Após demissão coletiva, PGR pede providências sobre futuro das investigações da Lava Jato em SP

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, solicitou nesta quinta-feira (3) providências de diferentes instâncias do MPF (Ministério Público Federal) para garantir a continuidade das investigações da Lava Jato em São Paulo, após o pedido de demissão coletivo de integrantes da força-tarefa no estado.

A PGR (Procuradoria Geral da República) afirmou, em nota, que há preocupação com o andamento das apurações, com prazos processuais e prescrição punitiva.

Humberto Jacques durante audiência pública sobre decisão do STF em 2019 – Roberto Jayme – 3.mai.2019/Folhapress

Os oito procuradores da Lava Jato em São Paulo pediram para deixar seus cargos no grupo, em ofício apresentado à PGR nesta quarta-feira (2).

A decisão foi uma resposta a divergências do grupo com a procuradora Viviane de Oliveira Martinez, titular do ofício no MPF de São Paulo responsável por casos da operação.

O pedido de providências de Medeiros foi feito à procuradora Viviane Martinez, à chefia da Procuradoria da República no estado, a 5ª CCR (Câmara de Combate à Corrupção), instância vinculada à PGR, e à Corregedoria do MPF.

O vice-procurador-geral solicitou que sejam indicadas quais providências podem ser adotadas para administrar o acervo e fazer a redistribuição emergencial.

O representante da PGR comentou que o pedido coletivo de demissão se trata de um “revés”, mas não há possibilidade de não acolhimento.

É preciso buscar, frisou ele, uma solução que impeça a interrupção dos trabalhos, “até mesmo pelo risco de prescrição, que é permanente em matéria penal”.

De acordo com a legislação, câmaras de Coordenação e Revisão do MPF têm a prerrogativa de “resolver sobre a distribuição especial de inquéritos, feitos e procedimentos, quando a matéria, por sua natureza ou relevância, assim o exigir”.

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Ordem de Toffoli divide STF, e ministros pró-Lava Jato se articulam para derrubar decisão

A ala do STF (Supremo Tribunal Federal) favorável à Lava Jato se articula para derrubar a decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, de determinar o compartilhamento de todos os dados de investigações da operação com a PGR (Procuradoria-Geral da República).

Uma das estratégias pensadas para forçar o julgamento do tema é o relator, ministro Edson Fachin, incluir o caso em agosto, na volta do recesso, no plenário virtual, que não depende do presidente para ser pautado.

Assim, a decisão seria discutida online ou Toffoli se veria obrigado a levar o tema para análise conjunta por videoconferência, como vêm sendo realizadas as sessões da corte.

Nos bastidores, a decisão liminar (provisória) de 8 de julho dividiu o tribunal e, na avaliação de ministros ouvidos reservadamente, pode até ser derrubada caso venha a ser debatida por todos os integrantes.

A decisão de Toffoli foi tomada a pedido da PGR, que relatou ao Supremo ter enfrentado “resistência ao compartilhamento e à supervisão de informações” dos procuradores da República.

Uma ala da corte, porém, considerou que a ordem de Toffoli foi muito ampla e não respeitou a jurisprudência atual sobre a necessidade de indicação de fatos e pessoas específicas para justificar o acesso a dados sigilosos.

Os ministros lembram que o STF que costuma se unir para julgar temas sociais e também para invalidar medidas do governo federal sobre o novo coronavírus não é o mesmo quando estão em jogo os rumos da Lava Jato.

Assim, essa deve ser mais uma decisão importante para a jurisprudência em relação aos chamados crimes do colarinho que rachará a corte. Em situações similares, a Lava Jato acumulou vitórias e derrotas no Supremo, com placares apertados.

Foi o caso, por exemplo, dos julgamentos da prisão após segunda instância, da competência da Justiça Eleitoral para analisar crimes comuns conexos a delitos eleitorais e do que discutiu se o Congresso teria a palavra final sobre ordens judiciais que interfiram em mandato eletivo.

Em todos os casos, os ministros Edson Fachin, relator da Lava Jato na corte, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux ficaram unidos a favor da decisão mais benéfica para a operação, enquanto Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski lideraram a ala oposta.

