Improbidade administrativa

É o ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da administração pública no Brasil, cometido por agente público, durante o exercício de função ou decorrente desta. Em outras palavras, é o ato administrativo impregnado de desonestidade e deslealdade.

A enciclopédia esclarece que o simples ato de se utilizar da função pública para levar vantagens sobre outra pessoa já configura crime previsto na Lei 8.429/92.

Admito que, em alguns casos, os agentes públicos, em função da sua nomeação, esquecem de que as obrigações advindas do cargo devem ser observadas a partir da sua conduta de transparência e respeito. Assim, preserva-se a instituição sem que dela se beneficie direta ou indiretamente para qualquer fim – seja por coagir, ameaçar ou garantir vantagens para crescer politicamente.

Esta reflexão é muito bem-vinda em início de governos, onde grupos políticos se digladiam por espaços na administração pública, buscando cargos em todos os níveis, em todas as esferas do poder, na intenção de contemplar seus aliados e apoiadores, sem qualquer preocupação com a competência ou processo seletivo – no mínimo uma simples análise curricular ou até a exigência de tempo de experiência na função. Infelizmente, essas posturas condenáveis são expostas de forma escancarada na mídia, como forma de marcar território, mostrar força, sem qualquer questionamento dos órgãos de controle no que tange à prevenção do ato ilegal e, em alguns casos, ainda aplaudidos pela sociedade.

Os eleitos neste último pleito não se enganem. O povo votou em um sentimento, não em um candidato. Se esse sentimento for frustrado e não vier em breve o destravamento do ambiente de negócios, com a propalada desburocratização, redução da violência, mais empregos, desaparelhamento da máquina pública, assim como o combate à corrupção e à perseguição política, a sociedade voltará às ruas, pois é assim que tem que ser.

Ou seja, enquanto nossos representantes estiverem olhando somente para o próprio umbigo, não iremos avançar. Que venha o novo governo. Nosso país merece crescer e ser soberano, estamos maturados e prontos!


*Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Acre

Ainda faz sentido ser social-democrata no século 21?

O mundo vive uma crise profunda dos paradigmas ideológicos. A ideia de esquerda, direita e centro, herdada da Revolução Francesa, como referência para a dinâmica do sistema político, ficou em xeque. No século 20, a luta pela hegemonia política se deu entre liberalismo, social-democracia e comunismo. Estávamos diante de uma sociedade claramente estratificada entre capital e trabalho, onde projetos antagônicos se chocavam na arena das decisões sociais. Ainda assim nenhum bloco era totalmente homogêneo.

O liberalismo nasceu nos países ocidentais a partir das revoluções industrial, francesa e americana, calcado na teoria dos clássicos Adam Smith, Ricardo, Stuart Mill, Locke, Tocqueville, entre outros. Já de imediato enfrentou a oposição do conservadorismo de Edmund Burke, como crítica interna dentro do campo capitalista. Mais tarde, Hayek e Friedman, lançaram as bases do neoliberalismo.

Advogavam o Estado mínimo, a primazia do mercado, eleições democráticas, liberdades individual e coletiva e o império da propriedade privada. O indivíduo seria o centro do processo social.

Diante das iniquidades sociais e das péssimas condições de vida do operariado no “capitalismo selvagem”, veio à tona o movimento socialista em defesa de uma sociedade mais justa e igualitária.

Já na segunda metade do século 19 este campo político nasce marcado por dissensões internas. A vertente liderada por Marx e Engels, o anarquismo de Bakunin e o socialismo reformista de Lassale. A cisão desse bloco se consolidou a partir dos embates entre Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo, de um lado, e Kautsky e Bernstein, de outro.

Levanto este histórico não por diletantismo teórico, e sim porque o embate ideológico se radicalizou no mundo de Trump, do Brexit e, no Brasil, de Bolsonaro. O laboratório das ciências políticas e sociais é a vida. E ela problematizou todos os três paradigmas fundamentais. O liberalismo foi confrontado pelo aumento das desigualdades, como demonstrou Thomas Piketty, e pelas duas grandes crises mundiais de 1929 e 2008.

A social-democracia mergulhou em profunda crise em função da insustentabilidade do avanço do Estado de Bem-Estar Social, diante de estrangulamentos fiscais graves. E o comunismo encontrou seu fim na dissolução da URSS e do leste europeu e na queda do muro de Berlim. Por isso, é difícil compreender a saga anticomunista que alguns promovem no Brasil. Ou alguém enxerga sua presença ameaçadora nas decadentes experiências da Venezuela e de Cuba, no capitalismo de Estado da China ou na caricatura representada pela Coreia do Norte?

Hoje, relativizando ao máximo os conceitos de direita, esquerda e centro, ser social-democrata no Brasil dos nossos dias é ser radicalmente democrático na política, fortemente liberalizante na economia e jogar o foco no combate às desigualdades sociais, colocando o arsenal de políticas públicas em favor de um país mais equânime e justo.

Esse é o nosso desafio!


Marcus Pestana é deputado federal e foi, por dois mandatos consecutivos, presidente do PSDB de Minas Gerais.

Os três setores do sistema social no governo Bolsonaro

Com base nas propostas de campanha, no pensamento do presidente eleito Jair Bolsonaro, na visão de mundo e na trajetória das equipes (econômica, política e de infraestrutura militar), que darão rumo ao novo governo, bem como na grave crise fiscal em curso, é possível antecipar que o mercado será o mais beneficiado, dentre os três setores do sistema social, durante o governo de Bolsonaro.

O sistema social de qualquer país democrático está estruturado em três setores, que interagem, disputam poder e se fiscalizam reciprocamente – à semelhança do sistema de freios e contrapesos próprio da divisão das funções dos poderes – um moderando ou controlando os excessos do outro. São eles: o Estado (1º setor), o Mercado (2º setor) e a Sociedade Civil (3º setor).

O primeiro setor, o Estado, que opera com interesses não-lucrativos, com fins públicos e objetivos burocráticos, tem a primazia de administrar o uso de bens públicos para fins públicos.

A missão do Estado é organizar a vida em sociedade, por intermédio dos poderes, fazendo uso dos três monopólios que lhes são inerentes: 1) o de impor conduta e punir seu descumprimento, 2) o de legislar ou elaborar leis obrigatórias para todos, e 3) o de tributar, criar ou majorar impostos, contribuições sociais e taxas.

Para tanto, com ampla autonomia e independência, o Estado exerce cinco macrofunções: a) funções políticas, que consistem na definição de direitos e deveres dos cidadãos, assim como a relação entre pessoas e entre estas e as instituições; b) funções executivas, voltadas para a implementação das políticas públicas; c) funções jurisdicionais, direcionadas à solução de litígios;  d) funções fiscalizatórias, destinadas à garantia do cumprimento da ordem jurídica e da regulação estatal; e e) funções de defesa da ordem e integridade do território.

Por força da crise fiscal – e em razão da visão de mundo do presidente eleito e sua equipe – a estrutura do Estado e os gastos governamentais passarão por profundo ajuste, com redução de sua presença no provimento de bens e serviços, com a revisão de programas e benefícios sociais, além de enxugamento de sua máquina, tanto na parte de estrutura organizacional quanto em pessoal, com enorme reflexo sobre aqueles que dependem dos serviços públicos e da prestação do Estado.

O segundo setor, o mercado, formado por agentes econômicos privados, que opera com interesses lucrativos, com meios e objetivos privados, tem a primazia da competição. Sua missão, diferentemente daquela do Estado, é a lucratividade, a competitividade, a produtividade, a eficiência na produção e na relação de troca, com o menor custo.

O ambiente após o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff ficou caracterizado pela mudança de paradigma da relação do Estado com o mercado. Assim sendo, seria natural que qualquer governo, independentemente de sua visão ideológica, fosse mais liberal e menos intervencionista na economia.

E os capitalistas brasileiros, representados pelo mercado financeiro e pelo empresariado, passaram a rechaçar de modo ativo a intervenção governamental em seus negócios, especialmente na gestão e na margem de lucro/retorno. Passaram a rejeitar todo e qualquer governante que, sem razoabilidade, tentasse interferir na autonomia privada, seja via regulação, tributação ou outra forma que possa afugentar investimentos.

Essa visão defendida pelo mercado foi responsável, em grande parte, pelo impeachment de Dilma e a consequente posse e efetivação de Michel Temer na Presidência da República. No governo Bolsonaro essa agenda ganhará impulso, pois já na campanha o então candidato assumiu claramente o compromisso de aprofundar as mudanças de ordem liberal iniciadas no governo Temer, tanto na extinção ou venda de estatais, quando na revisão de marcos regulatórios tidos pelo mercado como intervencionistas, inclusive na área ambiental.

A sociedade civil, formada por organizações e movimentos não-governamentais, opera com interesses não-lucrativos, com meios privados, fins públicos e objetivos, preferencialmente, voluntários ou virtuosos, e tem a primazia das ações públicas não-estatais.

A sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou através da mediação ou através da repressão.

A sociedade civil, segundo Norberto Bobbio, é a esfera das relações sociais não reguladas pelo Estado e “o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou através da mediação ou através da repressão”.

Nessa perspectiva, a sociedade civil engloba os grupos, os movimentos, as associações, as organizações que as representam ou se declaram seus representantes, bem como as organizações de classe, os grupos de interesse, as associações de vários gêneros com fins sociais, e indiretamente políticos, dos movimentos de emancipação de grupos étnicos, de defesa dos direitos civis, de liberação da mulher, dos movimentos de jovens, entre outros.

A sociedade civil, segundo David Korten, comporta quatro estágios:  1º – prestação de serviços para suprir uma deficiência imediata (comida, abrigo, água, saúde etc); 2º – organização focada no desenvolvimento local; 3º – organização com engajamento político, indo além do desenvolvimento local e buscando mudar políticas e instituições locais, nacionais e globais; e 4º – movimentos sociais, formação de redes nacionais e transnacionais, movidas por ideologia e pela visão de um mundo melhor.

No governo Bolsonaro, os dois primeiros estágios, de acordo com a classificação acima, serão estimulados, porém os dois últimos serão fortemente questionados e correm até o risco de serem criminalizados, com a eventual adoção de legislação voltada a considerar como terroristas algumas ações desses segmentos.


Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), idealizador e coordenador da publicação Cabeças do Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis e Por dentro do governo – como funciona a máquina pública.

Cinco desafios dos governos do futuro

O último Relatório de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial apontou como o fator mais problemáticos para fazer negócios no mundo a “burocracia governamental ineficiente”. De uma lista de 16 fatores, a burocracia ficou em primeiro lugar, à frente até da corrupção, impostose instabilidade política.

Esse indicativo demonstra o peso de um Estado ineficiente e como ele repele investimentos no país. Essa seja talvez a agenda número um dos governos para vencerem o desafio do desenvolvimento e atraírem investimentos. E o Brasil não é exceção à regra.

Além de terem de criar um ambiente burocrático que seja eficiente para promover os negócios, os governos terão ainda de lidar com outro desafio relevante: a confiança do cidadão nas instituições públicas.

Evidentemente que a burocracia estatal entra nessa conta também. Contudo, o problema vai além. Segundo apurou o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a confiança do cidadão nas instituições públicas está ligada em grande parte a uma prestação de serviços eficientes, somando 71% de um total de 100%.

E é interessante notar que esse fator está bem à frente do segundo maior: integridade e prestação de contas, com 27%. Em outras palavras poderíamos traduzir dizendo que os cidadão estão mais preocupados em de fato terem (e verem) serviços públicos eficientes e de qualidade do que receberem prestação das contas do governo.

Esse fator nos leva a outra consideração: o perfil do novo cidadão. A crescente velocidade das relações viabilizada pela digitalização, a aproximação de pessoas, instituições e grupos facilitada pelas redes sociais, o maior nível educacional e de acesso a informações tem lapidado um novo cidadão, com maior protagonismo político, valores de igualdade, liberdade e participação e que gera maior pressão sobre os governos, demandando serviços públicos eficientes.

