Parte de quem atua na linha de frente do combate ao novo coronavírus no Brasil está trabalhando há um mês e meio sem receber. O Ministério da Saúde atrasou o pagamento de bolsas no valor de R$ 2.800 líquidos a residentes que iniciaram no programa até o mês de março, já em meio à pandemia de covid-19. Os profissionais ouvidos pelo UOL relatam angústia e frustração com o atraso.
O problema é com quem está no primeiro ano de residência, portanto quem começou no programa no mês passado. Trata-se não apenas de médicos, mas também de enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, assistentes sociais e de diversas outras profissões de saúde que atuam no SUS. A categoria trata o problema como “recorrente”.
A Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR) recebeu cerca de 200 relatos sobre o atraso, mas os residentes se organizaram via redes sociais e há uma tabela compartilhada que já conta com quase 500 nomes de quem está sem receber. Isso entre os que se manifestaram, porque o calcula-se que o total de pessoas sem receber esteja na casa dos milhares.
A residência exige um vínculo exclusivo dos profissionais, que ficam proibidos de ter um segundo emprego e, por consequência, uma segunda fonte de renda. Por isso o atraso deixa a categoria praticamente desamparada.
Nesta semana o assunto foi parar na comissão externa da Câmara dos Deputados que trata da covid-19. No documento apresentado, os residentes multiprofissionais afirmam que “estão em campo há um mês e meio sem receber um real, enfrentando escassez de EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] e alto risco de contágio”, mas “o Governo Federal demonstra um enorme descaso com a situação”.
“Não sei se aguento até o final do mês”
Marilia Bittencourt é mãe de três filhos e faz residência em enfermagem obstétrica em Londrina, no Paraná. Ela teve que se reerguer há algumas semanas, quando enfrentou a angústia da aproximação da pandemia, e agora respira fundo à espera de um pagamento que nunca cai.
“Há um mês eu comecei a me dar conta do que estava por vir e tive uma crise de ansiedade, não conseguia parar de chorar. Já não estava bem, pensando na pandemia. Aí busquei apoio psicológico, consegui ficar bem, e agora não recebo a bolsa”, conta, preocupada com a situação e impaciente com a falta de informação.
“Estava dependendo deste primeiro pagamento, ajustei minhas contas contando com ele. Agora as contas estão atrasadas, o dinheiro que é para o transporte e para a alimentação está comprometido. Não sei se aguento até o final do mês. É uma tensão muito grande.”
Ela diz estar tentando “viver um dia de cada vez” para não comprometer o trabalho e a própria vida em casa.