Crise climática e desmatamento da Amazônia podem deixar mais de 11 milhões de brasileiros sob calor intenso

Somente parar de desmatar não é mais suficiente, diz pesquisador

destruição contínua da Amazônia, aliada a crise climática global, pode deixar milhões de brasileiros vivendo sob calor intenso, com sensações térmicas que podem se aproximar ou superar os 34º C —na sombra.

Essa situação de estresse térmico atingiria principalmente a região Norte do país e pode causar uma série de problemas de saúde para a população local, além do potencial prejuízo para o mercado de trabalho. Sem contar o potencial de aumentar a mortalidade em faixas mais vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas com determinados problemas de saúde —mortes que já vemos em ondas de calor que ocorrem atualmente no mundo.

Uma nova pesquisa publicada na revista Communications Earth & Environment (do grupo Nature), na manhã desta sexta (1º) chegou a essa conclusão aplicando modelos matemáticos para a situação climática brasileira.

Desmatamento recente no município de Apui, no sul do Amazonas
Desmatamento recente no município de Apui, no sul do Amazonas – Lalo de Almeida/ Folhapress

Para fazer isso, os cientistas primeiro se basearam em dois cenários —um intermediário (RCP4.5) e um mais pessimista (RCP8.5)— criados pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima) para estimar como ficará a emissão de gases do efeito estufa nos próximos anos. Com isso, os pesquisadores foram capazes de apontar como, até o final do século, essa elevação global de temperatura se relacionaria com um processo conhecido como savanização da Amazônia.

A ideia desse conceito é que devido ao desmatamento, a floresta tropical com o tempo vai se transformar cada vez mais em bioma semelhante ao das savanas —um bioma com vegetação mais parecida com o cerrado brasileiro, com árvores de menor porte e mais esparsas.

Diversos estudos e projeções, inclusive, apontam que com o atual ritmo de destruição e degradação da Amazônia, esse cenário não está tão distante assim.

“As indicações são contundentes de que a floresta está em um processo avançado de savanização”, afirma Paulo Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um dos autores do estudo.

Considerando ainda que a floresta é uma gigantesca bomba de água para a atmosfera, é de se esperar que o processo de savanização interfira na umidade e nas temperaturas da região —isso sem contar nas chuvas no resto do continente.

A soma da crise climática e da savanização levaria mais de 6 milhões de pessoas a um extremo risco térmico à saúde, com sensações térmicas próximas dos 34°C —isso no cenário intermediário de emissões do IPCC. Já se as piores previsões se confirmarem, a quantidade de brasileiros que estará exposta a esse estresse térmico extremo saltará para mais de 11 milhões.

“Uma das coisas que mais chamou a atenção é que o efeito do desmatamento tem a mesma magnitude do efeito total das mudanças climáticas”, afirma Nobre.

O limite de temperatura associado ao extremo risco à saúde humana começa na casa dos 34°C, como aponta a pesquisa. As simulações dos pesquisadores mostram que, no mês mais quente, a média diária de máxima de temperatura na sombra é maior que essa tempetura, chegando a uma máxima de 37°C no cenário intermediário do IPCC e de 41°C, no pessimista.

Nas simulações com a presença da floresta tropical, essas elevadas temperaturas não foram alcançadas.

Segundo os pesquisadores, as pessoas seriam expostas por, no mínimo, uma hora por dia a essa sensação térmica. “Quando você tem 40ºC na sombra, para onde você vai? Onde você vai se esconder?”, diz Nobre.

De acordo com a pesquisa, as principais vítimas dessa situação vão ser as populações em condições de maior vulnerabilidade social, considerando infraestrutura, saúde e renda, por exemplo na região afetada.

Quando essas ondas de calor chegarem, não tem vacina. Não tem como se defender. O efeito combinado do desflorestamento, savanização e mudança do clima representa um perigo para a saúde pública que não tivemos até aqui.

Paulo Nobre, pesquisador do Inpe

O estudo aponta menor potencial de resposta da região aos possíveis efeitos da combinação de desmatamento e mudança climática, e relembra que, na pandemia de Covid, a Amazônia foi o primeiro local do país a ter serviços de saúde colapsando.

Mas toda a Amazônia vai realmente virar a savana? Não necessariamente. Segundo o pesquisador do Inpe, os modelos às vezes têm dificuldade de apontar a velocidade dos impactos das mudanças. Por isso, os cientistas decidiram “exagerar” a situação, para conseguir compreender o potencial impacto da floresta tropical —ou da ausência dela, no caso.

Segundo Nobre, não é preciso perder toda a floresta para haver o estresse térmico e os efeitos combinados de desmate e crise climática já são sentidos atualmente.