Do outro lado do “balcão” está o servidor público prestador desses serviços, que sofre com uma imagem estereotipada de desmotivado e resistente a mudanças, ao mesmo tempo em que tem que lidar com uma institucionalidade processual, complexa, onerosa e de alto risco. Sim, alto risco porque o excesso de controle e responsabilização de gestores tem levado à máquina pública ao que convencionou-se chamar de “apagão das canetas”, um desmotivo à inovação, uma paralisia burocrática ante o receio de inovar (e inovar é risco) na gestão e responder com seu CPF.

Fazendo par com o protagonismo do cidadão está a abertura dos governos. Esse fenômeno, uma onda mundial, significa projetos e ações que tragam da transparência, combate à corrupção, maior participação social na definição de políticas públicas e ao uso de novas tecnologias para tornar os governos mais efetivos e responsáveis. Esse é um fenômeno que (i) desafia novas formas de relação que atendam às expectativas dos cidadãos, (ii) demandam melhorar as políticas públicas em um mundo digital e (iii) traz um conceito de “governo centrado no cidadão”.

Essa nova perspectiva de ver o cidadão, não como súdito submisso provedor de recursos, mas como cliente de um governo que serve, que presta serviços, é uma resposta (ou consequência) das novas demandas do novo cidadão.

Não bastassem os desafios de atrair negócios, aumentar a confiança nas instituições e atender bem ao cliente, digo, ao cidadão, ainda há enormes desafios causados pelo avanço da ciência e da disrupção das tecnologias que fazem com os governos estejam à frente e tenham uma rápida capacidade de resposta. Vejam os exemplos dos carros autônomos e da carne high-tech. Será que isso impacta os governos e as políticas públicas.

Os carros autônomos já são uma tecnologia possível e que está sendo testada em diversas cidades nos EUA e até no Brasil. Empresas de tecnologia e montadoras de veículos estão investindo bilhões em pesquisa e desenvolvimento de olho no mercado potencial, que vai gerar empregos, renda e impostos. A efetiva implementação geraria muitos ganhos em mobilidade, qualidade de vida e espaços públicos. Mas tem gerado problemas em questões relacionadas a segurança e empregabilidade.

A “carne high-tech” é outra realidade, avanço da ciência. E um problema para políticas públicas. O biólogo Mark Post, da Universidade de Maastricht, na Holanda, criou em 2013 o primeiro hambúrguer feito em laboratório a partir de células-tronco de bovinos. Para produzir a carne o material genético é colocado em uma cultura com nutrientes e elementos químicos que promovem sua multiplicação. O que significa isso para um país que tem 250 milhões de cabeças de bovinos e é o maior produtor-exportador de carne do mundo? Como nos preparamos para isso?

Vencer a burocracia ineficiente, prestar serviços públicos eficientes, atender ao “novo cidadão”, centrar o governo no cidadão, lidar com o avanço da ciência e com a disrupção das tecnologias. Esses já são alguns dos principais desafios de hoje e que devem ocupar a agenda por um bom tempo, tanto governo quanto dos gestores, cidadãos e profissionais de Relações Governamentais

Os desafios de ontem já não são como os de ontem. Como lidamos com eles?


Eduardo Galvão é executivo e professor de Relações Governamentais e de Políticas Públicas no Ibmec e no UniCEUB e fundador do Pensar RelGov.

A carga tributária cresce no Brasil – II

Estudo divulgado pela Receita Federal atesta que a arrecadação cresceu pelo terceiro ano seguido. “Em 2017, a Carga Tributária Bruta (CTB) atingiu 32,43% contra 32,29% em 2016, indicando variação positiva de 0,14 pontos percentuais. Essa variação resultou da combinação dos acréscimos em termos reais de 0,99% do Produto Interno Bruto e de 1,4% da arrecadação tributária nos três níveis de governo.” O PIB em 2016 foi de R$ 6,259 trilhões de reais e os impostos de R$ 2,021 trilhões de reais. Em 2017, o PIB foi de R$ 6,559 trilhões de reais e os impostos de R$ 2,127 trilhões de reais.

O crescimento da arrecadação ocorreu sem a retomada vigorosa da economia e, diversamente do imaginado, não foram os tributos federais que influenciaram na alta da carga tributária. Os Estados e os municípios foram os responsáveis pelo crescimento da arrecadação. Nos últimos três anos a participação da União na arrecadação caiu, enquanto os demais entes subiram.

Comparando o Brasil com os demais países da OCDE, nossa carga tributária fica abaixo da média da organização que é de 34,3% em 2016. Quando olhamos a tributação sobre a Renda, Lucro e Ganho de Capital, ficamos em último lugar com a menor carga (6,5%), sendo a média de 11,4%. A carga sobre a Folha Salarial de 8,5% fica acima da média de 4,8%. Sobre a Propriedade, a média da organização é de 1,9%, enquanto aqui temos apenas 1,5%. Mas nada se compara com a carga sobre os Bens e Serviços. Nosso índice é de 15,4%, enquanto a média da OCDE é de 11,2% e a máxima fica com a Hungria de 16,7%. Tributamos com força o consumo e a produção, deixando a renda e a propriedade como coadjuvantes. E é por isso que os produtos nacionais quando comparados com seus correlatos estrangeiros são mais caros. Nossa matriz tributária precisa ser revista para permitir o crescimento da economia e do desenvolvimento.

No Orçamento Fiscal de 2016, a arrecadação total foi de R$ 508,635 bilhões de reais e de R$ 516,464 bilhões de reais em 2017, um crescimento de 1,54%. O campeão foi o Imposto de Renda com R$ 387,626 bilhões de reais em 2017 (R$ 30,504 bilhões – pessoa física; R$ 113,815 bilhões – pessoa jurídica; R$ 243,306 bilhões – retido na fonte). O segundo foi o Imposto sobre Produtos Industrializados no importe de R$ 47,041 bilhões. O terceiro foi o Imposto sobre Operações Financeiras, R$ 34,660 bilhões, e o quarto foi o Imposto sobre o Comércio Exterior, R$ 32,350 bilhões. A Seguridade Social arrecadou em 2017 R$ 748,501 bilhões e os demais tributos R$ 182,140 bilhões, totalizando R$ 1,447 trilhão de reais.

Os tributos estaduais somaram em 2016 R$ 514,456 bilhões e R$ 547,073 bilhões em 2017, crescimento de 6,34%. O ICMS, primo rico do Imposto de Renda, teve crescimento de 6,74%, saindo de R$ 413,174 bilhões em 2016 para R$ 441,038 bilhões em 2017. O IPVA, outro imposto estadual, saiu de R$ 39,093 bilhões em 2016 para R$ 40,508 bilhões em 2017. O ITCMD decaiu de R$ 7,344 bilhões para R$ 7,242 bilhões. Portanto, o campeão estadual foi o ICMS que sozinho arrecadou mais que o Imposto de Renda e o IOF.

Os governos municipais não deixaram barato e também aumentaram a mordida do leão mirim em 6,70%. Em 2016 a arrecadação total foi de R$ 124,827 bilhões e de R$ 133,189 bilhões em 2017. O ISS, principal fonte dos municípios, subiu de R$ 53,837 bilhões para R$ 56,403 bilhões. O IPTU de R$ 34,333 bilhões para R$ 38,426 bilhões. O ITBI de R$ 9,481 bilhões para R$ 10,061 bilhões.

Observando a base de incidência e considerando a carga tributária de 32,43% em 2017, temos que 48,44% representam Bens e Serviços, 26,12% Folha de Salários, 19,22% Renda, 4,58% Propriedade, 1,63% Transações Financeiras e 0,01% outros tributos. A Receita Federal afirma que “Em relação à tendência histórica, com exceção da base “Propriedade”, que teve um leve aumento no percentual da arrecação (sic) ao longo dos anos, as demais bases de incidência mantiveram-se relativamente constantes na composição da arrecadação tributária total no período analisado, conforme se pode observar nos percentuais de participação, de 2008 a 2017, …”. “Quando se compara a tributação por base de incidência, observa-se que para a base Renda o Brasil tributa menos que os países da OCDE, enquanto que para a base Bens e Serviços, tributa, em média, mais.” Como escrevemos acima, a matriz tributária precisa mudar para permitir o crescimento da economia.

Os dados fiscais do relatório continuam, mas sua leitura trará apatia ao leitor, o que não é nossa intenção. Os informes considerados relevantes foram prestados acima e o leitor poderá formar sua própria convicção quanto aos valores arrecadados pelas três esferas do poder fiscal.

Não falta recurso, o que existe é falta de comprometimento do gestor público com os valores arrecadados. A corrupção, o desvio e a malversação do erário viraram regra no sistema político, portanto, não será mais dinheiro, mais tributo, mais autuação fiscal que irá resolver o problema da saúde, da educação e da segurança. Precisamos de gestores honestos, com conhecimento técnico e compromisso com o bem público.

O volume arrecadado com o ICMS ultrapassa a soma do Imposto de Renda e do IOF, assim, o choro dos governadores por mais recurso não faz sentido. A questão central não é a baixa arrecadação, mas a administração dos recursos arrecadados.

A iniciativa privada busca assumir diversos serviços públicos, exigindo apenas segurança jurídica, ou seja, não quer surpresa nas regras firmadas depois de investir bilhões de reais para fazer o serviço público. O Brasil precisa ser um país sério em tempo integral. Brincar de seriedade durante o dia esperando a noite chegar para começar a malversação pública afugenta o investimento privado e sobrecarrega o serviço público, situação conhecida por todos.


Marco Antonio Mourão de Oliveira, 42, advogado, especialista em Direito Tributário pela Universidade de Uberaba-MG e Finanças pela Fundação Dom Cabral-MG.

Política de drogas: por que persistir no erro?

Qualquer governante efetivamente preocupado com os interesses da população deve fazer uma reflexão séria sobre os resultados da política de guerra às drogas. Foi o que fez Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, na Assembleia da Organização das Nações Unidas no final do ano passado.

Santos confrontou a política norte-americana de guerra às drogas, ressaltando a tragédia humana que ela provocou em seu país. Em 50 anos, a Colômbia perdeu mais de 260 mil pessoas em conflitos que têm sua base na guerra ao tráfico.

A exemplo da Colômbia, 30 estados norte-americanos, Uruguai, Portugal e Canadá têm alterado suas políticas em relação às drogas visando à redução de danos e ao tratamento de usuários como uma questão de saúde pública.

Enquanto o mundo avança na discussão da política sobre drogas, entre 2005 e 2013 tivemos no Brasil um aumento de 345% da população carcerária por delitos relacionados a drogas. Em 2005, havia 32.880 pessoas presas por delitos desta natureza Em 2013, esse número saltou para 146.276. Em 2017, já havia mais de 200 mil, representando 28% do total da população carcerária.

O resultado é que já temos a terceira maior população carcerária do planeta, com mais de 726 mil presos, enquanto a violência explode e a população segue sofrendo e enterrando seus jovens. Em 2016, registramos o crescimento da taxa de homicídios para espantosas 62.517 mortes. Pela primeira vez superamos a taxa de 30 mortes por 100 mil habitantes.

A política brasileira relacionada às drogas ampliou o encarceramento drasticamente, mas a violência não diminuiu.

Vivemos uma situação em que uma parcela cada vez maior do orçamento destinado ao sistema de justiça e à segurança pública é utilizada para custear processos relacionados ao tráfico de drogas, em sua grande maioria envolvendo pessoas enquadradas como pequenos traficantes.

Policiais, delegados, promotores, juízes, agentes penitenciários são demandados para cuidar de um contingente populacional cuja prisão não está impactando na redução da violência — ao contrário: está destruindo famílias e fortalecendo, cada vez mais, o crime organizado nos presídios.

