Por Padre Manoel Costa* – Na quarta-feira após o carnaval, quarta-feira de cinzas, começa para a Igreja Católica o tempo da Quaresma. O tempo quaresmal está fortemente relacionado à profunda busca existencial do sentido da vida que habita todo ser humano.
Entretanto, a vivência rotineira e exterior ao longo de gerações e as mudanças profundas pelas quais tem passado a cultura “esvaziaram” o sentido profundo da quaresma e sua íntima relação com as questões existenciais humanas.
Não podemos nos desviar da seguinte pergunta: A quaresma ainda tem sentido em nossos dias? Teria ela algo a dizer que se relacione com a busca comum dos seres humanos por felicidade e realização em suas vidas?
Para muitos, quaresma é um período onde é necessário se privar de muitas coisas boas: o chocolate é a penitência clássica, ao redor do mundo; apareceu a privação da internet, – coisa do século XXI; o “jejum” de televisão; parar de fumar (e beber) parece ser a penitência mais difícil.
É necessário reconhecer! Tudo isso não é muito motivador: ninguém gosta de privações. Faz mal!
Ademais, a cultura atual é herdeira de uma concepção de VERDADE que os estudiosos chamam de “hermenêutica”, uma condição transcendental do homem por ele mesmo.
Isto coloca o “eu” em primeiro plano: a forma como ele interpreta os acontecimentos relacionados a si e ao mundo define o que é a verdade. A responsabilidade de procurar um sentido à vida rompe os limites do tradicional. Torna-se importante e verdadeiro o que é capaz de oferecer soluções rápidas – “no mais curto espaço de tempo” – às situações diversas da vida. Renúncia reconhecimento de fragilidade, ou limite a vontade humana, são termos de pouca popularidade.
O sentido da quaresma deriva do coração da fé cristã. A fé tem o potencial de marcar com um forte traço de esperança a vida humana. Ela oferece uma resposta à busca existencial de sentido para o viver.
Ela confere à existência humana uma finalidade transcendente e eterna, libertando-a da asfixia do medo, da vaidade e do fechamento em si mesmo.
A fé cristã é a expressão do plano de Deus (que Cristo levou a plenitude): a restauração o gênero humano em sua unidade originária e de sua íntima união com Deus e com o mundo. A Igreja manifesta e antecipa, como sinal, as promessas da fé.
Desse modo, a quaresma é o tempo de preparação de quarenta dias para nos fazer mergulhar no coração da fé cristã.
A quaresma é marcado por simbolismos: cinzas sobre a cabeça, cor roxo, deserto, sobriedade de vida. O simbolismo deste tempo está associado a duas dimensões da realidade humana: à sua fragilidade, seu aspecto efêmero e sujeito a mudanças; e ao seu potencial de renascimento, de recomeço por meio da escolha de Deus e do distanciamento do mal.
A Igreja propõe três praticas concretas para este tempo: oração, jejum e caridade. Tais praticas têm por objetivo pedagógico conduzir o ser humano por um caminho que conduza à mudança de vida, por meio da revisão interior que ajude a rever o lugar que ocupam determinadas coisas, rever certas vontades que podem asfixiar o eu, impedindo a liberdade. O objetivo é simples: é sempre muito bom de se “libertar” de si mesmo.
O Jejum não se reduz a privação. Ele torna-se caminho de liberdade. Aceitando de “organizar” os desejos que habitam o coração humano, de identificar a quais coisas se é mais dependente, cria-se espaço ao mais profunda da existência: menos centrado em si mesmo, sobre os pequenos prazeres, tornar-se mais atenta ao exterior, ao próximo, à comunidade.
A Caridade não se limita a “dar esmola”. Ela permite viver a fraternidade e a solidariedade: o outro é meu irmão!
A Oração tira da superficialidade para conduzir ao essencial: a existência de cada pessoa é fruto de gratuidade. Não somos a origem de nossa vida. “Você que habita a sombra do Onipotente. Diga a Javé: ‘Meu refúgio, minha fortaleza, meu Deus, eu confio em ti!’ (Sl 91, 1-2).
“Tu nos criastes para ti senhor, o nosso coração não descansará enquanto não repousar em ti” (Santo Agostinho)
* Reitor da Catedral Nossa Senhora de Nazaré