O ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou na terça-feira (21) a primeira parte de seu projeto de reforma tributária. O texto foi entregue aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
A primeira etapa da proposta de Guedes unifica dois tributos federais sobre consumo: o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social). A ideia é que os dois tributos sejam unificados em um único imposto, chamado de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – a CBS.
Além de PIS e Cofins, há outros tributos no Brasil que incidem sobre o consumo. É o caso do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – principal fonte das receitas tributárias dos estados – e do ISS (Imposto sobre Serviços), tributo municipal. Esses tributos não foram incluídos na primeira parte da proposta de reforma do governo.
A promessa do governo é de não aumentar ou diminuir a carga tributária relativa a PIS e Cofins, e sim simplificar o recolhimento. Sai a possibilidade de cobrança cumulativa – em cascata, feita de forma reincidente em todas as etapas do processo produtivo – e entra um regime não cumulativo, que dá direito a crédito tributário. Créditos tributários são valores gerados em favor das empresas junto à Fazenda pela compra de insumos que já têm embutidos em seus preços valores de impostos cobrados em outras etapas do processo produtivo. A alíquota geral da CBS proposta no texto é de 12%. Mas há exceções: alguns setores terão de arcar com alíquotas diferentes.
Exceções do texto
O texto traz ainda outros pontos importantes sobre a unificação de PIS e Cofins. Um deles é a alíquota menor para bancos, planos de saúde e seguradoras. Para essas empresas, o regime de tributação será diferente, com cobrança de 5,8%, e não de 12%. Segundo o governo, isso ocorre por motivos técnicos: esses setores não geram e não se apropriam de créditos tributários como outros. Portanto, não faria sentido cobrar a mesma alíquota.
Já igrejas, partidos políticos, sindicatos e condomínios edifícios residenciais ficam isentos do novo tributo. Receitas do transporte público municipal também não serão sujeitas à cobrança. Essas atividades já são isentas do pagamento do PIS e da Cofins, o que continuará sob o novo tributo.
Combustíveis, como gasolina, óleo diesel e querosene terão um regime diferente de tributação. Os cigarros, por sua vez, seguirão tendo a mesma tributação mais elevada, com contribuição fixa de R$ 1,10 por unidade (maço), mais uma taxa de 22% sobre o preço total.
O texto mantém a desoneração de produtos da cesta básica, como farinha, carnes e leite. Antes da apresentação do projeto, a equipe econômica estudava tributar esses bens, mas desistiu da ideia diante da provável resistência que ela geraria entre políticos e sociedade civil. As isenções da Zona Franca de Manaus também foram mantidas.
O fatiamento da reforma
A equipe econômica do governo diz que a reforma tributária será apresentada aos poucos, de forma fatiada. O texto entregue na terça-feira (21), portanto, seria apenas a primeira parte de um conjunto maior de mudanças tributárias propostas pelo governo.
Os detalhes das fases seguintes ainda não são conhecidos. Apenas se sabe as linhas gerais das propostas. A equipe econômica afirma que as demais etapas devem ser apresentadas até o final de agosto.
Uma das fases consistirá na simplificação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). O arquivo da tabela de incidência de alíquotas do IPI tem mais de 400 páginas. Um exemplo de especificidade das regras do IPI é a tributação do rum. A bebida que vier da destilação (após fermentação) da cana de açúcar, paga 25% de IPI. Já o rum que vier do melaço da cana tem alíquota maior, de 30%. A ideia será revisar o imposto, que tem regras complexas.
Outra fase da reforma do governo trará uma mudança nas regras do Imposto de Renda. Ainda não há detalhes sobre números envolvidos, mas se sabe que Guedes pretende reduzir a alíquota do Imposto de Renda de pessoas jurídicas, aumentar a faixa de isenção para pessoas físicas e diminuir as deduções. Também se discute a taxação de lucros e dividendos de acionistas das empresas. Na regra atual, apenas as empresas são tributadas pelo lucro.
A outra etapa da reforma será a desoneração da folha de pagamentos, para aliviar o peso de tributos pagos por empresários e tentar estimular a criação de empregos. A desoneração significa que os encargos da folha salarial serão reduzidos ou zerados – repetindo a estratégia já usada por governos anteriores, considerada um fracasso especialmente na presidência de Dilma Rousseff (2011-2016).
Para compensar a perda de arrecadação com a desoneração da folha, o governo pretende criar um imposto sobre transações eletrônicas, com alíquota de 0,2%. A proposta é um dos pontos mais polêmicos da discussão da reforma tributária no Brasil, por sua semelhança com a antiga CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, extinta em 2007 no Brasil. A ideia é defendida por representantes do setor de serviços.
Em setembro de 2019, o Nexo conversou com o economista Pedro H. Albuquerque, que apontou que esse tipo de imposto pode ter efeitos negativos sobre a economia brasileira. Segundo Albuquerque, os impactos vão desde a diminuição do uso do sistema bancário (desintermediação financeira) até uma redução da arrecadação do governo.
As outras propostas no Congresso
A proposta de unificação do PIS e da Cofins entregue por Guedes não é exatamente nova. Há outros dois projetos que tramitam no Congresso desde 2019 que também discutem a unificação de tributos: a PEC 45, que tramita na Câmara, e a PEC 110, que está no Senado. Ambas preveem uma simplificação mais ampla do sistema tributário do que o projeto de lei de Guedes.
A principal diferença entre os projetos é o escopo de tributos que seriam unificados. A PEC 45, elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal e apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), prevê a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que substitua não apenas PIS e Cofins, como também o IPI, o ICMS e o ISS.
Já a PEC 110, idealizada pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e assinada por 65 senadores, prevê a substituição de nove tributos por um só, unificado. Além dos mesmos tributos contemplados pela PEC 45, a proposta inclui o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), o CIDE-Combustíveis e o Salário-Educação. O texto também prevê a extinção da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
Em fevereiro de 2020, uma comissão mista de senadores e deputados foi instalada para analisar as propostas de reforma tributária antes de irem para votação. A ideia era alinhar as duas propostas – uma negociação conjunta entre as duas casas aceleraria a tramitação. A comissão teve as atividades paralisadas por conta da pandemia do novo coronavírus, mas pode voltar ainda no final de julho. O projeto do governo também deve ser analisado pela comissão, que ainda não tem calendário de análises definido.