A proibição só tem aumentado os danos causados pelas drogas. Não protege a saúde das pessoas que usam drogas, pelo contrário, aumenta os riscos associados ao consumo. Crianças e adolescentes têm a mesma facilidade de adquirir substâncias ilícitas que pessoas adultas, sendo que o risco associado ao consumo por aqueles é comprovadamente maior que por estes. Não há qualquer controle de qualidade dessas substâncias. Por fim, a proibição também funciona como uma barreira para acesso de pessoas que usam drogas aos serviços de saúde.

Ao mesmo tempo, não temos notícias de que o consumo de drogas tenha caído, muito menos que as organizações que comandam o tráfico estejam se enfraquecendo. Enquanto isso, faltam recursos e estrutura para investigar e punir crimes como homicídios, estupros, roubos e tantos outros que aterrorizam nossa população.

A resposta do atual governo é aprofundar a dose do veneno, como fez o Conselho Nacional de Política sobre Drogas (CONAD), liderado pelo ex-ministro e deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), ao apostar no endurecimento do tratamento do Estado em relação aos usuários.

O Estado não deve abrir mão de seu dever de proteger a saúde pública e combater o consumo abusivo de drogas. Porém, é preciso fazê-lo com inteligência, de modo mais eficiente e menos traumático para a população — tal como fizemos com o combate ao consumo de cigarros, em que conseguimos reduzir o consumo em 65%, entre 1980 e 2010. Graças à regulamentação do comércio de cigarros no Brasil, seu consumo diminui cada vez mais, conforme o gráfico:

Precisamos reconhecer a tragédia social que a guerra às drogas vem promovendo em nosso país. Precisamos debater abertamente com a sociedade qual é a melhor política para enfrentarmos o consumo abusivo de drogas e combatermos o crime organizado relacionado ao comércio ilegal de drogas. Encarcerar jovens, em sua maioria pretos, pobres e de periferia, praticamente condena essa parcela da população a uma vida na criminalidade.

É necessário debater o combate ao consumo abusivo de drogas com racionalidade, sem tabus e com a coragem e a honestidade que deveriam ser inerentes a quem se dispõe a representar a população.


* Rogério da Veiga é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, trabalhou no Ministério da Educação, no Ministério do Desenvolvimento Social e na Prefeitura de São Paulo.

A regulamentação do lobby no governo Bolsonaro

Nessa semana o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, reiterou defender a regulamentação do lobby. Ele disse que a ideia ainda tem de ser ponderada, mas que “é melhor que isso (lobby) seja regulamentado do que feito às escondidas”, e que será objeto de uma discussão específica.

No último dia 29 (novembro) o presidente do Supremo Tribunal Federal STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, disse ser contra o desequilíbrio de influência, à restrição de acesso e à burocracia: “Sou daqueles que são contrários à regulamentação do lobby, pois ela só vai criar mais burocracia e excluir aqueles mais pobres do acesso ao Estado e aos serviços prestados pelo Estado”.

No dia 3 de dezembro o ministro Wagner Rosário falou à rádio CBN sobre regulamentação do lobby. Ele afirmou que ter comentado com o futuro ministro Moro sobre o assunto. Disse que existem dois modelos de regulamentação de lobby no mundo.

Um deles é um cadastro prévio, mas que não é a favor desse modelo pois facilita corrupção. Segundo ele, vários países que tentaram o modelo de cadastro não foram bem sucedidos. Foi o que já mostramos: porque a experiência americana de regulamentação do lobby deu errado.

O outro é o sistema de agendas, com ampla divulgação dos encontros das autoridades, que estão tentando implementar para os Três Poderes, permitindo um amplo conhecimento de quem se reuniu com quem, quando, com que interesse. Seguindo ele já há aprovação de três ministros. “Não tem nada de um norma muito complicada. A gente tem que fazer uma norma que permita o controle sobre as agendas das autoridades governamentais”. Afirmou, Rosário.

A CGU já ia nessa linha de regular administrativamente a relação, o encontro. O então ministro Torquato já era contrário à criação de um cadastro.

Conforme já expusemos, segundo pesquisa, a sociedade espera da regulamentação do lobby: um equilíbrio de influência (isonomia), diminuição da assimetria de informações e maior transparência. Felizmente de lá para cá o debate evolui e, junto a ele, evoluiu também a percepção de já temos normas suficientes regulando os agentes. Falta norma regulando a relação.

O ex-ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge, hoje lobista, já havia defendido que a prática de lobby, por definição, é “tentativa de convencimento por meios lícitos”. Também lobista e ex-ministro, Nelson Jobim, destacou que “exigir carteirinha de lobista suprime o direito do cidadão perante o Congresso”. Por isso o excesso de burocracia pode prejudicar o acesso de grupos com menos  recursos e afastar a isonomia.

Como sempre defendi, a futura regulamentação deve olhar para o profissional de Relações Governamentais como o que realmente é: um agente auxiliar do processo democrático. E trazer garantias de transparência, diálogo e isonomia.

Tocqueville já defendia o funcionamento de uma democracia, não tirânica e em contextos não eleitorais, com a participação de formas corporativas de representação de interesse como meio para prover o bem comum numa uma sociedade plural.

“O lobby e a corrupção tendem a se excluir mutuamente”. Em verdade um é o contraponto do outro. Enquanto o primeiro representa o convencimento como exercício de democracia, o outro é a compra de favores e que não encontra espaço em ambiente de discussão plural, ética e isonômica.


Eduardo Galvão é executivo e professor de Relações Governamentais e de Políticas Públicas no Ibmec e no UniCEUB e fundador do Pensar RelGov.

Conselho de Direitos Humanos da ONU

A celebração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos deve estimular, mais do que uma reflexão sobre o respeito ao próximo em todo o mundo, o resgate no Brasil da origem do documento e seus objetivos mais profundos, deixando de lado o viés ideológico que vem contaminando o debate já há alguns anos.

Esse ambiente só contribui para acirrar ânimos e fortalecer barreiras que não deveriam nem sequer existir. O que o país menos precisa agora é de conflito, sob pena de atravancar ainda mais a superação da crise e a retomada do crescimento em todos os seus aspectos e atividades – da indústria ao comércio, dos serviços ao consumo, do investimento ao desenvolvimento, da geração de emprego ao aumento da renda. E os direitos humanos têm tudo a ver com isso.

Há no ar uma falsa dicotomia entre o caráter universal dos direitos humanos e uma suposta benevolência do Estado diante de atrocidades, seja em guerras entre nações, seja em conflitos urbanos ou no campo.

Em um dado momento, consolidou-se aqui e no mundo um movimento contrário a um suposto “exagero” na aplicação dos preceitos da declaração – quando se defende, por exemplo, os direitos básicos de pessoas condenadas por crimes hediondos.

Essa onda perversa distorce o debate e gera a defesa de tristes máximas como “direitos humanos para humanos direitos” ou “bandido bom é bandido morto”, sem que os adeptos desse pensamento percebam o tamanho do risco associado a essa concepção dos direitos, uma vez que deixa de ser possível controlar os critérios pelos quais se definiria quem são “humanos direitos” ou até mesmo o que caracterizaria um “bandido”.

Promulgada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal foi uma resposta de 193 países às atrocidades da Segunda Guerra Mundial, em especial ao Holocausto e às bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki. Não tem força de lei, mas reúne as diretrizes básicas a serem seguidas por seus signatários, que devem consolidar os princípios em suas legislações, como aconteceu no Brasil.

Trata-se do mais importante documento já concebidos pela humanidade em defesa da paz, da vida, da dignidade e do respeito ao próximo, e funciona como instrumento fundamental para o combate à tortura, aos maus-tratos, ao desrespeito, à discriminação, ao preconceito e ao ódio.

A leitura dos 30 artigos da Declaração é rápida e inspiradora.

Já o primeiro artigo traduz de forma clara o objetivo do documento: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

O segundo artigo estabelece as principais garantias: “Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”

«O respeito aos direitos humanos não pode ser uma escolha. Deve ser o princípio essencial de todos», diz Glauco

A partir daí, cada artigo remete a um aspecto da vida humana, sempre de forma concisa e clara. O que mais impressiona é a atualidade do texto. Temas descritos em 1948 ainda são alvo de debates intensos nos dias de hoje, como o racismo, a desigualdade social, o gênero, a opção sexual, a nacionalidade.

É certo que houve avanços. O simples fato de a maioria dos países da ONU terem efetivado as garantias da Declaração em suas legislações já é um resultado poderoso. E foi capaz de punir e impedir muitas violações de direitos humanos.

No entanto, não foi suficiente para evitar guerras localizadas, seja entre nações, seja entre etnias de um mesmo país, ou entre seguidores de diferentes religiões, ou por motivos econômicos, como a disputa pelo petróleo.

No Brasil, apesar de muitos avanços e de uma legislação cada vez mais complexa e detalhista no combate à violência, o Atlas da Violência divulgado neste ano indica recorde no número de homicídios em um ano: mais de 62 mil, em 2016. O Disque 100, número de telefone para ligação gratuita e sigilosa destinado a denúncias de violações de direitos humanos, recebeu mais de 142 mil ligações em 2017, ou 390 por dia, em média, de acordo com dados da Ouvidoria Nacional divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos.

Dados como esses se multiplicam em todo o mundo, e muitas vezes as denúncias envolvem empresas, responsabilizadas em função da força econômica sobre um mesmo setor, ou comunidades, ou mesmo países. Assim, a concepção de garantia de direitos humanos passou a ser estendida, mais recentemente, para o âmbito empresarial, a partir do momento em que grandes grupos empresariais tornaram-se maiores que muitos países e passaram a ser denunciados por violações dos mais diversos direitos.

Por isso, em 2011 a ONU lançou, após uma década de debates, os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, e em 2014 deu início a negociações para criar um tratado internacional sobre empresas transnacionais e direitos humanos.

O documento foi constituído a partir de três fundamentos básicos: proteger, respeitar e reparar. Dessa forma, o Estado deve garantir políticas públicas para prevenir e reparar por violações de direitos humanos por parte de empresas, e as empresas ficam impedidas de violar direitos garantidos e obrigadas a prevenir, mitigar ou reparar impactos negativos sobre direitos humanos relacionados a suas atividades.

É, portanto, um caminho sem volta. O respeito aos direitos humanos não pode ser uma escolha. Deve ser o princípio essencial de todos, sejam pessoas físicas ou jurídicas regionais e multinacionais, representantes de governos e instituições públicas ou privadas, autoridades em todos os níveis e esferas de Poder, organizações nacionais e internacionais, especialistas, acadêmicos ou pesquisadores, formuladores de políticas públicas nacionais e mundiais que conduzam a humanidade para um futuro de paz e prosperidade.

Que todos nós sejamos capazes de, cada um fazendo sua parte, seguir a tríade da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 durante a Revolução Francesa, que inspirou a própria Declaração Universal de 1948: liberdade, igualdade e fraternidade entre todos os seres humanos.


Glauco Humai é cientista político e especialista em Gestão Sustentável de Empresas, Glauco Humai é presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce).

Mais saúde, mais médicos

A saúde é prioridade absoluta e desafio permanente. A reforma sanitária brasileira inverteu o modelo assistencial, colocando a atenção primária como centro organizador do sistema. Além das ações de prevenção, vigilância em saúde e promoção da saúde, é preciso que as equipes da estratégia de saúde da família tenham resolutividade clínica.

A estratégia da saúde da família conseguiu muitos avanços e êxitos. Mas a expansão do programa não é nada fácil num país continental como o Brasil e de tamanha diversidade.

