Conservação focada somente em carbono pode desproteger a biodiversidade

Proteger os estoques de carbono nas florestas tropicais, em especial na Amazônia, é um dos principais objetivos de políticas públicas e ações de organizações ambientais em todo o mundo na luta frente às mudanças climáticas. Porém, um estudo publicado ontem (16/07) na Nature Climate Change, principal revista sobre o tema no mundo, mostra que a conservação focada somente no carbono pode levar à perda de até 75% da biodiversidade presente nas florestas de maior valor ecológico.

O trabalho, liderado por pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e do Centro de Meio Ambiente da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, partiu da seguinte questão: as medidas de proteção ao carbono nas florestas tropicais também garantem a sobrevivência das espécies de plantas e animais nesses locais?

A resposta a essa pergunta é complexa, mas os pesquisadores descobriram que os investimentos destinados a evitar perdas maciças de carbono em florestas tropicais são menos eficazes para a biodiversidade nas florestas de maior valor ecológico. Ou seja, nessas florestas (que são as mais preservadas) a riqueza de espécies da biodiversidade não está protegida quando se considera somente os estoques de carbono.

“Proteger os estoques de carbono das florestas tropicais deve permanecer um objetivo central em políticas de conservação e restauração florestal. No entanto, para garantir a manutenção da riqueza de espécies dessas áreas, a biodiversidade precisa ser tratada também como foco central desses esforços”, alerta a pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, uma das autoras principais do artigo.

A relação entre carbono e biodiversidade

Para chegar às principais conclusões, a equipe passou 18 meses realizando medições do conteúdo de carbono e da variedade de espécies de plantas, pássaros e besouros em 234 áreas nos municípios de Paragominas e Santarém, no Pará, região da Amazônia Oriental. Foram analisados quatro tipos de florestas: primária com pouquíssima ou nenhuma intervenção humana; floresta com extração madeireira; floresta com extração madeireira e queima; e floresta secundária, aquelas que já passaram por intervenções e estão em processo de recuperação.

A equipe descobriu que mais carbono significava mais biodiversidade em florestas severamente danificadas, principalmente naquelas secundárias e as que sofreram a extração da madeira e a queima. Por outro lado, naquelas áreas onde os impactos humanos eram menos intensos, as quantidades crescentes de carbono não eram acompanhadas por mais riqueza de espécies. Na prática, os crescimentos dos estoques de carbono e de biodiversidade caminham juntos nas áreas mais danificadas, mas o mesmo não acontece nas áreas mais preservadas.

Para a pesquisadora Joice Ferreira, a mudança na relação entre carbono e biodiversidade entre as florestas que sofreram diferentes níveis de distúrbios provocados por ação humana explica os resultados encontrados. Conforme as localidades desmatadas e altamente perturbadas se recuperam dos efeitos da exploração e de incêndios florestais graves, a biodiversidade também se recupera. No entanto, essa relação direta entre carbono e biodiversidade perde-se na etapa intermediária da recuperação. O resultado: as florestas com o maior teor de carbono não abrigam necessariamente a maioria das espécies.

“Isso acontece porque nas áreas onde a ação humana é mais intensa, a perturbação é o principal fator que dirige as características das áreas. Então, carbono e biodiversidade se recuperam concomitantemente. No entanto, em uma floresta sem ação humana, por exemplo, os fatores que governam as características das plantas e dos animais são diversos, como o tipo de solo, a luminosidade, as chuvas, a competição entre espécies e outros. Por isso, nesse caso, carbono e biodiversidade não são correspondentes”, explica a especialista.

Ações de conservação e restauração florestal com foco duplo

As florestas tropicais armazenam mais de um terço de todo o carbono terrestre do mundo. Fenômenos causados por ação humana, como o desmatamento e as perturbações florestais (extração seletiva de madeira, caça, incêndios e fragmentação florestal) podem provocar a liberação do carbono e exacerbar os efeitos do aquecimento global. Por essa razão, a proteção do carbono das florestas tropicais é uma das principais metas das iniciativas internacionais de combate às alterações climáticas, atraindo dezenas de bilhões de dólares em financiamento todos os anos.

“As medidas de proteção aos estoques de carbono não apenas podem desacelerar os efeitos das alterações climáticas, como também têm o potencial de proteger a vida selvagem única e insubstituível das florestas tropicais. Mas para isso é fundamental colocar a biodiversidade no mesmo patamar de importância do carbono”, afirma Gareth Lennox, um dos autores principais do estudo e pesquisador da Universidade Lancaster.

Toby Gardner, pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo, na Suécia, e também coautor do artigo, explica a importância de se ter uma abordagem de conservação mais abrangente. “Ao considerar carbono e biodiversidade juntos, descobrimos, por exemplo, que o número de espécies de árvores grandes que podem ser protegidas aumenta em até 15% em relação à abordagem com foco somente no carbono.”

