Quilherme Lima de Souza, o Bigode, quase vira vendedor de camarão, de mandioca, de açaí e de jambu. Mas o destino quis que ele fosse dono de boteco. E há 40 anos abre às 6 da matina a bodega de terceira categoria, como ele a chama, na praça do Terminal Urbano de Rio Branco, bem diante do mercado Elias Mansour.
O destino quis que ele vendesse cachaça a retalho. Numa certa amanhã do final da década de 1980 estava prometido a tocar um box no mercado. Levou rasteira, quando de madrugada, um grupo de desempregado quebrou os cadeados do portão e tomou posse de todos os espaços. Não houve polícia que desse jeito.
Por isso, voltou-se para outro lado da rua, onde havia um lixeiro. Mesmo com a área insalubre e fétida, imaginou seu barraco recheado de bananas e de farinha de tapioca – ou que desse pra vender e começar a vida de trabalho.
E foi nenhum, nem outro.
– Aqui, tu só vai conseguir vender cachaça, meu filho. Ouviu o conselho de um dos dois irmãos, comerciantes bem-sucedidos. Ganhou uma caixa de caninha 61 de um deles para começar. Com a aguardente, faria o seu primeiro capital de giro.
Faltava ainda a autorização da Prefeitura de Rio Branco. E não diferente de como é hoje com Marcus Alexandre, Bigode foi falar com o Kalume. O Jorge Kalume, tradicional político da Arena, governador biônico da ditadura e que em 1988 virou o alcaide.
– O Kalume morava ali onde hoje é a Habitasa. Corri lá na casa dele e estava saindo no seu Aero Willys preto. Nem por isso, deixou de me atender. Pediu para o motorista parar. Eu embarquei e ele ouviu meus apelos, indo comigo até o local.
Área limpa e construção autorizada pelo prefeito, ele correu para o abraço. A classificação de terceira não é depreciativa. É como está no alvará de funcionamento, porque a concessão não permite sinuca, nem mesinhas com cadeiras, nem jukebox.
Mas o local não deixa de ser animado pelo rádio portátil chinês Premier sintonizado na Difusora. Na ‘cocheira’, sal grosso e na vasilha, nacos de pepino, limão e acerola.
– Esta é a ração pra boi e eu também me considero um.
Aponta para o calendário da agropecuária que fixou na travessa de madeira. Na foto, há um garrote nelore. E ele tasca: – Tu se parece muito com ele, repórter!
Hoje, aos 69 anos, o irmão caçula de um dos comerciantes mais tradicionais da cidade, o ‘Chefe’, do bazar homônimo, na avenida Epaminondas Jácome, se sente feliz. O bar, tocado agora com a ajuda do sobrinho, é a extensão da sua casa.
– Já disse a amigos e à família. Daqui, só saio à sepultura. Aqui, nesse cantinho, sou o homem mais realizado do mundo.