Na organização das redes assistenciais tendo com núcleo gravitacional a saúde da família, o maior gargalo é o capital humano, principalmente em relação aos médicos. Há diversos problemas: formação médica, descentralização territorial, fixação dos profissionais para a consolidação de laços permanentes com a população, educação permanente em trabalho, organização do mercado de trabalho, padrões salariais.

Há mais de 400 mil médicos no Brasil. Temos mais de dois médicos atuando no país por cada mil habitantes. Índice próximo aos de países como Estados Unidos, Japão e Canadá. O problema é a distribuição regional. Mais de 55% atuam no sudeste brasileiro. Mais de 55% dos profissionais estão nas capitais, que representam apenas 24% da população.

Para suprir os vazios assistenciais, o Governo Federal criou o programa Mais Médicos. Sempre opinei no Congresso que seria uma saída paliativa e não sustentável. As relações trabalhistas são precárias e a qualidade da assistência é questionável. O programa foi tomado por enorme polêmica principalmente pela presença majoritária de médicos cubanos.

O modelo de remuneração específico, em que grande parte do dinheiro era dirigida ao governo cubano e à Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), foi fonte de inúmeros questionamentos. Há muito o maior “produto” no balanço de pagamentos cubano não é turismo, cana, açúcar, charutos ou rum, mas sim a exportação de médicos.

A partir disso, Cuba acabou formatando cursos curtos de “medicina básica” que não garantem a formação profissional necessária. É claro que alguma assistência é melhor que nenhuma. Mas não posso esquecer o relato de um prefeito de uma cidade de quatro mil habitantes que me contou que a médica cubana foi apelidada pela população como Dra. Dipirona, santo remédio, panaceia, remédio para todos os males. Os cubanos foram embora, não ficariam mesmo o resto da vida aqui. Vamos ver o grau de sucesso da nova etapa.

Mas não tenhamos dúvidas, e falo como gestor por oito anos do SUS de Minas Gerais, a saída sólida e consistente é melhorar a formação dos médicos de família – em Portugal e na Espanha a residência dura quatro anos – e estruturar uma inteligente carreira nacional dos médicos de família, com incentivos para a fixação dos profissionais em locais menos atraentes, como negociei na votação do programa Mais Médicos com o ex-ministro Alexandre Padilha e infelizmente a Presidente Dilma, rompendo o acordo, vetou.


Marcus Pestana é deputado federal e foi, por dois mandatos consecutivos, presidente do PSDB de Minas Gerais.

Os maiores problemas que os Millennials enfrentam

Os millennials são definidos pelos indivíduos que atingem a idade adulta no século 21 (depois do ano 2000). Os millennials pertencem à geração que mais beneficiou de avanços tecnológicos, o que criou uma grande diferença na forma como viveram a sua infância em comparação com as gerações prévias.

Millennials, atualmente, correspondem a um quarto da população mundial e, infelizmente, estão a enfrentar algumas dificuldades que não se esperava que fossem representar obstáculos para os jovens que nasceram entre 1980 e 2000.

Aqui ficam alguns exemplos de alguns dos problemas que os millenials têm enfrentado ao longo dos últimos anos:

Problema 1 – Estatísticas mostram que 40% dos desempregados são millennials. Os motivos são vários, como as crises financeiras que afetaram vários países desde 2008, mas a verdade é que os millennials tiveram e têm mais acesso a ensino superior, o que os permite alcançar excelentes qualificações na idade adulta.

Problema 2 – Questionários mostraram que os salários que americanos entre 18 e 34 anos recebem, são consideravelmente menos do que a mesma faixa etária em 1980. Em 2000, jovens adultos tinham um salário médio de 37 mil dólares, enquanto que os millenials receberam uma média de 33 mil dólares entre 2009 e 2013.

Problema 3 – Esta geração tem sido a que mais níveis de estresse e depressão têm sido apresentados. Os valores assustadores mostram que 1 em cada 5 jovens têm sofrido depressão associada com o seu emprego. O Brasil é atualmente o país com maior prevalência de depressão entre os seus jovens quando comparado com outros países da América latina. Isto fez com que saúde mental se tornasse um assunto imperativo para que indivíduos e empresas se pudessem educar sobre o assunto.

Problema 4 – Dívidas de faculdade

Estimativas das dívidas de estudantes americanos ronda 1.3 trilhões de dólares em empréstimos por semestre, duas vezes mais o valor calculado para a década anterior. Após uma pesquisa, estima-se que cada 4 em 10 estudantes entre a faixa etária dos 18 e os 29 anos, estejam em situação de empréstimo para a faculdade.

Problema 5Millennials têm tendência a comprar casa mais tarde, quando comparado com as gerações anteriores. Como esperado, o mercado imobiliário é influenciado pelo poder de compra da população, e dada as taxas de desemprego altas, isto é um processo que tem tido ocorrência relativamente mais tarde do que em gerações passadas.

Problema 6 – Outro problema da economia oscilante é a da redução de pequenos e médios negócios. Em 2013, foi estimado que 23% dos empreendedores eram millennials, uma taxa relativamente inferior quando comparado com os 35% registados em 1996. A falta de confiança econômica é uma das principais causadoras da redução de empreendedorismo, o que consequentemente afeta a economia de um país.

GCF: uma plataforma de vozes e parcerias

Um país diverso, grande e cheio de peculiaridades, mas todas essas características ecoam de diferentes maneiras e já levaram o Brasil por diversos caminhos. Na política ambiental existem pontos que se tornaram consenso, afinal, já passamos do momento de um conceito restrito, e falar em conservação é falar de qualidade de vida, geração de renda, inclusão social, produção. Essa é uma prática que se deixar de ser considerada significa retroceder.

Esse olhar certamente é direcionado de forma mais aguçada para a Amazônia brasileira diante de sua importância nacional e global. Dessa forma, os nove estados que integram esta região do país apontam um grande diferencial de uma atuação conjunta como ferramenta para avançar nos desafios, desde o momento de reivindicar algo diante do governo federal, como também em articulações internacionais, entre elas uma que considero das mais importantes e com resultados concretos, que é a Força-Tarefa de Governadores para o Clima e Florestas (GCF).

Como bem traduziu a diretora global Colleen Lyons, durante o encontro de transição entre governos atuais e eleitos, o GCF é uma plataforma para nossas vozes no nível jurisdicional, ou seja, ela permite o diálogo e ações entre estados de diferentes cantos do mundo, movidos pelos mesmos desafios e perspectivas. É um verdadeiro exemplo de “vamos dar as mãos e juntos enfrentar desafios e buscar as melhores soluções”.

Hoje a plataforma GCF reúne 38 membros, estados e províncias, envolvendo sete países. Já recebe apoio financeiro da Noruega, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, por meio da Califórnia.

A força-tarefa começa com os estados, mas ultrapassa as fronteiras e avança para um nível global, incluindo parcerias, entre elas já com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). E sendo esse espaço de vozes que reúne todos os estados da Amazônia brasileira, o que corresponde a 60% do território do país, na visão de Carlos Aragon, coordenador do GCF Brasil, é essa a região que pode de fato provocar uma mudança de comportamento do ser humano, uma mudança no modelo de consumo, que é necessária para atingir as metas de desenvolvimento sustentável.

E com orgulho, meus caros, digo que o Acre é um estado que ao longo dos dez anos do GCF, mais especificamente nos últimos oito anos, teve um protagonismo muito importante, e em dado momento foi apontado como referência no desenvolvimento de suas práticas quanto aos projetos de redução das emissões de carbono.

Nas palavras dessa profissional, que tem a missão de organizar, captar parceiros e fazer todo o diálogo com os estados, Colleen Lyons diz que o Acre é um laboratório de conhecimento e que o governador Tião Viana deixa o seu “DNA” no GCF para que outros carreguem esse legado, pois ele foi peça fundamental ao mobilizar outros governadores, ao ser uma liderança dentro da plataforma, atuando sempre muito além de questões partidárias com sabedoria ao firmar parcerias e com a devida sensibilidade, mostrando a real proporção dessa iniciativa. “Tião Viana é um líder dotado de muita gentileza. Foi uma luz dentro do GCF e o seu DNA fica para que outros levem esse exemplo pelos próximos anos”, relata Colleen.

Cada um com suas peculiaridades, mas com desafios e objetivos comuns, os estados brasileiros que integram a Amazônia levam ao GCF o sentimento e o movimento de quem acredita que podemos trilhar outros caminhos, reforçando o coro de que aqueles que estão atentos e comprometidos com essas questões merecem atenção e apoio.

Com o momento de transição de governo acontecendo no país, aos que permanecem é continuar a jornada; aos que entram, é necessário entender a dimensão desse movimento global, reconhecer o que foi realizado e continuar unindo forças, mantendo os respectivos estados nessa força-tarefa que cada vez mais faz ecoar uma voz forte, comprometida e que, de fato, alcança resultados que colaboram para a mudança e melhoria da vida no planeta.


PERFIL ARTIGOAndréa Zílio é jornalista, atualmente na função de secretária de Estado de Comunicação do Acre

O peso do governo nos nossos ombros

“Na mitologia grega, o titã Atlas recebe de Zeus o castigo eterno de carregar nos ombros o peso dos céus. (…) os pensadores, os inovadores e os indivíduos criativos suportam o peso de um mundo decadente enquanto são explorados por parasitas que não reconhecem o valor do trabalho e da produtividade e que se valem da corrupção, da mediocridade e da burocracia para impedir o progresso individual e da sociedade. Mas até quando eles vão aguentar? (…) Nesse cenário desolador em que a intervenção estatal se sobrepõe a qualquer iniciativa privada de reerguer a economia, os principais líderes da indústria, do empresariado, das ciências e das artes começam a sumir sem deixar pistas. Com medidas arbitrárias e leis manipuladas, o Estado logo se apossa de suas propriedades e invenções, mas não é capaz de manter a lucratividade de seus negócios. Mas a greve de cérebros motivada por um Estado improdutivo à beira da ruína vai cobrar um preço muito alto. E é o homem – e toda a sociedade – quem irá pagar.”

O texto acima foi transcrito do livro “A Revolta de Atlas”, segundo livro mais vendido nos Estados Unidos, perdendo apenas para o livro Sagrado (Bíblia). No Brasil, o livro foi lançado em 1987 com o nome “Quem é John Galt?”, não atraindo a preferência do público brasileiro. Relançado em 2010 com o novo título, conseguiu maior atenção.

Escrito por Ayn Rand, nascida em São Petersburgo (02/02/1905), Rússia, o livro conta a história de como um governo corrupto pode acabar com o espírito empreendedor de todos nós ao sobretaxar e regulamentar excessivamente os meios de produção e as empresas, tornando a relação do empreendedor com o Estado um lamaçal burocrático e de corrupção. Mostra que o domínio do sistema estatal por facção política que visa o locupletamento cava a sepultura do empreendedor, acabando com a geração de emprego, riqueza, inovação, tecnologia, educação, bem-estar e etc…

Para escapar da Revolução Russa Ayn foi morar na Crimeia em 1917, e em 1925 foi para os Estados Unidos com a justificativa inicial de visitar parentes, não voltando ao mundo soviético. Formada em Filosofia e História, foi durante toda a vida defensora do homem livre e da iniciativa privada, sendo opositora ferrenha do socialismo, sempre defendendo “o indivíduo contra o Estado e qualquer tipo de divindade ou religião que o obrigue a abrir mão de seus direitos em favor do bem público.”

O livro traz quatro personagens principais: John Galt, Dagny Taggart, Hank Rearden e Francisco d’Anconia, em três volumes de 1227 páginas no total. John, cientista, ao visualizar um governo obscuro, decide combatê-lo retirando os principais cérebros da economia, filosofia, direito e demais. Dagny, herdeira da maior empresa ferroviária, luta para manter em funcionamento seus trens de costa a costa. Hank, dono do maior complexo de aço, é atacado pelo Estado que busca a qualquer custo deter o conhecimento da fórmula do aço Rearden. Francisco d’Anconia, herdeiro das maiores minas de cobre do mundo, tem papel de agente duplo, mas no final escolhe combater o Estado totalitário.