Os outros cinco integrantes do STF oscilam, e suas posições costumam determinar o rumo do julgamento.

Assim, a única forma de isso não se repetir, na avaliação de integrantes da corte, é se forem reveladas condutas muito graves por parte dos procuradores.

Nesse caso, poderia ocorrer algo similar ao que se deu com o inquérito das fake news, que foi criticado inicialmente, mas ganhou maioria na corte após a revelação da existência de uma rede profissional de ataques ao Supremo.

No cenário atual, nem a hipótese de a Lava Jato ter investigado sem autorização judicial os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), seduz a ala lavajatista do STF a se alinhar a Toffoli.

Nesse caso, dizem, o mais correto seria a PGR requerer o intercâmbio de dados relacionados às pessoas especificamente atingidas pela apuração ilegal, e não uma solicitação geral, como foi feito.

Outro ponto que suscitou estranheza no STF foi o momento escolhido para apresentar a ação.

A PGR havia requisitado acesso aos dados em 13 de maio, mas deixou para fazer o pedido no início do recesso, com Toffoli na chefia do plantão e a tempo de escapar de Fachin, relator natural do caso e contumaz defensor da atuação dos procuradores.

O presidente da corte também optou por dar a decisão logo no começo das férias, o que dará tempo para a PGR ter conhecimento dos dados antes de o tema ser discutido no plenário.

A ordem de Toffoli foi concedida às forças-tarefas da operação em Curitiba, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os três grupos irão recorrer, mas ainda não definiram o meio processual mais conveniente para tentar reverter a decisão.

Mesmo que a PGR tenha acesso a todos os dados já no recesso, uma decisão do plenário sobre o tema deve definir se a Procuradoria poderá, de fato, usar os elementos colhidos para abrir procedimento contra os procuradores.

Dois dias depois da decisão, a ONG Transparência Internacional criticou o despacho de Toffoli e disse que o entendimento “ameaça gravemente a autonomia dos órgãos de investigação”.

Gilmar, por sua vez, usou as redes sociais para elogiar a decisão e disse que “os episódios recentes provam que é imperativo aprimorar a governança do Ministério Público”, além de destacar o princípio da unidade do órgão.

Integrantes do tribunal também fazem uma vinculação entre a decisão de Toffoli e o julgamento de maio em que o STF barrou medida provisória do governo que determinava o compartilhamento de dados de companhias telefônicas com o IBGE.

No caso envolven do o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, foi a primeira vez em que o STF reconheceu a proteção de dados dos cidadãos como direito fundamental autônomo.

Com isso, essas informações ganharam uma segurança constitucional que reforça a necessidade de decisão judicial contra pessoas específicas e com condutas individualizadas para justificar o acesso irrestrito ao banco de dados da Lava Jato.

No pedido para verificar os elementos colhidos pela apuração, a PGR sustentou que as informações serviriam para subsidiar a atuação de Aras, o que inclui zelar pelo efetivo respeito aos Poderes públicos e coordenar as atividades do MPF (Ministério Público Federal).

Ao dar decisão favorável, Toffoli disse que a jurisprudência atual do Supremo prevê esse tipo de compartilhamento dentro do mesmo órgão e ressaltou que a postura da Lava Jato viola o princípio da unidade do Ministério Público.

ENTENDA O CASO

O que Toffoli decidiu
O presidente do STF determinou, no último dia 9, que a equipe da Lava Jato envie à PGR todos os dados de investigações já colhidos, no âmbito da operação, pelas forças-tarefas de Curitiba, do Rio e de São Paulo. O ministro invocou o princípio da unidade do Ministério Público Federal

O que dizem os defensores da medida  
A PGR sustenta que as informações serviriam para subsidiar a atuação de Augusto Aras, o que inclui zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos e coordenar as atividades do MPF, decidindo eventualmente sobre qual esfera toca determinadas investigações

O que dizem os críticos da medida  
Procuradores falam em perda de autonomia e risco de excessiva centralização de poder. Outro foco de descontentamento é a proposta de criação de um órgão de inteligência que concentraria os dados. O coordenador dessa unidade seria escolhido por Augusto Aras

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