Não há mais como controlar um dos aspectos apresentados na pesquisa: a crise climática, já instalada e que necessariamente continuará a evoluir, como mostrou o relatório mais recente do IPCC.

Mas a destruição da Amazônia ainda pode e precisa ser contida. Se o desmatamento não for controlado a tempo, a situação é de leite derramado, diz o pesquisador.

Além de zerar o desmate, Nobre aponta que o investimento em reflorestamento, e não só na Amazônia, é essencial. Para isso, seria necessária ação das esferas política, econômica e da sociedade civil.

“Parar de desmatar não é mais suficiente. No Titanic não era mais suficiente parar os motores para não bater no iceberg”, compara o cientista do Inpe.

Nobre aponta ainda que apesar do efeito no Norte das altas temperaturas ser maior, outras parcelas do Brasil também sofreriam, segundo a modelagem realizada. E o problema está longe de ser “só” o estresse térmico.

O pesquisador relembra do papel da Amazônia na regulação de chuvas e o potencial de desequilíbrio no ciclo hidrológico que sua destruição causa. Isso se torna mais importante ainda quando pensamos que a maior parte da produção de energia no Brasil é proveniente de usinas hidrelétricas. “Uma usina com lago seco não produz nada de eletricidade”, afirma Nobre.

O Brasil, atualmente, já passa por um momento de crise de energia e problemas no abastecimento de água em diversas regiões do país, com secas prolongadas e conta de eletricidade mais alta.

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Mais de 50% dos focos de calor foram registrados no começo de Setembro

O mês de setembro é um dos períodos do ano em que aumenta muito os números de incêndios urbanos e rurais dado as condições climáticas que favorecem estes acontecimentos. De acordo com o Corpo de Bombeiros o número de focos de calor registrado em todo o estado até o momento chega a 4.555, mais da metade foram registrados este mês.

De acordo com o Major Cláudio Falcão, deste número, 2.735 focos de calor detectados pelo satélite somente nos primeiros 11 dias do mês de setembro, o que significa mais de 50% do número total de focos.

Na capital acreana o número de ocorrências também aumentou muito nos últimos dias. Ainda segundo o major, até o momento o corpo de bombeiros registrou 2.974 chamadas para combater incêndios em Rio Branco.

“Tivemos um aumento significativo no início de setembro, estamos em período muito seco com alto risco de incêndio, e os incêndios ambientais urbanos tem aumentado” explica o major Falcão.

Para dar conta de tanta demanda, o Corpo de Bombeiros aumentou o número de viaturas e militares para atuarem no combate aos incêndios, o que segundo o major não tem sido suficiente para atender todas as chamadas.

“Nós aumentamos nosso poder operacional, tanto com relação a viaturas como no número de pessoal, mesmo assim nós temos inúmeras chamadas simultâneas que nem sempre é possível estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mas estamos com todas as viaturas empenhados para poder conter esse incêndios ambientais, principalmente os urbanos”, afirma Falcão.

Semana será de calor intenso aponta Friale; pancadas de chuvas não estão descartadas

O calor intenso vem registrando recordes no Acre. Segundo o pesquisador Davi Friale, os próximos dias também serão de temperaturas elevadas no estado.

Os municípios de Brasileia e Epitaciolândia, registaram as maiores temperaturas até o momento, com 36,7ºC, ocorrido na segunda-feira, 10, Cruzeiro do Sul também chegou na marca doa 36 graus. No sábado os termômetros marcaram 36,3ºC.

Já em Rio Branco, a maior temperatura do ano, até o momento, foi 34,9ºC, registrada no domingo, 9. Mas, o pesquisador alerta para novos recordes nos próximos dias, tanto na capital acreana, como no interior.

Friale alerta ainda para a possibilidade de temporais por causa pulsos úmidos e o calor deixado pela onda de frio polar que chegou na semana anterior criam condições favoráveis para ocorrência de fortes temporais, com chuvas intensas, raios, ventanias e queda pontual de granizo, no Acre, em Rondônia, no Amazonas, no norte e noroeste de Mato Grosso, no noroeste, norte e nordeste da Bolívia e na região de selva do Peru.

Temporal destrói casas no interior

Na tarde desta terça-feira, 11, um temporal atingiu o município de Porto Acre e deixou várias casas destelhadas, uma das residências perdeu além do telhado, parte dos tijolos na parte superior da parede ficou destruído com a ação do vento.

Segundo relatos dos moradores um forte chuva atingiu acompanhado de vento forte atingiu a cidade da vila do Incra, deixando várias casas destruídas.