No cenário catastrófico em que deságua a economia, só resta ao governo usar de seu poder coercitivo para baixar normas ilegais que impedem demissões e aumentam salários, cassando as patentes de inovação e de produção industrial de seus detentores, passando a emitir moeda sem lastro e a cercear direitos civis, prendendo opositores e transformando a máquina pública num ambiente de corrupção, incompetência e descaso.

O intervencionismo estatal chega a tal ponto que não se consegue produzir nada por falta de matéria-prima, a carga tributária é extrema e a sociedade civil começa a passar por escassez de produtos, findando com o caos energético e a ascensão da escuridão.

Poucos são os que se salvam ao criarem uma cidade escondida onde podem exercer a inovação, pensamento, liberdade, inteligência, sabedoria e dignidade sem medo e perseguição. O grupo é formado por empresários, artistas, profissionais liberais, agentes do Estado rebelados, pessoas comuns e todos aqueles que possuem dentro de si o espírito empreendedor.

Na obra, Ayn tenta passar sua filosofia de “defesa da razão, do individualismo, do livre mercado e da liberdade de expressão, bem como os valores segundo os quais o homem deve viver – a racionalidade, a honestidade, a justiça, a independência, a integridade, a produtividade e o orgulho.”

O livro é uma aula de empreendedorismo ao mostrar as dificuldades provocadas pelo Estado. A alta carga tributária, regras trabalhistas conflituosas, burocracia, corrupção, perseguição e desrespeito ao direito civil do cidadão são algumas das ações estatais que impedem o livre comércio. Um livro de 1227 páginas não pode ser só técnica e lições empreendedoras, deve ter um pouco de romance para prender a atenção do leitor que deverá separar a ficção da realidade, ou as lições empreendedoras e as artimanhas estatais contra a iniciativa privada do romance.

Ao terminar a leitura, o leitor fará comparação com a situação venezuelana. Todas as etapas percorridas pela facção dominante do poder na Venezuela foram contextualizadas, bem como as políticas econômicas adotadas atualmente pela maior potência mundial ao sobretaxar importações alegando proteção dos empregos e das indústrias nacionais. Escrito em 1957, qualquer semelhança com o Brasil do passado recente ou outro ente federado da atualidade, será mera coincidência.


Marco Antonio Mourão de Oliveira, 42, advogado, especialista em Direito Tributário pela Universidade de Uberaba-MG e Finanças pela Fundação Dom Cabral-MG.

Dias de Proust no café da manhã

Terminada as eleições, período de angústia e tensão para quem assistiu ao país escolher o caminho do senso comum, da bravata e da mentira como método, senti a necessidade de me afastar por um tempo das leituras e discussões políticas. Assim como o eleito deve, após o fechamento das urnas, descer do palanque e passar a preocupar-se em efetivamente governar, decidi recolher minhas bandeiras e voltar minhas atenções e esforços para algo que fosse mais útil e prazeroso ao espírito.

Veio-me, então, a disposição para, enfim, encarar a leitura da obra magna de Marcel Proust, projeto acalentado desde os tempos de faculdade e que, uma vez iniciado, acabou sendo interrompido no terceiro volume de Em busca do tempo perdido. A perspectiva de trocar pães com leite condensado por madeleines; bonés do Trump por chapéus da Belle Époque; berimbaus por pianos; era por demais tentadora: assim, peguei o caminho para Guermantes, no rumo oposto daquele que vai dar no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

Proust foi responsável por um feito inédito em meus hábitos de leitura: o de me fazer companhia no café da manhã, função tradicionalmente desempenhada pelos jornais desde a minha adolescência. Nesse sentido, sempre fui hegeliniano, realizando minha oração matinal realista com assiduidade e fervor.

Mas, é preciso confessar que minha fé nos diários há tempos anda abalada e, na maioria dos dias, limito-me a ler meus colunistas favoritos, sem encontrar em suas edições minguadas uma só reportagem que me desperte o interesse ou matéria que eu já não tenha visto no dia anterior.

Nostalgia jornalística

Ando tão herege que nem mesmo tenho dado bola para as edições dominicais – o equivalente da bíblia para os hegelianos como eu. Mas já foi o tempo das gloriosas edições de final de semana, com suas reportagens especiais, seus cadernos de cultura e ideias, seus escândalos descobertos por jornalistas investigativos. Tempo no qual meu pai saía do Lago Norte até o Setor de Rádio e TV Sul só para pegar os jornais no trabalho e me entregar aquela pilha enorme cuja leitura me ocuparia por toda a manhã e a tarde de domingo, jornais que seriam lidos dentro do carro enquanto eu ouvia música no toca-fitas e esperava a transmissão dos jogos do Fluminense na voz de Luíz Penido.

Enquanto sonhava em ter os cabelos e a camisa de flanela do Mike Patton, batia um papo com Nelson Rodrigues pelos telefonemas do Jabor até chegar a hora de ouvir o Super-Ézio guardar mais um gol para o barato bom barato bom do Fluzão.

Gostava tanto dos jornais de domingo que começava a lê-los ainda no sábado! Quando morava em São Paulo, esperava chegar umas seis da tarde e já corria até à banca para pegar um Estadão. E na sua companhia vetusta eu passava horas, cafeteira italiana no fogo, disco do Fellini no 4×1, começo de noite que poderia só acabar no dia seguinte após uma balada no Love ou n’Alôca.

E o domingo ficava assim inteiramente reservado para a Folha e aquela página inteira do Gaspari, o Nassif esculhambando a política econômica do FHC em sua coluna e os quadrinhos de Angeli e companhia tocando o terror nas páginas do Mais!

Mas chega de divagações! Deixa-me voltar para o Proust, pois só agora comecei o segundo volume e o Narrador vai, enfim, realizar o tão acalentado sonho de ir ao teatro ver a atuação da Berma. Convenhamos: é mais interessante do que esperar para saber quem será o infeliz escolhido para o Ministério do Meio Ambiente.

“Deixa o país inteiro apagar, deixa o país inteiro, nega”, cantava Cadão Volpato com doçura e resignação no Samba das Luzes. Deixemos, então…


PERFIL ARTIGOHenrique Fróes é professor temporário da rede pública de ensino do DF e jornalista profissional, com passagem em diversas redações de Brasília e São Paulo. Licenciado em Filosofia, é mestre em Psicologia Clínica e Cultura e em Metafísica.

A utopia e a Justiça do Trabalho

Aguardava, pacientemente, o início da minha audiência na 18ª Vara da Justiça do Trabalho de Brasília, quando, de supetão, escutei uma voz que brotava dos microfones plantados nos corredores do prédio judicial. Era o serventuário da vara convocando a “Utopia” para comparecer à sala de audiência. Cumpria ele a sua função de apregoar as partes, avisando-as do início da sessão de julgamento.

Curioso, fiquei no aguardo.

Afinal, pensei eu, como entraria a “Utopia” na Justiça do Trabalho? Estaria em frangalhos após a transformação da CLT em Consolidação das Lesões Trabalhistas? Estaria deprimida após o Supremo Tribunal Federal ter terceirizado o Tribunal Superior do Trabalho e liberado a classe trabalhadora para ser apropriada, como “coisa”, pela ganância do Mercado? Estaria disposta a propor algum acordo judicial ou se defender do engano corporificado em uma injusta ação trabalhista? Estaria receosa em ser extinta pelo novo governante de plantão e sua turma privatista? Conservaria, ainda, a esperança do Constituinte de 1988, quando projetou um Brasil mais inclusivo, justo e que tinha no trabalho um fator de dignidade humana? Continuaria altiva e ativa a nos ensinar de que não devemos desistir de lutar por um Poder Judiciário protetivo, plural e inclusivo?

Nunca saberei!

É que a “Utopia” não entrou na sala de audiência, tampouco apresentou qualquer justificativa para a sua ausência. A “Utopia”, desatendendo ao chamado judicial, confessara que desistira da Justiça do Trabalho. E a consequência de sua inércia restou em ato imediatamente praticado pelo magistrado. Não sei se tão frustrado quanto eu, ou já acostumado com atos semelhantes, o juiz aplicou à fugidia “Utopia” a pena de revelia.

Logo depois descobri que aquela “Utopia” não passava de uma empresa terceirizada, uma fugitiva contumaz da própria Justiça do Trabalho. A não utópica empresa era uma das infinitas outras nominações criadas para, diariamente, transformar em apropriação ilícita a riqueza produzida com o sangue e o suor da classe trabalhadora. A sua ausência, no entanto, significava que mais um trabalhador ficaria sem receber as verbas rescisórias legalmente devidas, tão necessárias diante da crise econômica, do desemprego galopante e da impossibilidade de se adiar a fome.

Aquele trabalhador será transformado em mera estatística da vergonhosa inadimplência patronal que habita os arquivos zumbis da Justiça do Trabalho, trágica e ironicamente, utilizada pelos próprios inadimplentes que pregam a morte da própria Justiça do Trabalho.

O grave é saber que a “Utopia” e suas irmãs seguem pregando a ilusória tese de que a gênese da questão está no “pecado original de nascer trabalhador ou trabalhadora no Brasil”, pois se recusam a compreender os “modernos e supremos tempos”. Escrevendo em outras palavras, tempos em que: os que não pagam os direitos trabalhistas também não querem ser obrigados a pagá-los.

Consola-me saber que a “Utopia” ausente naquela fatídica audiência não é a minha Utopia. E muito menos a Utopia que ainda resiste nos corações da classe trabalhadora, da advocacia militante, da magistratura consciente da sua função, do Ministério Público do Trabalho vigilante e de todos e todas que acreditam.

A Utopia que acredito segue firme na busca da Justiça negada aos trabalhadores da (des)Utopia revel. Até porque, como bem ensinou Eduardo Galeano: Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.


Cezar Britto é advogado e escritor, autor de livros jurídicos, romances e crônicas. Foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e da União dos Advogados da Língua Portuguesa. É membro vitalício do Conselho Federal da OAB e da Academia Sergipana de Letras Jurídicas.

O artesanato acreano e suas nuances

O artesanato acreano vem se destacando nacionalmente pela diversidade e qualidade de suas peças. Anos de trabalhos dedicados ao aprimoramento, tanto da gestão quanto da qualidade das peças, foram destinados ao artesanato para que se atingisse esse ponto. Porém, grande parte do Estado do Acre ainda não conhece seu artesanato, seus artesãos, tipologias, características e nem o impacto econômico que essa modalidade de comércio traz para a sua economia.

Esse artigo tem a finalidade de apresentar ao leitor as principais características do nosso artesão e artesanato. Tais informações foram obtidas de duas fontes importantes: a primeira, pelo cadastro dos artesãos do Programa do Artesanato Brasileiro; o segundo, por uma pesquisa de amostragem realizada pelo Sebrae no Acre através da coordenação do Projeto Brasil Original, cuja mostra serviu para balizar o planejamento estratégico dessa instituição para futuras ações de fomento ao segmento.

No Acre, existem hoje 1.793 artesãos cadastrados na base de dados do Governo Federal e estima- se que haja mais de 4.000 em atividade em todo o Estado. Deste público cadastrado, 32% estão situados na capital Rio Branco, sendo seguido de Tarauacá, com 10,3%, e Cruzeiro do Sul, com a concentração de 5,8% de artesãos. Os 51,9% restantes encontram-se distribuídos entre os demais municípios do estado.

Dentre os artesãos cadastrados, 72% são mulheres e apenas 28% são homens. Esses números apontam para uma realidade vista em quase todos os estados brasileiros: a mulher vem com seu trabalho, seja formal ou não, ajudando na renda familiar, sendo o artesanato uma das opções para geração de renda dessas famílias. Outra informação que corrobora com esses dados, é de que 76% dos artesãos produzem em suas residências e apenas 21% utilizam espaços de associações, cooperativas ou centros de artesanatos.