A pesquisa oferece diretrizes para o alinhamento dos esforços de conservação de carbono e biodiversidade, especialmente em ações de restauração florestal. “Os resultados podem orientar o governo na escolha de áreas prioritárias para programas de recuperação de florestas, para a compensação de passivos ambientais”, destaca Joice Ferreira, da Embrapa.

“Embora algumas perdas sejam inevitáveis, os conflitos de estratégia entre o carbono e a biodiversidade podem ser reduzidos por um planejamento mais integrado em nível territorial”, pondera o cientista da Universidade de Lancaster, Jos Barlow, um dos coautores da pesquisa.

Acre celebra Dia Internacional da Biodiversidade com 87% de floresta nativa

A mudança do clima nos últimos anos resultou em uma nova agenda ambiental. Gestores do mundo inteiro se questionam como preservar sem frear o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, garantir mais cidadania aos habitantes. Essa equação o governo do Acre solucionou ao apostar numa política de desenvolvimento sustentável.

Ao mesmo tempo em que eleva seus indicadores, como o Produto Interno Bruto (PIB) – quarto do país a apresentar maior crescimento acumulado (IBGE) –, o Estado tem estimulado o fortalecimento de uma produção diversificada nas áreas abertas e florestais. A fórmula socioeconômica, que agrega preservação e produção, tem resultado na frequente redução do desmatamento ilegal – 66% na última década.

Nesta terça-feira, 22, celebra-se o Dia Internacional da Biodiversidade. No Acre, a data é comemorada com 87% de floresta nativa, sendo 47,9% composto por área protegida – Unidade de Conservação e Terra Indígena. Instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), o dia visa conscientizar sobre a importância da diversidade biológica, além da necessidade da proteção da biodiversidade em todos os ecossistemas do planeta.

Atualmente, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) estuda a consolidação de uma nova UC: Floresta Estadual da Gleba Afluente, situada entre Feijó e Manoel Urbano. Na categoria de uso sustentável, os 155,1 mil hectares de área poderão ser utilizados pelas famílias que residem na região, que já apresenta grande potencial produtivo florestal.

Cristina Lacerda, coordenadora do Departamento de Áreas Protegidas e Biodiversidade da Sema, observa a funcionalidade e relevância dessas regiões. “As UCs contribuem para a proteção das diversas formas de vida, sejam plantas, animais ou micro-organismos existentes dentro de seus domínios. Embora esse não seja o único ‘serviço’ que elas prestam ao mundo, trata-se da garantia de grande parte do equilíbrio dos ecossistemas.”

O processo de criação das unidades de conservação se expandiu com o ingresso da Frente Popular no Acre, fortalecendo-se em 2004 – implantação de quatros UCS. No ano seguinte, outras duas novas também foram legitimadas. Entre 2004 e 2017, o estado estendeu em 1.349.240,55 hectares seu território protegido.

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Floresta habitada, produtiva e conservada

Enquanto no Acre aproximadamente metade do território é composto por área protegida, o Brasil possui apenas 17% de território preservado por lei. Nessas áreas, além de assegurar a conservação e sobrevivência da fauna e flora, o governo acreano fomenta pesquisas, atividades econômicas extrativistas, manejos madeireiros e não madeireiros, concessão florestal, turismo de base comunitária, entre outros que contribuem efetivamente para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+), conservação da biodiversidade e dos recursos naturais.

Na Floresta Estadual do Antimary (FEA), localizada entre Sena Madureira e Bujari, por exemplo, o manejo madeireiro comunitário é um dos grandes potenciais produtivos e geradores de renda. Foi a primeira do país a receber o certificado internacional FSC (Conselho de Manejo Florestal) e realizar exploração de manejo, via concessão florestal. A atividade madeireira, promovida desde 2009, já gerou R$ 4 milhões aos comunitários da região.

“O manejo no Antimary tem garantido a preservação da floresta e gerado renda às famílias. A safra do ano passado rendeu 22 mil metros cúbicos de madeira legalizada e manejada. Outro local com grande potencial é o Complexo Estadual de Florestas do Rio Gregório, localizado no Vale do Juruá, que agrega três florestas públicas geridas pelo Estado. Estamos trabalhando, junto à comunidade, para que lá também seja realizada a concessão florestal”, explica o secretário de Estado de Meio Ambiente, Edegard de Deus.

As atividades extrativistas e a criação de pequenos animais também incrementam a renda familiar dos agricultores, extrativistas e indígenas acreanos. Compreendendo a importância de regenerar áreas abertas, agregando valor econômico e atuando na redução de áreas abertas, a gestão estadual desenvolveu os programas Florestas Plantadas e Fruticultura, que estimulam o cultivo de espécies de árvores – frutíferas e florestais – com alto valor de mercado.

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