Prazo de dez dias depois de notificada a decisão do Supremo

-ACESSO AO SUS

Garantia de que indígenas possam acessar o SUS (Sistema Único de Saúde)

-PLANO GERAL

Preparação em 30 dias de um plano geral de enfrentamento da covid-19 para essas populações. Comunidades indígenas e o Conselho Nacional de Direitos Humanos devem participar de sua elaboração

-CONTENÇÃO

Dentro do plano geral de enfrentamento da covid-19, o governo deve estabelecer medidas de contenção de invasores e proteção a territórios indígenas

A covid-19 e os indígenas


A precariedade dos serviços de saúde disponíveis, a dependência de benefícios do governo que precisam ser retirados em áreas urbanas e a falta de proteção contra seguidas invasões de seus territórios aumentam os riscos de exposição ao vírus por parte das populações indígenas.

12.048

é o número de casos de covid-19 entre populações indígenas, segundo dados da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) até 8 de julho de 2020.

446

é o número de indígenas mortos pela covid-19 até 8 de julho de 2020, segundo a Apib

122

é o número de povos afetados pela doença, quase metade do total do país, segundo a Apib

A contagem da Apib produz números bem mais altos que os números informados pelo Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Para lideranças indígenas, trata-se de uma estratégia de subnotificação do governo.

A metodologia da Sesai conta apenas indígenas nas aldeias, excluindo os que moram em áreas urbanas, que perfazem 36% da população indígena do país.

Entre os quilombolas, a covid-19 infectou mais de 2.500 pessoas e matou 127, de acordo com dados da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), de 6 de julho.

Na Amazônia, o novo coronavírus vem matando mais indígenas em relação à média nacional. A taxa de mortalidade é 150% maior, segundo análise da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e do Ipam (Instituto de Pesquisa da Amazônia), divulgada em 22 de junho.

As mortes têm levado comunidades a sofrerem traumas que vão além da perda de um familiar ou pessoa próxima. A quantidade expressiva de indígenas mais velhos que vêm sucumbindo à covid-19 têm impacto em toda a coletividade, uma vez que eles atuam como conselheiros e guardiães de sabedoria e tradições em sociedades caracterizadas pela transmissão oral da história, das tradições e informações de gerações anteriores.

nexojornal

Índios e quilombolas protestam por bolsas de estudos em universidades

Um grupo de indígenas e quilombolas fez um protesto hoje (19) em frente ao Palácio do Planalto contra cortes à assistência estudantil e pela garantia permanente de liberação de bolsas universitárias. Classificando a demora na concessão da bolsa permanência, que para 2018 só foi autorizada na semana passada, cerca de 150 jovens de diferentes etnias se revezaram em danças típicas e cantos de protesto.

Durante pouco mais de uma hora, eles bloquearam uma das faixas da Esplanada dos Ministérios, avenida que fica entre o Planalto e o Congresso Nacional, a espera de uma resposta do governo sobre as reivindicações. Segundo eles, as negociações anteriores com o Ministério da Educação não surtiram o efeito desejado, apesar da autorização de 2,5 mil bolsas de estudos para o segundo semestre deste ano. Eles argumentam que a demanda anual é de 5 mil vagas e que as bolsas liberadas terão repasse somente no prazo de dois meses.

A estudante de química Roseli Batalha Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), pertence à etnia Omágua/Kambeba, que fica no município São Paulo de Olivença (AM), no Alto Solimões. “Hoje em dia tem 42 etnias estudando na Ufscar. Entraram 76 estudantes este ano e até agora o ministro não tinha liberado as bolsas permanências que auxiliam os estudantes nas universidades”, afirmou.

Segundo ela, os estudantes protestam também contra a possibilidade de o Plano Nacional de Assistência Estudantil passar a ser administrado pelo Ministério da Educação, e não por cada centro universitário. “Isso não pode acontecer. Lutamos para continuar essa gestão nas universidades”, disse Roseli,

Para Joane Santos, estudante de Filosofia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, outra demanda dos estudantes é para que a forma de repasse das bolsas seja garantida por meio de uma legislação que não dependa de portarias periódicas. “A gente não quer ter que se deslocar até Brasília todos os semestres para se preocupar com nossa permanência na universidade. Estamos lutando para ter visibilidade e para que eles não esqueçam que estamos aqui não para pedir um favor, e sim reivindicando uma coisa que é nossa”, disse.

O Palácio do Planalto e o MEC ainda não se manifestaram sobre o protesto.