Em relação ao tipo de venda, 92% dos artesãos informaram na pesquisa que seu maior cliente é o consumidor final, 4,3% é lojista e 3,7% disseram ter outras formas de venda. Essas informações para o Sebrae são de alta relevância, pois apontam onde pode-se trabalhar para abertura de novos mercados consumidores e sobre o volume de artesãos que é preciso para inserir no mercado lojista, fortalecendo ainda mais a economia gerada pelo artesanato acreano.

Tratando-se da renda aferida pelos artesãos, 51,6% informaram que a atividade é a principal fonte de renda familiar e que em 48,4% dos casos, as vendas complementam rendas de outras atividades.

Em relação à renda média familiar, foi apurado que 53,4% dos artesãos ganham com a venda de artesanatos entre 1 e 3 salários mínimos; 4,6% ganham entre 3 e 5 salários; já 1,4% dos artesãos pesquisados faturam entre 5 e 10 salários mínimos por mês. Os demais 40,6% dos artesãos cadastrados não conseguem atingir nem mesmo um salário mínimo ao mês com a venda de seus produtos.

O trabalho que vem sendo realizado tanto pelo Sebrae no Acre quanto pelo Governo do Estado, através da Coordenação Estadual do Artesanato, oferece capacitações em técnicas artesanais para melhoria contínua da qualidade dos produtos, cursos e capacitações em gestão para aprimoramento da condução do negócio, bem como acesso a mercados através de feiras locais e nacionais.

Nas matérias primas utilizadas para confecção do rico artesanato acreano, pode-se citar através dos dados obtidos com a pesquisa que, 22,3% dos artesãos trabalham com a tipologia fios e tecidos, utilizando várias técnicas artesanais, entre elas o bordado, o corte e costura, o tricô e crochê; 20,6% dos artesãos acreanos trabalham com sementes diversas, produzindo assessórios de moda e utilitários; 16,3% trabalham especificamente com a madeira, produzindo as mais diversificadas peças; os 40,8% restantes trabalham com as mais variadas matérias primas existentes na natureza e no mercado.

Conhecendo um pouco mais as características desse segmento tão criativo e empreendedor, pode-se vislumbrar seu papel na sociedade e na economia do estado. Pode-se, também, ver o quanto esse segmento ainda precisa do apoio de instituições sérias para seu fomento. Além disso, chama a atenção o grande potencial de geração de emprego e renda que o artesanato pode proporcionar ao estado, aliado à importância para manutenção da cultura local.

Trabalhar com o artesanato nos últimos três anos no Sebrae me fez entender melhor suas nuances, seus jeitos, seus fazeres. Fez-me conhecer melhor os artistas por trás de cada peça, suas crenças, suas histórias, suas vivências. Entendi que um povo sem o artesão, sem o artesanato é um povo vazio de raízes, saberes e cultura.


PERFILMarcos Maciente é Gestor do Projeto de Artesanato do Sebrae no Acre

Bolsonaro ainda vai morder muito a língua, até aprender a engolir sapos

Uma das marcas mais fortes do discurso de Bolsonaro durante a campanha – e mesmo antes dela – foi a necessidade de desaparelhar ideologicamente o governo, acabando com a ocupação de cargos definida a partir da filiação político-partidária do escolhido. O futuro presidente afirmou em várias ocasiões que não aceitaria indicação partidária para a montagem do governo, e que suas escolhas seriam exclusivamente baseadas na competência e no conhecimento da área pelo ocupante. Teríamos um governo técnico, derrubando a prática esquerdo-petista de plantar em cada órgão um representante seu, independentemente de sua expertise ou know-how. Em várias ocasiões o futuro presidente acusou a esquerda petista de aparelhar ideologicamente o Estado. A última delas foi outro dia, quando afirmou que os médicos cubanos não passavam de um batalhão de agentes comunistas semeados nos mais diferentes rincões do país com a finalidade de doutrinar as massas e atraí-las para a ideologia marxista.

Vai morder a língua todo dia

Bolsonaro está comprovando a cada momento que daqui pra frente vai morder a língua um dia sim e outro também. Primeiro, porque no formato presidencialista de coalizão, não há como governar sem negociar com os partidos de sua base. E isso implica, sim, na distribuição de cargos. Desde que o diabo era menino sabe-se que a prática política implica na distribuição de cargos entre aliados – eu escrevi cargos, CARGOS, reforcem o negrito –, para manter a tropa unida e apaziguada. Sim, claro, o ideal seria que o eleito merecesse apoio livre e desinteressado. E tivesse liberdade absoluta para escolher tecnicamente sua equipe. Mas isso só ocorre na ficção de quem acredita que a vida é longa, o céu é perto e o mundo, uma maravilha. Vai ter de distribuir cargos, sim senhor. A menos que se desinvente a política tal como vem sendo praticada nas democracias desde a antiga Grécia pra cá. Ele próprio já começou a jogar água no incêndio iniciado em seu próprio partido, o PSL, que abriu o bué descontente com o caminhão de cargos entregues ao DEM em áreas de extrema relevância política, como a Casa Civil, a Saúde e a Agricultura. A senadora Soraya Thronicke, eleita pelo PSL em Mato Grosso do Sul, soltou o maior berreiro por ter tomado conhecimento pela imprensa da escolha de Tereza Cristina, do DEM, para pilotar a Agricultura.

Quem entra em campo tem de jogar o jogo

Como se diz nos corredores do Congresso desde os tempos do Senado do Império, quem entra em campo tem de jogar o jogo. Se não jogar o jogo, Bolsonaro vai amargar traições e vacilos de sua base a cada votação de matéria de seu interesse.

Igualmente, o novo presidente não tem nem nunca teve como sustentar a outra afirmação – de que iria desideologizar e despartidarizar o governo, evitando as nomeações baseadas na inclinação político-ideológicas dos escolhidos, como acusa os governos petistas de ter agido. Na primeira ocasião, mordeu a língua e fez precisamente o que combatia e diz combater na esquerda petista. Em vez da competência e da isenção de Mozart Neves, diretor do Instituto Ayrton Sena, bandeou-se para o nome de Ricardo Vélez Rodríguez, um defensor dos golpistas de 1964, e o convidou para ocupar a pasta da Educação. Também, pudera: nem bem o nome de Mozart Neves foi posto na roda, as bancadas evangélicas bolsonaristas trataram de demonizá-lo sob a alegação de que é um crítico dessa excrescência apelidada de escola sem partido. Já Ricardo Rodríguez, além de defensor da gorilada de 64 que mergulhou o país em trevas durante mais de duas décadas, teve como padrinho a execrável figura de Olavo de Carvalho, um escritor que se auto-atribui o título de filósofo, ex-comunista e hoje protótipo mais fiel de um conservadorismo mofado, saudoso das botinas e das fardas verde-oliva.

Cripto-anti-marxista. Diabeísso?

Para a estratégica pasta das Relações Exteriores, Bolsonaro escolheu um lunático que inventou um tal de “globalismo” que ninguém consegue definir que diabo possa ser. Um troço inexplicável mas de utilidade retórica, que nem o tal de “bolivarianismo” de Chávez, que nem consultando o tarô e os búzios de Madame Natasha a gente descobre o que é. O futuro chanceler Ernesto Araújo, outra indicação de Olavo de Carvalho, é um cripto-anti-marxista. Chegou a escrever que a Revolução Francesa foi inspirada em Marx, esquecido que o barbudo nasceu 30 anos depois dela… Logo, independente da competência ou mesmo da sanidade mental do escolhido, se é anti-marxista merece as bênçãos de Bolsonaro e tamos conversados.

E assim o mundo gira e a Lusitana roda. E assim o futuro governo vai sendo ideologizado pela direita mais truculenta, venal e burra, do mesmo jeitinho como até outro dia era ideologizado pelo fanatismo da esquerda lambuzada na corrupção. E assim as indicações para os cargos têm de agradar aos partidos de sustentação, que Bolsonaro garantiu que não faria. E assim o mito de pés de barro vai provando, dia sim e outro também, que de novo não tem coisa alguma. É apenas mais do mesmo, com o sinal trocado. Filme velho. Pior é que estamos trancados no cinema e temos de assistir a sessão até o final, seja lá quando termine e as luzes – finalmente – se acendam.

Ah, as luzes…

​E olha: pelo jeito, o filme é um loooooooonga-metragem. E bota longa nisso. Não tem intervalos. O cinema não tem banheiros nem pipoca pra vender. E tudo indica que não vai terminar em happy end.


Paulo José Cunha é professor, jornalista e escritor.

Super-herói brasileiro

Clichê: Em visita ao Brasil, alguns super-heróis da Marvel olham para uma garotinha no beiral de um prédio em chamas.

Homem-de-Ferro: — E aí Homem-Aranha, vai escalar o prédio e salvar aquela garotinha?!

Aranha: — Não vou entrar aí. Acabaram de dedetizar esse prédio. Vai você, Homem-de-ferro!

Homem-de-Ferro: — Eu não. A última vez que salvei uma garotinha do fogo quase derreti. Só não fiquei desempregado graças a uns extras que fiz como Homem-Ferro-de-passar.

Mulher-Tempestade: — Então, foi graças a você que ganhei furos na minha super-roupa! Tomei chuva, peguei resfriado e fiquei sem fazer filmes por um ano. Só não “dancei” porque usei meus relâmpagos para animar baladas funk.

Wolverine: — Vocês estão reclamando? E exibindo lâminas nos dedos: — Eu não posso nem me coçar. A última vez que enfrentei o Homem-Micose peguei um chulé desgraçado!

Aranha: — Se estamos com medo de nos machucar e perder o emprego, quem vai salvar a garotinha?!

Em algum lugar no meio da multidão ouve-se uma voz:

— Eu! O Homem-Camelo!

Homem-de-Ferro: — Super-heróis, ouviram isso? Eu entendi bem? Um super-herói chamado Homem-Camelo?!

Homem-Camelo tossindo: — Eu…Cóf! Cóf! (assim tossem os heróis dos gibis) dou um jeito! Cóf!

Aranha: — Apareça! Por que a demora?

E a vozinha do Homem-Camelo responde: — A condução atrasou.

— Há, há, há! (Riem os heróis como nos gibis)

Homem-de-Ferro: — Tomando condução? Que Super-herói é você?

Ainda imerso na multidão nosso herói responde: — Sou Homem-Camelo. Super-herói brasileiro.

Tempestade: — Vergonha! O sindicato dos super-heróis precisa tomar uma providência.

Os superes buscam no céu o herói brasileiro. Logo atrás deles surge o Homem-Camelo. Magro, franzino, ar cansado e abatido, terno amarrotado e gravata torta. Ele se junta ao grupo na procura, depois de um tempo bate nas costas da Tempestade e pergunta: — Posso saber o que vocês estão procurando?

Tempestade: — Estamos à procura do Homem-Camelo.

Homem-Camelo: — Tô aqui.

O Aranha surpreso olha de alto a baixo para o nosso herói. Impossível não notar as duas corcundas nas costas dele e diz: — Você é o Camelo-Man?! (Camelo-Man, em respeito à língua de origem dos Super-heróis e ao status que se dá a um herói de ter nome inglês)

Camelo-Man entrega papéis ao Aranha: — Em carne e osso.

Tempestade: — Pra mim tá mais osso do que carne.

Sem se perturbar nosso herói continua:

— Meu cartão e minha identidade. Nome endereço, CPF, RG… Ah! desculpe foi junto a conta d’água. A foto tá meio borrada, ficou no bolso da calça e a mulher botou na máquina de lavar, mas sou eu mesmo.

Aranha: — Tem identidade secreta?

