Por Luan Cesar
“Futebol não é lugar de mulher”, “ela não sabe ensinar, isso é coisa de homem”. Mesmo ignorantes e chocantes, essas são algumas frases que a técnica Neila Rosas, que comanda o time feminino do Atlético Acreano, e a coach de Crossfit Angela da Silva tiveram que ouvir ao longo da carreira.
Por ocuparem espaços historicamente dominados por homens, elas enfrentaram muito preconceito e rejeição, mas nunca se abateram e conquistaram com suor seus respectivos espaços.
Rotuladas de sexo frágil, as mulheres conquistaram espaços de destaque na sociedade. Elas batalharam pelo direito de estarem nos campos de futebol, nas quadras, piscinas e todo complexo esportivo onde antes os homens eram a totalidade, principalmente nas competições. E mesmo conquistando espaço e brilhando dentro das quadras como campeãs/vencedoras de seus próprios limites, ainda nos dias atuais elas precisam romper os existentes preconceitos de gênero no esporte.
Técnica em administração e cursando Educação Física, Neila iniciou no futebol aos 14 anos quando começou a acompanhar os irmãos nas peladas do bairro em que moravam. Três anos depois, ela começou a atuar profissionalmente participando de treinos e competições em diversos times. O primeiro obstáculo para seguir a carreira veio após o casamento, o ex-marido não aprovava a participação dela nos eventos esportivos e também não a acompanhava aos estádios.
“Depois da separação voltei a jogar novamente e estou até agora na área. Na época em que comecei era bem difícil, as pessoas tinham muito preconceito e ninguém valorizava. Isso fez com que muitas mulheres boas de futebol parassem de jogar, o que é muito triste. Comecei profissionalmente em um time pequeno chamado Sagrada Família, que era formado somente por mulheres casadas. Passei por diversos lugares e acabei jogando no Santa Cecília, time pequeno”, conta Neila.
Uma fratura no joelho a impediu de continuar atuando como jogadora. Entretanto, a habilidade fez com que ela fosse chamada para ajudar o técnico do time nos treinos. Não demorou muito e ela passou a comandar a equipe, que há nove anos virou a base feminina do Atlético Acreano. Mesmo sendo a técnica de um time formado somente por mulheres, a maioria dos grupos ainda são comandados por homens e o preconceito voltou como obstáculo no cotidiano profissional da treinadora.
“Uma vez estava com as meninas jogando no estádio Arena da Floresta e o técnico do outro time, que estava na arquibancada alcoolizado, começou a proferir ofensas contra as jogadoras. Dizendo que elas eram homossexuais por jogar futebol. Aquilo me deixou com raiva e fui questioná-lo o motivo de distribuir ofensas gratuitas. Não se dando por satisfeito, ele também me ofendeu e ingressou com uma ação na Justiça alegando agressão física da minha parte”, relembra a técnica.
Formada em Educação Física e atuando na área há 10 anos, a coach de Crossfit Angela da Silva não enfrentou xingamentos no exercício da profissão. Com ela o preconceito foi mais sutil, mas não menos avassalador e perceptível. No início da carreira veio como personal trainer em academias de Rio Branco, apesar da acolhida dos demais profissionais da área, ela teve que enfrentar a falta de respeito da maioria dos alunos que já frequentavam os espaços há muito tempo.
“Como eles treinavam há muito tempo, não processavam a informação de que eram treinados por uma mulher. Isso fez com que muitos não me respeitassem no início. Quando chegava uma mulher para instruí-los e treiná-los, os homens criavam uma barreira para se ‘submeter’ a alguém do sexo feminino. Já passei por inúmeras situações de falta de respeito por mim enquanto profissional e mulher, mas sempre relevei e tentei ajudar. A minha parte eu fiz, sempre tentei ajudar”, enfatiza a coach.
Entre as situações marcantes, ela relembra que um aluno contrário a sua posição de educadora na academia, simplesmente a ignorava e não falava com ela durante os treinos, deixando-a falar sozinha.
Em outro episódio o praticante dava claros sinais de que não gostava de ser treinado por ela por ser mulher e chegou a verbalizar a insatisfação para a própria. Porém, Angela sempre se impôs como profissional e nunca se deixou abater por situações que a atacavam diretamente por ser do sexo feminino.
“Eu conquistei o espaço de respeito que tenho hoje por meio do estudo, ter conhecimento é tudo. Quando percebia que os homens não gostavam de treinar comigo por ser mulher, eu explicava para eles como realizar uma série de exercícios e porque ela tinha que ser feita daquela forma. Sempre uni a base teórica com a prática para que eles entendessem que eu não estava ali somente para falar por ser treinadora, mas sim para ajudá-los de maneira benéfica”, pontua a educadora física.
Conquista
Angela e Neila são exemplos claros de que não foi fácil para as mulheres conquistarem espaço no esporte. Somente com o surgimento da industrialização e da era moderna é que as mulheres começaram a se organizar e a lutar por um ambiente menos hostil e mais igualitário ao lado dos homens nesta área.
Elas tiveram que passar por grande esforço físico, pois era de conceito geral a fragilidade do próprio corpo feminino, e ainda quebrar a barreira que a principal tarefa da mulher era apenas a reprodução. Além disso, havia o “tabu” de que o esporte pudesse masculinizar as mulheres. Hoje há bons exemplos de mulheres presidentes de clubes, árbitras e jogadoras de futebol.
A luta delas – que levou a participação feminina em modalidades esportivas apenas nos Jogos Olímpicos de 1900, quando 11 mulheres foram até Paris, na França, para participar do I Jogos Olímpicos da Era Moderna – fez com que muitos avanços na área fossem conquistados ao longo dos anos. Mesmo ainda tendo que conviver com episódios de preconceitos de gênero nas mais diversas modalidades, hoje as mulheres são uma força essencial para a conquista de títulos e representação.
Exemplo disso é a engenheira civil Camila de Souza. Praticante de Jiu-Jitsu há três anos, ela afirma que não enfrentou preconceito por ser mulher na academia em que treina e nas competições que já participou.
“Não sei se é por conta do espaço, mas sempre fui bem recebida e as pessoas nunca me destrataram ou faltaram com o respeito. Mesmo existindo alguns homens que não aceitam perder para uma mulher, não houve preconceito comigo por parte dos colegas em nenhum momento”.
A dedicação da esportista, que também é turismóloga, fez com que ela fosse inserida em uma competição oficial com apenas cinco meses de treino. Mesmo com o nervosismo e o medo, ela topou participar do campeonato na categoria adulto feminino.
“O mestre pediu para eu participar e com receio recusei de início. Mas acabei participando e encarei o desafio. Eu conquistei o primeiro lugar na minha categoria e conquistei o segundo lugar na modalidade absoluto”, lembra ela.
Mesmo não tendo enfrentado nenhum tipo de preconceito, Camila reconhece que a naturalidade da participação feminina no esporte é resultado de uma luta intensa e constante que muitas mulheres travaram ao longo dos anos pelo direito de espaço. “Realmente tem pessoas que não respeitam, mas a atividade [Jiu-Jitsu] em si mostra que você pode ser melhor do que já é. Eu me sinto assim, meu quimono serve como armadura, meus medos acabam. Me sinto mais forte, preparada para lutar e vencer”, finaliza a engenheira civi