Camelo-Man: — Sou empresário do ramo de cítricos no litoral.

Tempestade: — O que quer dizer isso?

Camelo-Man: — Vendo limonada na praia.

Homem-de-Ferro: — Seus superpoderes estão nas costas?

Camelo-Man aponta as corcovas: — Isto? Cê tá brincando… problema sério de coluna, tentei “encostar”, mas ó! Fui cortado na perícia.

Aranha: — Então você não ergueu a Terra nas costas como Superman?

Camelo-Man: — Pior. Carrego a família nas costas. Em casa só eu trabalho. Sou eu, a patroa e oito filhos.

Tempestade: — Super-herói com essa roupa?! Sem grife. Deve ser um impostor, herói coisa nenhuma!

Camelo-Man: — Não sou?! Eu aguento chefe. Ganho merreca, moro na Rocinha na “Minha casa, minha Dívida”, tomo quatro lotações pro trabalho, durmo 4 horas por noite. As contas atrasadas. Meu cachorro pegou sarna porque passei nele. Sou mais que herói, sou sobrevivente. Agora me deem licença, tenho só uma hora de almoço pra salvar a menininha, se atrasar, tô na rua.

O Camelo-Man se afasta na direção do prédio. Entram os créditos: “Homem-Camelo ou Camelo-Man. Disk-super-herói mais perto de você. Aceita cartão.”

Stan Lee se foi. Saiu da história, talvez, como um de seus super-heróis saltando de prédio em prédio até desaparecer. Em sua memória pelos heróis que nos quis desejar ser.


perfilJosé Feliciano é redator e roteirista de humor e mistério — Médico de Gibi.

Escola sem Partido e com Religiões

Pastor evangélico da Assembleia de Deus e filiado ao Patriota, o deputado federal Erivelton Santana é autor do Projeto de Lei 7.180/2014, que propõe alterar o artigo 3º da Lei 9.394/1996. Sobre essa alteração, escreve-se: “os valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”, ou seja, anula-se a formação intelectual dos professores, por exemplo, de História, de Filosofia, de Sociologia, em nome da ordem familiar, como se tal ordem fosse unidade absoluta na realidade social.

No tocante ao aspecto religioso, o Supremo Tribunal Federal (STF) contemplou em 27 de setembro de 2107 famílias que têm suas religiões. O STF votou a favor de um ensino religioso subjetivo e dogmático, o que significa separar fé e razão, devendo a escola ser atravessada por vários dogmas de fé, pois “quem ensina os dogmas religiosos são aqueles que acreditam na própria fé”, justificou o ministro Alexandre de Moraes. Por essa razão, a teologia dogmática deve estar em sala de aula.

Assim, a disciplina de filosofia não pode cumprir função do ensino religioso ou o ensino religioso não pode chegar aos alunos por meio da filosofia, pois não seria ensino religioso porquanto o aluno perderia “o núcleo básico do ensino religioso, que é a fé”, concluiu o ministro Alexandre. Se coubesse à filosofia o ensino religioso, “confundir-se-ia”, segundo o ministro, “ensino religioso com filosofia”.

Para legitimar essa cisão, Alexandre de Moraes cita o filósofo Hegel, afirmando que a filosofia tem como base a razão, isto é, a filosofia se afasta da fé; separa-se do subjetivo e do dogma, não se caracterizando, portanto, como disciplina de ensino religioso. Entretanto, fé e razão em Hegel comungam-se, mesmo porque sua filosofia reconcilia os contrários. Hegel tem duas fases: 1ª) a religião harmoniza a reflexão e o amor, unindo-os no pensamento; 2ª) subordina a religião à filosofia. Além disso, o filósofo vê a religião não como assunto privado, e sim como valor educativo em seu livro Religião popular e cristianismo. Ao ter aprovado o ensino religioso confessional pelo princípio único da fé, o STF escolheu um Deus que não pode ser pensado em uma instituição criada pelos seres humanos justamente para eles pensarem: a escola.

Lugar destinado ao pensamento, a escola pública deveria ser o espaço legítimo para Deus ser pensado a partir, por exemplo, de Êxodo (3:14), onde o Criador diz a Moisés: “Eu sou o que sou”. Se o próprio Deus afirma que “Eu sou o que sou”, Deus é Aquele que é. Pensar Deus é, portanto, pensar o Ser, e o estudo que pensa Deus é o estudo filosófico, visto que só cabe à filosofia o estudo do “Ser”. Sem filosofia, não se pensa Deus, e o STF negou ao aluno estudar filósofos que pensam Deus.

Se o STF tivesse permitido à escola pensar Aquele que “é”, Deus deixaria de ser em sala de aula a subjetividade de cada religião e deixaria de ser o dogma de fé de cada homem enquadrado por sua religião, pois as subjetividades religiosas cederiam por meio da filosofia ao princípio Universal e o dogma de fé se apresentaria como aporia natural aos limites da linguagem filosófica.

O ministro Alexandre de Moraes partiu do princípio da fé (subjetividade e dogma) para justificar o ensino religioso confessional, mas o aluno não se encontra em sala de aula para aceitar por aceitar a palavra dada pela profissão de fé, e sim para entender por meio da filosofia que a linguagem, por ser limite nela mesma, não pode pensar mais do que pensa, chegando, portanto, ao silêncio. Nesse momento, a fé se faz “presente”, porque, não podendo Deus ser mais pensado por causa do limite da própria linguagem, a palavra silencia-se para somente crer. Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, por exemplo, construíram por meio da linguagem filosófica um caminho racional que os levou ao limite da palavra pensada para afirmar, só depois, a beleza da fé em Deus. O limite de Deus pensado é o limite da linguagem; porém, só depois de um longo trajeto racional, a linguagem se depara com sua linha de demarcação e afirma o dogma de fé. Alunos deveriam ter tido acesso a esse caminho da linguagem filosófica, mas ele foi obstruído pelo STF: seis ministros votaram no ensino religioso subjetivo e dogmático.

Se é bem provável que a Escola sem Partido não passe pelo STF, esse mesmo Supremo votou favorável à Escola com Religiões, contemplando em parte a Bancada Evangélica, pois, com outros religiosos, o pastor pode pregar sua fé e sua moral em sala de aula.


PERFILAldo Tavares é professor de Filosofia e Língua Portuguesa

Previdência estadual: emergência

A Comissão de Finanças Públicas da OAB Acre estudou o sistema previdenciário do Estado do Acre, em especial o Acreprevidência, compartilhando algumas informações no artigo escrito no último dia 11. O Acreprevidência nasceu com aposentados e pensionistas (4.593) transferidos da conta do estado ao custo inicial de R$ 7.622.133,14, frente às contribuições de R$ 9.098.349,39 (dezembro de 2006).

Hoje, os inativos e pensionistas somam 14.263, um aumento de 210,54% em 13 anos de existência do Fundo Previdenciário estadual, ao custo mensal de R$ 70.704.061,07, frente às contribuições de R$ 30.864.787,91 (novembro de 2018). Quando olhamos o aumento dos benefícios e comparamos com o custo mensal e as contribuições, observamos que o sistema precisa de ajuste. O custo mensal cresceu 827,62% entre dezembro de 2006 a novembro de 2018, e as contribuições apenas 239,24% em igual período, o que torna difícil equalizar o sistema.

No ano de 2011, o instituto chegou ao seu ápice quando o patrimônio acumulado estava em R$ 245.424.375,36, caindo desde então até chegar à importância de R$ 10.017.227,84 (outubro de 2018). O repasse do estado visando cobrir os déficits (militar e civil) somou R$ 32.062.710,65 (Fonte: Movimento Financeiro de Outubro de 2018 – Acreprevidência), e de janeiro a setembro de 2018 a média mensal foi de R$ 33.350.727,60.

Em dezembro de 2006 o estado possuía 25.016 servidores ativos e 4.593 inativos. Em novembro de 2018 são 22.728 servidores ativos e 14.263 inativos. A média dos benefícios em dezembro de 2006 era de R$ 1.659,51 e neste mês de R$ 4.957,17.

O estado possui atualmente 1.759 servidores que podem requerer a aposentadoria imediatamente. Outros 3.889 irão adquirir o direito nos próximos 4 anos. Ao final de 2022, o capital adicional necessário para pagar os benefícios será de R$ 20.409.037,61, mensalmente, elevando o custo mensal em mais de R$ 91 milhões de reais (R$ 70.704.061,07 + R$ 20.409.037,61).

A receita projetada para 2019 é de R$ 507.638.659,03; 2020 R$ 573.784.011,04; 2021 R$ 643.819.145,59 e em 2022 R$ 723.272.618,60. A despesa projetada para 2019 é de R$ 1.069.397.307,62; 2020 R$ 1.288.736.370,97; 2021 R$1.553.063.040,29 e em 2022 R$ 1.871.604.512,33. O resultado da equação projetada é de déficit crescente no importe de R$ 561,758 milhões de reais em 2019, R$ 714,952 milhões de reais em 2020, R$ 909,243 milhões de reais e de R$1,148 bilhão de reais. Para 2018 o déficit projeto é de R$ 370,141 milhões de reais.

O Acreprevidência teve superávit apenas nos três primeiros anos (2006-2008), e a partir de 2009 o déficit só teve viés de crescimento. Em 2009, ano do primeiro déficit, a insuficiência de recurso para pagar os benefícios era de R$ 3.259.477,03; 2010 R$ 19.790.107,59; 2011 R$ 39.452.479.84; 2012 R$ 58.397.249,56; 2013 R$ 94.705.066,75; 2014 R$ 143.046.206,22; 2015 R$ 236.492.782,49; 2016 R$ 317.731.188,76; 2017 R$ 408.278.055,49 e de R$ 370.141.218,25 em 2018. Acrescentando os próximos quatro anos: 2019 R$ 561.758.648,59; 2020 R$ 714.952.359,93; 2021 R$ 909.243.894,69 e de R$ 1.148.331.893,73 em 2022.

Os valores acima (2009-2018) foram aportados no instituto pelo governo estadual a fim de complementar o pagamento dos servidores inativos. A projeção de novos aportes (2019-2022) demonstra que numa economia dependente das transferências correntes (dinheiro da União), o orçamento local será insuficiente para pagar os benefícios. Lembrando que os dados analisados são dos servidores inativos que somado aos servidores ativos reduzirá a margem de manobra na Lei Orçamentária Anual de 2018 e subsequentes.

Finalizamos o artigo passado afirmando que a criação de um novo Fundo, complementar, deve reduzir o déficit do atual. O novo fundo terá como teto o valor do INSS, ficando o novo servidor que desejar receber sua aposentadoria com o mesmo valor do salário da ativa, a necessidade de contribuir com outra previdência. Limitar o teto do maior benefício ao do INSS é uma forma de impedir o crescimento irresponsável do déficit, permitindo, ainda, que o estado tenha controle sobre a projeção inicial e final dos benefícios.

Por outro lado, o atual governo apenas cobre o rombo entre as contribuições e despesas do instituto. O problema ou o erro ocorreu no passado, na criação do Fundo que trouxe um passivo de servidores que estavam próximos da aposentadoria, sendo efetivadas no novo Regime com o valor do último salário em vez de ser pela média dos salários de contribuição. A situação ainda foi agravada pela política salarial do governo 2007/2010. Tais fatores contribuíram para o descasamento entre receita e despesa, gerando os déficits que consomem parte do orçamento a cada ano.

A criação da previdência complementar num ambiente político favorável reduzirá o déficit anual do próximo quadriênio para R$ 507.522.465,52 em 2019; 2020 R$ 583.669.920,52; 2021 R$ 667.633.680,85 e de R$ 759.464.575,28 em 2022. Portanto, a saída encontrada será a criação de um fundo complementar que ficará responsável pelo pagamento das aposentadorias dos novos servidores estaduais no limite ou teto do INSS, deixando ao livre arbítrio do servidor o desejo de realizar complementação para igualar sua aposentadoria ao salário da ativa.


Marco Antonio Mourão de Oliveira, 42, advogado, presidente da Comissão de Finanças Públicas da OAB Acre, especialista em Direito Tributário pela Universidade de Uberaba-MG e Finanças pela Fundação Dom Cabral-MG.

O general tem razão: a filosofia é menos importante

Vice do candidato Jair Bolsonaro pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), o general Antônio Hamilton Martins Mourão questionou em 19 de setembro o fato de crianças de 10 e de 11 anos estarem “estudando filosofia em vez de se dedicar a outras matérias mais importantes”. Eu, que não sou general, não comando homens, não passo de um professor menos importante porque leciono Filosofia; porém, mesmo assim, concordo com ele: como professor de Filosofia, sou menos importante, devendo ser substituído por um professor mais importante, quem sabe, um de Moral e Cívica.

Guardo com muito apreço em minha biblioteca um livro do então 2º grau, “Educação, Moral e Cívica”, de 1978, onde Edília Coelho Garcia cita filósofos, como o conhecido Blaise Pascal e o desconhecido francês André Verguez. Entretanto, na parte “A Consciência Moral”, Edília “exclui” a filosofia para se referir à moral, embora ela se sirva de conceitos kantianos. Talvez o general ignore, mas, ainda que instrumentalizada, a filosofia estava em Moral e Cívica.

Mas concordo com o general: a Filosofia é matéria menos importante, por isso que Moral e Cívica a instrumentalizou em 1978. Crianças de 10 anos não devem ler sobre Platão, pensador menos importante, tão menos importante que é estudado há mais de 2 mil anos em países atrasados educacionalmente, como a França, a Alemanha e a Inglaterra. Em um futuro governo de Jair Bolsonaro, o seu ministro da Educação precisará avisar a franceses, a alemães e a ingleses que a Filosofia é matéria menos importante. Esses países que investem muito pouco na educação desconhecem que a Filosofia é matéria menos importante.

Concordo com o general: crianças de 11 anos não precisam saber sobre Aristóteles, porque o Brasil não deve seguir exemplos de países europeus em que crianças leem sobre Aristóteles, estudam Aristóteles. Esses países desconhecem que Aristóteles é menos importante do que a matéria Moral e Cívica. Porque não sabe o que é ética, o Estagirita não tem como ensinar às crianças o que seja a moral. Aristóteles não sabe o que é ética, por isso a Filosofia é matéria menos importante. Pátrias subdesenvolvidas ainda ensinam Aristóteles a crianças, visto que tais países, como a França, a Alemanha e a Inglaterra, não sabem há mais de 2 mil anos que os filósofos gregos são menos importantes. Tenho certeza de que, uma vez no governo, o futuro ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, general Antônio Hamilton Martins Mourão, ensinará a essas nações atrasadas que a Filosofia é matéria menos importante.

Concordo com o general: crianças não devem estudar Filosofia, pois estudar Filosofia é atraso, por isso que as crianças francesas, alemães e inglesas são atrasadas. Desde o século 12, por exemplo, a Universidade de Oxford se edificou sobre as bases da Filosofia e, como todos nós sabemos, é uma das piores universidades do mundo. Penso, inclusive, que Filosofia como matéria para crianças seja coisa de países subversivos, como a França, a Alemanha e a Inglaterra.

Concordo com o general: as crianças precisam estudar matérias mais importantes, por exemplo, Ensino Religioso Confessional. Um professor-pastor é mais importante do que aprender religião por meio da Filosofia, porque, no lugar de ser motivado a pensar a palavra e a relação entre elas por meio do raciocínio, o aluno ouvirá do professor-pastor a palavra pregada como palavra de fé, transformando a sala de aula, portanto, em extensão de sua igreja, o que não ocorre em países subdesenvolvidos e subversivos, como a França, a Alemanha e a Inglaterra.

Concordo com o general: a Filosofia é matéria menos importante, devendo ser substituída por matérias mais importantes. Platão é menos importante. Aristóteles é menos importante. São Tomás de Aquino é menos importante. Santo Agostinho é menos importante. René Descartes é menos importante. Immanuel Kant é menos importante. Xavier Zubiri é menos importante. Só a França, a Alemanha e a Inglaterra não sabem disso. Precisamos avisar-lhos.

Concordo com o general e, já contando com a vitória de Jair Bolsonaro, rasguei o meu diploma de professor de Filosofia, posto que sou um professor de menor importância. Estou muito animado para me dedicar aos estudos de Teologia Dogmática pelo período de um ano e, com isso, lecionar Ensino Religioso Confessional, matéria mais importante. Pregarei a palavra do Senhor aos alunos. A escola será a minha igreja.

Será que professores franceses, alemães e ingleses de Filosofia seguirão o meu patriótico e divino exemplo? Espero que me sigam, porque, do contrário, seus países jamais sairão do atraso educacional.

Concordo com o general.


aldoAldo Tavares é professor de Filosofia e Língua Portuguesa. Artigo publicado no Jornal do Brasil

Novas tecnologias ajudam profissionais a atingirem objetivos empreendedores

Transmitir informações e fazer com que as tecnologias correspondam os processos comunicativos das pessoas parece ser algo bem complexo, e é, mas não é um bicho de sete cabeças. A ONU (Organização das Nações Unidas), por exemplo, trabalha para aumentar a conscientização sobre os desafios que as novas tecnologias representam para a sociedade, mas ainda é necessário reduzir o fosso digital e garantir que os benefícios das TICs estejam ao alcance de todos.

A incorporação de novas tecnologias produz constantes mudanças nos mercados de trabalho ao redor do mundo e ajuda pessoas a empreenderem, e opções como a Workana, plataforma de trabalho freelance, oferecem aos brasileiros um espaço de conexão entre profissionais freelancers especializados em diversas áreas e líderes de projetos com necessidades específicas, facilitando a forma como o trabalhador individual ganha dinheiro e as empresas consigam alavancar seus projetos pontuais.

Entre os benefícios relacionados às tecnologias de informação e comunicação, o acesso a oportunidades por meio de plataformas remotas apresenta um grande potencial de crescimento. É o caso da América Latina, onde, graças à Workana, profissionais independentes podem acessar mensalmente mais de 25 mil projetos, e conseguem trabalhar de onde quer que estejam, fazer seus horários e até conseguirem uma renda extra, dando a eles mais liberdade profissional e chances reais de conseguirem realizar o sonho de empreender.

Exemplificando também a importância de ter uma instituição para a formação de profissionais de alta performance e que fomenta o empreendedorismo, no próprio co-learning da Digital House, hub de educação para a formação de profissionais de alta performance para o mercado digital, alunos de Desenvolvimento Mobile Android abriram uma statup de consultoria digital. Possuir um universo que possibilita aos novos empreendedores, não só aprender com as TICs, mas fazer networking com outros profissionais do mercado e até com empresas que buscam profissionais digitais é muito importante para a sociedade.

Um estudo recente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) afirma que mais de 77% dos latinoamericanos acreditam que o acesso à internet deve ser priorizado mesmo em rotas e estradas. Na América Latina há talento para gerar a inovação que estamos procurando e precisando. É por isso que é essencial gerar a estrutura correta onde essa diferença pode se expandir e agregar valor.

Esta tendência para novas formas de acesso ao emprego é apenas um exemplo do potencial que o acesso às TICs tem na resolução de problemas de desenvolvimento, particularmente no contexto da globalização, e que pode promover o crescimento econômico, a competitividade, acesso à informação e conhecimento.


Guillermo Bracciaforte é cofundador da Workana, plataforma que conecta freelancers a empresas em toda a América Latina.

Esquerda precisa de um “voucher juízo”

Prestem atenção nestas frases:

“O país foi governado nos últimos 30 anos pela centro-esquerda. Agora mudou, é liberalismo, centro-direta conservadora. O problema do Brasil foi a visão social democracia, que quebrou o país. Vamos na direção contrária. O governo gasta demais. Precisamos encolher o Estado”.

“Para as pessoas que não conseguirem acompanhar [o liberalismo], para as quais não houve igualdade de oportunidades, a gente dá voucher, voucher saúde, voucher educação…”

São palavras de Paulo Guedes, o novo czar da economia. Nomeou os presidentes do BNDES e da Petrobras. Controlará Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, por enquanto.

No Itamaraty Olavo de Carvalho reina absoluto. Na Justiça, “Edgar Hoover” prepara sua equipe. Debochando da comunidade universitária, da ausência de provas e da dor da família do reitor assassinado pela infâmia, Luiz Carlos Cancellier, trouxe a delegada da “Ouvidos Moucos Cancellier” para o núcleo da futura “Operação Juízo Final”.

Tudo indica que Deltan Dallagnol está a caminho da chefia da PGR. Faz sentido. Com afirmações místicas orientando nossa diplomacia, um PowerPoint como método probatório é muito razoável.

Somente um milagre natalino será capaz de tirar Lula da prisão até o fim do ano. Se o bom velhinho não ajudar, o destino do ex-presidente a partir de janeiro deve ser uma “cela especial” em algum presídio. Hoover já anunciou: “Chefe de quadrilha deve ter tratamento diferenciado.”

Estamos diante de uma alteração do eixo político para a extrema-direita. Até quando esse sectarismo vai se sustentar ou prevalecer ainda é uma incógnita.

A última linha de resistência será a eleição para a presidência da Câmara e do Senado. As duas Casas parecem ser as únicas ainda capazes de segurar o ímpeto bolsonarista. Algo como as célebres batalhas de Verdun ou Stalingrado. Se as duas casas caírem, em pouco tempo estaremos todos falando alemão.

Perto dos comandantes alemães, o general Villas Bôas, um nacionalista de direita, parece ser do PT. O liberal-social Rodrigo Maia, do DEM, já chamado pelo Príncipe de Orléans e Bragança de “partido de esquerda”, certamente é do PCdoB. Renan Calheiros, defensor fervoroso de Lula, é líder inquestionável do PCO.

Parte da esquerda continua tonta com a blitzkrieg do exército adversário.

O pedaço hegemonista continua no “fantástico mundo de Bobby” planejando a próxima hashtag. Tem certeza que foi vitorioso com a série “A resistência heroica”. Depois de #NaoVaiTerGolpe #LulaLivre e #EleNao prepara o lançamento pomposo da quarta temporada.

Outra parte passou a acreditar em duendes. Sofre de ejaculação precoce. Prepara o anúncio imediato de uma candidatura à presidência catapultada por setores conservadores por cima de um suposto e improvável cadáver do PT.

Ao afrontar a tradição de Rio Branco em nossa política internacional, os novos ocupantes do Planalto parecem estar malucos. Será? Qual será a contrapartida do Tio Sam?

Questões contraditórias vão se colocar. Como conciliar represálias à China com os interesses do agronegócio? Como harmonizar o ímpeto liberal com o nacionalismo dos militares que já se declararam contra a privatização da Petrobras?

Como manter uma base no Congresso negando aos políticos participação em postos-chave do governo?

O fascismo é uma colcha de retalhos sem unidade programática. Sua união está calcada no ódio ao inimigo comum, petistas ou judeus. No poder, as contradições vão brotando, sua base esfacelando e só lhe restam dois caminhos: o autoritarismo aberto ou a derrota humilhante.

A história ensina como enfrentá-los.

Num momento tão grave da vida nacional, a esquerda brasileira precisa se colocar à altura do momento histórico. Em tempos de voucher, um “voucher juízo” seria muito bem-vindo.


perfilRicardo Cappelli é jornalista, especializado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foi secretário nacional de Esporte Educacional e de Incentivo ao Esporte nos governos Lula e Dilma. Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), é tricolor e Vila Isabel de coração. Exerce atualmente o cargo de secretário chefe da representação no DF do governo do Maranhão.